Trótski vira novela
Manoel Hygino
Jornais de todo o
mundo publicaram, na semana passada, que a vida de Leon Trótski, controvertido
personagem da Revolução Russa de 1917, foi incluída na programação da rede
pública de televisão – a Pevry Kanal –, neste novembro, na Rússia. São oito
episódios, tendo como título o nome de um dos líderes do movimento.
É a primeira série
sobre a história da Rússia, segundo Konstantin Erns, diretor-geral do Kanal,
que já negocia a veiculação internacionalmente. Brilhante orador e teórico
marxista, Leon (ou Lev) Trótski atuou no mesmo nível de Lênin no período pré e
revolucionário. Foi fundador do Exército Vermelho e um dos autores do primeiro
plano da vitória dos bolcheviques na guerra civil russa 1918-1921. Terminou
preso, exilado e assassinado no México a mando de Moscou, marcado para morrer
por Stálin.
Geneton Moraes Neto,
em visita a Rússia, há poucos anos, esmiuçou o homicídio, detalhes até então
pouco conhecidos. Trótski projetava espalhar o comunismo por todo o planeta,
mas um aventureiro, Ramón Mercader, recrutado pela polícia soviética, se armou
de uma picareta e, em 30 de agosto de 1940, na casa da rua Coyacan, na Cidade
do México, pôs fim ao sonho.
O assassino contou à
polícia: “Fechei os olhos. Desfechei um golpe terrível na cabeça de Trótski. O
grito que ele deu jamais esquecerei. Um ‘ah’ longo e sem-fim, um som que ainda
ecoa em meu cérebro. Trótski ainda se levantou, correu em minha direção e
mordeu minha mão. Consegui empurrá-lo. Caiu, mas se levantou de novo”.
Em Moscou, Pavel
Sudoplatov, dirigente da KGB que recebera diretamente de Stálin a ordem para a
Operação Trótski, ouviu por mensagem cifrada de rádio, a confirmação do
sucesso. Cinquenta e seis anos depois, Sudoplatov narra com frieza o episódio,
“sem arrependimentos tardios ou sentimentos vãos”. Era missão de Estado. Pavel
ganhou distinções e uma casa de campo, uma dacha, mas voltou a cair em
desgraça, sendo preso na Penitenciária de Vladimir, a 200 quilômetros de
Moscou.
Anatóli, o filho,
lutou por reabilitar o pai, acusado não pela morte de Trótski, mas por “traição
ao partido”. Quando o jornalista brasileiro o ouviu, não lhe percebeu alteração
no tom de voz, ao responder sem pensar duas vezes:
"É bom lembrar
que, na Rússia, a tradição de assassinatos políticos sempre foi forte.
Revolucionários recorrem a assassinatos políticos. Não é nada anormal. Eu diria
que é uma prática típica de uma revolução”.
Indagado se não se
chocara com a participação do pai no projeto, não tergiversou: “Você insiste no
lado abstrato dos assassinatos políticos. Você deve saber que esse tipo de ato
é preparado por gente envolvida numa guerra secreta. É a tradição de todo
serviço secreto. Imagine que existe um estado de guerra entre grupos. Não há
lugar para sentimentos...”
“Tomei conhecimento
do assassinato de Trótski como m ato heroico, pelo qual meu pai foi
condecorado, assim como Mercader. Vejo meu pai como herói. O assassinato de
Trótski foi parte do processo de estabelecimento do grande papel da URSS no
mundo. É o lado trágico da história da criação de uma superpotência. O ponto
central era garantir o domínio de Stálin sobre o movimento comunista
internacional, importante para fortalecimento da URSS”.