BRASIL
PAÍS DOS DISPARATES: A CLASSE PRIVILEGIADA TEM TODAS ESSAS VANTAGENS ENQUANTO
UM PROFESSOR SECUNDÁRIO APOSENTA COM SALÁRIO MÍNIMO E SEM REAJUSTES
Um zumbi que já engoliu R$ 2 bilhões
O
Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC) acabou oficialmente há 16
anos. Mas, a cada quatro anos, aparecem novos pensionistas. E mais: só este
ano, a renda desses políticos já subiu 26,34%. Há quem acumule aposentadorias e
ganhe mais de R$ 50 mil por mês
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Liquidado
após rombo, IPC foi herdado pela "viúva", ou seja, pelos cofres
públicos
Lúcio Vaz
Qualquer cidadão precisa trabalhar 30 ou 35 anos para se aposentar. Os políticos brasileiros, porém, não são cidadãos comuns e asseguram pensão especial com muito menos tempo. No Congresso, 242 deputados e senadores conseguiram a aposentadoria a partir de oito anos de contribuição. Para governadores da maioria dos estados, basta um mandato de quatro anos. Em muitos casos, apenas alguns meses no cargo já garantem o privilégio. A despesa é paga pelo contribuinte. O Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC) foi extinto em 1999, mas continua a sangrar os cofres públicos. Tinha um enorme déficit atuarial – o popular rombo – quando foi liquidado. Como é costume no Brasil, a conta foi apresentada à “viúva”, à União.
Como um
zumbi, o instituto já consumiu R$ 2 bilhões – em valores atualizados – nos
últimos 16 anos. A cada quatro anos, surgem novos pensionistas. Ocorre que o
parlamentar que estava no mandato no momento da extinção do IPC pode continuar
contribuindo para o Plano de Seguridade Social dos Congressistas. Quando deixa
o Congresso, pode pedir a aposentadoria pelas convidativas regras do IPC.
Além
disso, todo reajuste dos salários dos deputados e senadores é repassado para as
aposentadorias. Neste ano, o aumento foi de 26,34%. A pensão de maior valor ficou
em R$ 33,7 mil. Por fim, com a morte do ex-parlamentar, a viúva ou os filhos
passam a receber pensão. No momento da extinção, eram 2.769 pensionistas.
Atualmente, são 2.237.
A Revista
Congresso em Foco teve acesso à folha de pagamento dos aposentados e
pensionistas do IPC pagos pela Câmara dos Deputados. No Senado, os valores
pagos estão registrados no Portal de Transparência, mas os pagamentos precisam
ser acessados um a um. Os dados foram cruzados com as pensões concedidas por 13
estados, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Supremo Tribunal Federal
(STF).
A
situação é agravada porque há várias situações em que as aposentadorias se
acumulam. O ex-senador Antônio Carlos Konder Reis, por exemplo, recebe R$ 33,7
mil pelo IPC e mais R$ 23,8 mil por ter sido governador biônico por Santa
Catarina, durante a ditadura militar. O ex-senador Marco Maciel (DEM-PE)
acumula a aposentadoria do IPC, no valor de R$ 30,8 mil, com a pensão especial
de R$ 30,4 mil por ter sido governador de Pernambuco.
Por ter deixado
o Senado, o ex-presidente da República José Sarney terá à disposição duas
aposentadorias, uma pelo IPC, no valor máximo do instituto, e outra como
ex-governador do Maranhão, no valor de R$ 24 mil. A filha, Roseana Sarney, que
deixou o governo em dezembro do ano passado, também receberá pensão como
ex-governadora do Maranhão. Já usufrui da aposentadoria de R$ 23 mil como
analista legislativo do Senado.
E haja
grana
A fartura
é tanta que uma viúva recebe pensão de dois estados e ainda do IPC. Maria Guilhermina
Martins Pinheiro, que foi companheira do ex-governador Leonel Brizola nos
últimos dez anos da sua vida, recebe pensão de R$ 30,4 mil do governo do Rio
Grande do Sul e mais R$ 21,8 mil do estado do Rio de Janeiro. Brizola governou
os gaúchos na década de 60 e os fluminenses por duas vezes, nos anos 1980 e
1990.
