Pacientes
recorrem à Justiça para ter tratamentos caros; gastos cresceram 1.000% nos
últimos 7 anos
Cinthya Oliveira
Cristina Paulino
depende de seis doses mensais de Soliris, medicamento usado no tratamento de
duas doenças raras
Há cinco anos, a
arquiteta Cristina Paulino, de 30, foi diagnosticada com hemoglobinúria
paroxística noturna (HPN), doença rara que atinge os glóbulos vermelhos. Por
oito meses, ficou na cama sentindo fortes dores nas pernas, costas e abdômen.
Para retomar as atividades, só havia uma solução: tratamento com o remédio
Soliris, cuja dose custa cerca de R$ 20 mil.
Para ter acesso ao
medicamento, porém, a arquiteta, assim como milhares de brasileiros, teve que
recorrer à Justiça. Somente o Ministério da Saúde gastou, nos últimos sete
anos, R$ 4,4 bilhões para atender a esse tipo de demanda – um aumento de mais
de 1.000% no período.
Fabricado pela
americana Alexion Pharmaceuticals, o Soliris só foi registrado pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no mês passado. Entretanto, os
portadores de HPN ainda devem recorrer aos tribunais para conseguir o medicamento.
Cristina passou a
usá-lo em 2013 e, quinzenalmente, recebe três doses do remédio. O custo mensal
do tratamento é de R$ 120 mil. “Quando fiquei doente, eu precisava de ajuda até
para ir ao banheiro. Era muito difícil me mexer. Por causa da anemia, também
tive que fazer transfusões de sangue. Depois da aplicação da primeira dose, já
senti uma melhora incrível e pude ter a minha vida de volta”, lembra.
Assim como ela,
Margareth Maria Araújo Mendes, de 44 anos, também precisa, desde 2013, do
Soliris para combater os sintomas da HPN. Mas conviver com a enfermidade não é
o único desafio. Há dois anos, a mulher busca um emprego, mas sem sucesso.
“Ninguém quer
contratar uma pessoa que passa por um tratamento contínuo. A cada 15 dias,
tenho que ir a um centro de saúde aplicar o remédio, e isso é feito no meio da
semana”, diz Margareth.
25 mil pessoas recebem medicamentos do governo do Estado por meio da
judicialização
À ESPERA – Com liminar em mãos, Mary
Cardoso aguarda o recebimento do medicamento
Cifras milionárias
Segundo o Ministério da Saúde, em 2016 foram gastos R$ 613 milhões para atender
442 pessoas com o Soliris. O custo médio por paciente é de R$ 1,3 milhão ao
ano.
Como alternativa ao
medicamento, os portadores de HPN podem fazer o transplante de medula óssea.
“Mas quem tem a doença não quer passar pelo procedimento. Há risco um enorme de
trombose, ou seja, risco até de morte”, explica Cristina.
Com direito assegurado, servidora precisa de liminar para conseguir remédio
contra o câncer
O tratamento de
câncer é garantido por lei no Brasil. Mesmo assim, muitos pacientes são
obrigados a recorrer à Justiça para ter acesso a um medicamento considerado
pelos médicos como imprescindível para a cura.
É o caso da
servidora municipal Mary Aparecida Cardoso, de 54 anos. Há dez, ela foi
diagnosticada com tumor no intestino e, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), fez
tratamentos e cirurgias. Mas, no ano passado, a doença voltou a se manifestar,
dessa vez no fígado. O médico receitou o medicamento Everolimus, que custa R$
15 mil e não é fornecido pela rede pública para tratar o câncer.
Para conseguir o
remédio, Mary entrou em contato com a Associação dos Servidores Municipais da
Prefeitura de Belo Horizonte (Assemp), onde há um setor específico para lidar
com a judicialização da saúde. Há duas semanas, saiu a liminar na qual o juiz
obriga ao município, Estado ou União a fornecer o remédio para ela por um
período de quatro meses.
“Sempre passa pela
cabeça: ‘e se eu não conseguir o remédio, como vai ser?’. Não tenho como
comprá-lo. Poderia vender meu carro, que é do tipo popular, mas conseguiria
tratamento para apenas 30 dias. Se não fosse o processo judicial, não teria
como fazer o tratamento”, afirma a paciente. Agora, ela aguarda ansiosamente
por uma carta com a informação da chegada do medicamento em um posto de saúde.
R$ 1,2 bilhão foi o gasto do ministério da saúde com compra de
medicamentos e outras determinações judiciais em 2016
Impacto
Advogada da Assemp, Valquíria Sales explica que a judicialização tem sido um
caminho cada vez mais utilizado pelos cidadãos para ter a saúde assegurada.
“Muitas vezes, as pessoas não precisam de remédios caros. Mas um que custa R$
100, por exemplo, tem um impacto muito grande no orçamento de um trabalhador
que ganha salário mínimo. Se ele não consegue a medicação no posto de saúde,
busca o caminho da Justiça”, explica.
Segundo ela, caso as
medidas judiciais não sejam cumpridas, advogados costumam pedir bloqueios de
contas da União, Estado ou município, para que as pessoas não fiquem sem os
medicamentos.
Recursos no STF
ainda não têm data para julgamento
Desde setembro de 2016, dois recursos extraordinários sobre a judicialização da
saúde no país estão parados no Supremo Tribunal Federal (STF). O andamento foi
interrompido depois que ministros pediram vista dos processos.
Um deles diz respeito ao fornecimento de remédios de alto custo indisponíveis
na lista do SUS. Já o outro é referente a medicamentos não registrados na
Anvisa.
Nesse caso, a
solicitação de vista foi do ministro Teori Zavascki, que morreu em janeiro
deste ano. Segundo a assessoria do STF, a documentação foi encaminhada ao
gabinete do sucessor dele, Alexandre de Moraes, em 28 de março, a quem cabe
devolver o processo ao plenário para a continuação do julgamento. Não há data
para isso acontecer.
Em fevereiro, a
ministra Cármen Lúcia manteve uma decisão que obriga o Estado do Acre a
fornecer o Soliris a uma paciente. “A negativa de tratamento à interessada
configura dano inverso que pode levar a óbito”, frisou.
Além disso
Assessora-chefe do Núcleo de Atendimento à Judicialização da Saúde da
Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), Patrícia de Oliveira informou que a
pasta gastou R$ 287,3 milhões para cumprir determinações da Justiça em 2016. “O
custo do produto judicializado é muito maior do que pela via administrativa,
uma vez que todo o processo de compra é individualizado, ou seja, o Estado só
compra se existir a ação judicial”. Atualmente, o medicamento mais caro
adquirido pela SES, por meio de liminar, é o Trastuzumab, usado no tratamento
de câncer de mama. No ano passado, o governo mineiro gastou R$ 27 milhões com o
remédio.
Para reduzir custos
e agilizar o trabalho, a SES e o Tribunal de Justiça fizeram uma parceria para
o desenvolvimento de uma câmara de conciliação na área da saúde. Por meio dela,
há uma intermediação entre pacientes e servidores das áreas farmacêutica e
médica. “A parceria com o Tribunal de Justiça e com a Defensoria Pública existe
para demonstrarmos como muitos dos medicamentos pleiteados já são fornecidos
administrativamente. Nesses casos, não é preciso seguir com o processo
judicial”, diz Patrícia.