Governo cobra outorga na
licitação de hidrelétricas e quem paga é o consumidor
Tatiana Moraes
Os R$ 10 bilhões que o governo federal pretende embolsar com o leilão de
três usinas que pertenceram à Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) –
Miranda, Volta Grande e São Simão, a maior do grupo mineiro –, no segundo
semestre do ano que vem, serão pagos, com juros, pelo consumidor. O valor será
repassado para a conta de luz dos brasileiros pelo prazo que durar as
concessões.
Se a nova licitação seguir os critérios do último leilão, realizado em
novembro, quando 29 usinas foram concedidas à iniciativa privada ao preço médio
de R$ 124,88 o megawatt-hora (MWh), a conta de luz dos brasileiros irá incorporar,
em 30 anos, novos R$ 47 bilhões, segundo levantamento do Grupo de Estudos do
Setor Elétrico (Gesel), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
As 29 usinas que foram leiloadas em novembro, com pagamento de outorga
de R$ 17 bilhões, também pesarão no bolso do consumidor. Elas irão embutir, com
os juros, R$ 80 bilhões na conta pelos próximos 30 anos. Na avaliação do
coordenador-geral do Gesel, Nivalde de Araújo, este modelo enterra, de vez, o
que foi proposto em 2012 pela Medida Provisória (MP) 579, convertida na Lei
12.873.
Prorrogação
A Lei propôs a prorrogação antecipada dos contratos das concessões das
hidrelétricas com vencimento até 2017, mediante redução da tarifa de energia.
Entre eles, as 29 usinas que foram a leilão no ano passado e as três operadas
pela Cemig. Na época que a MP foi anunciada, a previsão era a de que houvesse
uma redução de 18,44% na tarifa.
“O pagamento da bonificação de outorga é um desmonte da Medida
Provisória 579. E está acontecendo porque o governo precisa de caixa.[/TEXTO]
Quem pagará a conta é o consumidor. O estudo realizado pelo Gesel mostra que
haverá um forte impacto nas tarifas”, diz Castro.
A MP 579 partia do princípio de que os investimentos realizados na
construção das usinas, que são repassados para as contas de luz, já tinham sido
pagos, conforme ressalta o consultor da LPS Consultoria Energética, Fernando
Umbria. Portanto, o valor das tarifas precisaria ser revisto para baixo. As
hidrelétricas cujas concessões venceriam até 2017 voltaram para as mãos da
União com o objetivo de serem relicitadas. A expectativa era a de que o valor
médio do megawatt caísse para algo em torno de R$ 35.
Maior parte
Com a inclusão do pagamento das outorgas nas novas licitações, o governo
“deu com uma mão e tirou com a outra”, segundo Umbria. O consultor destaca que,
dos cerca de R$ 125 fechados por megawatt no leilão das 29 usinas,
aproximadamente R$ 40 são relativos ao custo real da energia elétrica. Os
demais R$ 85 são referentes à outorga paga pelas empresas à União.
“A maior parcela do custo se refere ao valor da outorga. Aquela
perspectiva estabelecida pela MP 579, de redução nas tarifas devido à
amortização do investimento realizado nas usinas, foi por água abaixo. A
energia até que ficou barata, mas existe um plus associado à outorga”, explica.
No caso das usinas que foram da Cemig, ele comenta que não será diferente.
“Quando a concessionária entra em um certame, ela já prevê o repasse (do
pagamento da outorga) à tarifa”, diz Umbria.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Flávio Neiva, explica que no setor elétrico todos os custos feitos pelas empresas são repassadas às tarifas. A própria Aneel coloca este termo nos contratos de concessão.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Flávio Neiva, explica que no setor elétrico todos os custos feitos pelas empresas são repassadas às tarifas. A própria Aneel coloca este termo nos contratos de concessão.
Cemig ainda briga na Justiça por suas três hidrelétricas
Embora três usinas operadas pela Cemig tenham sido incluídas pelo
governo Federal para venda no Projeto Crescer, do Programa de Parcerias de
Investimentos (PPI), a concessionária mineira não admite perdê-las. A estatal
briga na Justiça para permanecer com duas delas, Miranda (408 megawatts) e São
Simão (1.710 megawatts), a maior da empresa. Segundo especialistas, existe a
possibilidade de Volta Grande, a menor das três (380 MW), entrar no pacote de
interesses da Cemig, desde que a União permita e que haja brechas na
legislação.
Mas, caso a Cemig perca de fato as usinas e tenha que participar dos
leilões para recuperá-las, outro problema se imporá: a concessionária já está
altamente alavancada. Conseguir R$ 10 bilhões junto aos bancos não seria tarefa
fácil.
“Não sei de onde a empresa vai tirar dinheiro. Ela está
super-alavancada. E a rentabilidade, mesmo que ela consiga as usinas de volta,
não será a mesma. Uma parte ainda será vendida no esquema de cotas, reduzindo o
retorno”, pondera o analista de Utilities da Lopes Filho e Associados,
Alexandre Montes.
Vale lembrar que o sistema de cotas foi criado para que a energia mais
barata, produzida pelas usinas cujas concessões já venceram e foram a leilão,
pudessem atender a todas às distribuidoras. Por esse regime, 70% da energia
deve ser vendida às distribuidoras a preços baixos, e apenas 30% podem ser
comercializados no mercado livre de energia.
Montes explica que a Cemig usará seu know how na operação das três
usinas como diferencial competitivo numa possível participação nos leilões. Ele
avalia que hidrelétricas são ativos únicos, com muitas peculiaridades. Como a
Cemig opera as três usinas desde a construção delas, ela tem conhecimento suficiente
para aumentar a produtividade das hidrelétricas e, consequentemente, reduzir o
custo por megawatt gerado.
Alavancagem
A Cemig tem colocado como estratégia a desalavancagem da companhia. A
alavancagem de uma empresa é medida pela relação entre a dívida líquida e a
geração de caixa pelo conceito Ebitda. O ideal é que o resultado desta equação
não supere 3 vezes.
No caso da Cemig, a relação entre dívida líquida e Ebitda está
atualmente em 5,3 vezes. As dívidas da concessionária somam R$ 12,9 bilhões.
Para melhorar o caixa e reduzir a alavancagem, a companhia adotou recentemente
uma política de vendas de ativos não estratégicos.