Em 2008,
Guilhermina conseguiu do Ministério da Justiça a declaração de Brizola como
anistiado político. Com isso, foram considerados no cálculo da aposentadoria do
IPC os dois anos que ele passou no exílio a partir de 1964, quando ele era
deputado federal pela Guanabara. Ela recebe hoje pensão de R$ 12,8 mil pelo
instituto.
O
ex-governador Alceu Collares (PDT-RS) recebe R$ 30,4 mil pelo governo gaúcho e
mais R$ 13 mil pelo IPC. Além disso, ganha mais R$ 21 mil pela participação no
Conselho de Administração da Itaipu Binacional, que se reúne a cada dois meses,
fora as convocações extraordinárias. O colega Germano Rigotto tem a
aposentadoria do governo gaúcho e mais um reforço de R$ 8,7 mil do instituto.
O
ministro da Defesa, Jaques Wagner, tem direito à aposentadoria de R$ 19,3 mil
como ex-governador da Bahia e a outra em torno de R$ 10 mil pelo IPC, mas não
vai poder usufruir dos benefícios porque receberia acima do teto
constitucional, o que é vedado pelo governo federal. Ele ainda estuda se vai
utilizar parte da pensão do IPC para completar o teto, somando com o salário de
ministro. Mas não sabe se terá alguma perda com o Imposto de Renda pelo fato de
ter duas fontes de renda.
Outro que
está indeciso é o ex-presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB). Ele
informou, por meio da sua assessoria, que ainda estuda se vai pedir a
aposentadoria pelo IPC, no valor de R$ 33,7 mil. O ex-senador Pedro Simon
(PMDB-RS) já tem direito à aposentadoria de R$ 30,4 mil como ex-governador. Mas
ele havia aberto mão do benefício e recebia apenas o salário de senador. Agora,
terá direito a pensão integral do IPC. O seu gabinete informou que ele ainda
vai decidir se solicita a aposentadoria.
Mais
viúvas
Há vários
casos de viúvas com pensões acumuladas. Maria de Lourdes Fragelli, viúva do
ex-presidente do Senado e ex-governador nomeado do Mato Grosso José Fragelli
(PMDB-MT), recebe R$ 6,5 mil pelo IPC e R$ 13,8 mil do governo mato-grossense.
Viúva do ex-senador e ex-governador José Richa (PSDB-PR), Arlete Vilela Richa
tem uma renda maior: R$ 13,3 mil pelo instituto e mais R$ 26,5 mil pelo governo
paranaense.
Alba
Muniz Falcão, viúva do ex-governador e ex-deputado federal Muniz Falcão, recebe
R$ 28,8 mil do governo alagoano e R$ 16 mil do IPC. Outro caminho para o
acúmulo de aposentadorias é a passagem pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
O
ex-senador Valmir Campelo deixou o Congresso em 1997 e foi para o Tribunal de
Contas, onde permaneceu por 16 anos e meio. Antecipou a sua aposentadoria em
abril do ano passado para assumir o cargo de vice-presidente de Governo do
Banco do Brasil. Hoje, tem a aposentadoria integral do TCU, R$ 37,7 mil, mais a
pensão de R$ 12 mil paga pelo instituto. O ex-senador José Jorge (DEM-PE) já
contava com aposentadoria pelo IPC quando deixou o mandato, em janeiro de 2007.
Foi nomeado ministro do TCU dois anos mais tarde.
Após
cinco anos e dez meses no cargo, assegurou uma aposentadoria integral no valor
de R$ 37,7 mil e outros R$ 17,5 mil pelo instituto. O ex-senador Iram Saraiva
(GO) deixou o mandato em agosto de 1994 e foi direto para o TCU, onde exerceu o
cargo de ministro por nove anos. Tem hoje uma aposentadoria de R$ 22,1 mil pelo
IPC e mais a pensão de R$ 43,9 mil do tribunal. O ex-deputado Humberto Souto
(PPS-MG), que foi líder do governo Fernando Collor, teve seis mandatos
consecutivos como deputado federal, até 1995. Foi, então, para o TCU, onde
permaneceu por quase nove anos como ministro. Voltou para a Câmara em 2007.
Hoje, tem direito à aposentadoria integral do tribunal e mais R$ 27,8 mil pelo
IPC.