A vida e seu ofício
Manoel Hygino
No seu discurso de adeus ao cargo que ocupava, a ex-presidente repetiu
palavras de Maiakóvski, uma das vozes mais fortes e notáveis da poesia no
século XX. Em 14 de abril de 1930, ele se matou com um tiro no peito, aos 36
anos. Afirmou: “O incidente está encerrado. O barco do amor quebrou-se contra a
vida cotidiana. Estou quite com a vida. É inútil passar em revista as dores, os
infortúnios e os erros recíprocos. Sejam felizes”.
Não consegui encontrar nos jornais a referência integral de Dilma ao
texto. Não mereceu maior importância a declaração do poeta, que repetira o
gesto de Serguei Iessienin, poeta amigo, após o Natal de 1925. A morte parece
mais dolorosa quando os poetas morrem.
Quando Serguei se despediu da vida, deixou dois quartetos ao amigo e
companheiro de ofício e luta, traduzidas as palavras por Augusto de Campos: “Até
logo , até logo, companheiro/ Guardo-te no meu peito e te asseguro:/ O nosso
afastamento passageiro/ É sinal de um encontro no futuro” – “Adeus, amigo, sem
mãos nem palavras,/ Não faças um sobrolho pensativo./ Se morrer,nesta vida, não
é novo,/ tampouco há novidade em estar vivo”.
O excelente repórter Geneton Moraes Netto, recentemente falecido aos 60
anos, visitou Moscou e os pontos nevrálgicos da capital que abrigou MaiaKóvski
e lhe guarda o corpo e “seus últimos pertences. O maior poeta russo do século
XX habitava modesto quarto num prédio de quatro andares no início da rua
Myatninskaya, em pleno centro da cidade.
O museu, disse Geneton, é singular, um dos trinta que se abriram quando
o comunismo agonizava. Nele, há muito do importante na vida do poeta, desde
boletins escolares e manuscritos dispersos de maneira incrível, cadeiras
suspensas no ar, uma estante de vidros quebrados parecendo enterrada no chão.
Muito surrealismo, muita evocação. Há uma porta de cadeia, maneira
encontrada pelos organizadores do museu para contar que o poeta estivera detrás
das grades nove meses, acusado de ajudar presos políticos. Quem tiver cuidado
localizará um dossiê policial da primeira década do século.
Ao lado do quarto, o chão pintado de amarelo, com portas vermelhas e
entreabertas. A guia era, ou ainda é, Maria Leonietvna, de 74 anos, professora
aposentada.
Ela observa que a célebre e temida KGB era contrária, “por motivos de
segurança”, à instalação do museu, ninguém poderia ingressar naquele lugar
perigoso, no país conflagrado as primeiras décadas do século.
A guia relata: “Maiakóvski era ateu, mas se voltou para a Idea de Deus.
Rejeitava o Estado, mas serviu ao Estado”. Stálin se sentiu dele enciumado, por
escrever um poema dedicado a Lênin. Ao anistiá-lo, pensou que Maiakóvski faria
também um em seu louvor, o que não aconteceu.
O final do amigo poeta foi ainda mais trágico: Iessienin escreveu versos
com o próprio sangue, num quarto do Hotel Inglaterra, em Leningrado. Após
cortar os pulsos, enforcou-se e desfaleceu.
Ao poeta que antes partira, Maiahóvski comentara: “É preciso arrancar
alegria do futuro. Nesta vida, morrer não é difícil. O difícil é a vida e seu
ofício!”