Violência emocional, o
estupro que você não vê
Simone Demolinari
Muitas vezes os holofotes da violência jogam luz somente nas agressões
físicas, deixando de lado a violência emocional, aquela que não é vista por
quase ninguém, além da própria vítima.
O abuso psicológico machuca tanto ou mais que os maus-tratos físicos. É
um estupro ao equilíbrio psíquico e um assassinato à autoestima. Seu dano é
causador de depressão, pânico, fobias e males físicos, visto que o corpo
sucumbe à dor da emoção.
Esse tipo de abuso pode ocorrer de forma evidente ou sutil. É evidente
quando a violência acontece através de xingamentos, palavras ofensivas,
inferiorização, ciúme exagerado e chantagem. Já a forma sutil vem através do
egoísmo, frieza e descaso.
Não é fácil admitir que um ato de violência possa vir de quem mais
amamos e confiamos, como nossos pais, irmãos ou cônjuges. Muitas vezes, o
caminho que a vítima encontra é justificar a violência do agressor: “sei que
ele(a) quer o meu melhor”; “ele(a) é muito nervoso(a)”, “ele(a) só fala isso
para meu bem”, ou “ele(a) age assim porque também foi maltratado na infância”.
A vítima tende a fechar os olhos ao abuso emocional por dois motivos:
primeiro, por acreditar erroneamente que essa violência é algo premeditado. E
segundo, pelo fato de ela vir camuflada de amor. Acreditando que o amor tudo
supera, a vítima tende a entender os motivos de quem a agrediu, ficando o
agressor absolvido pela boa fé do agredido.
A violência psicológica acontece em episódios reincidentes com picos de
furor e retomada da harmonia. Geralmente, aquele que agride, volta a ser
agradável, simpático, amoroso e educado como se quisesse compensar a vítima
pelo estrago já feito. Já o agredido, por sua vez, fica aliviado e esperançoso
de que algo tenha se resolvido a partir daquele desentendimento. Mas, na
maioria das vezes, está enganado. O que ocorre é o agressor reincidir na
violência ao se deparar com uma frustração.
Mas não está correto culpar apenas um lado. A violência emocional é
mantida pelas duas partes: um abusa pela sua baixa autoestima e natureza
perversa mostrando poder e controle, enquanto o outro cede, também pela sua
baixa autoestima, mas por se sentir inferior e com sentimento de culpa. Ambos
tornam-se complementares nas suas imperfeições. Um sadomasoquismo emocional
inconsciente: um gosta de bater e o outro de apanhar.
Quebrar esse círculo vicioso não é simples. É preciso, em primeiro
lugar, enxergar o contexto sem a lente da ilusão: tortura e amor não
coexistem. Depois, é necessário abandonar a condição de vítima – uma “zona
de conforto” que na verdade é muito desconfortável.
Se a violência emocional não for interrompida, traz consequências para
os dois lados. Quem maltrata se solidifica no papel de algoz, ora prejudicando
ora salvando sua vítima. E quem sofre a agressão, com o tempo, assume também o
papel de agressor, carregando consigo cicatrizes da violência para o resto da
vida.