quarta-feira, 20 de setembro de 2023

MEDIDAS PROVISÓRIAS EM EXCESSO FICAM CADUCAS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

História por Notas & Informações • Jornal Estadão

Em abril, depois de meses de disputa no Legislativo, o governo anunciou ter chegado a um acordo com a cúpula do Congresso para retomar o rito ordinário de tramitação das medidas provisórias (MPs), alterado em razão da pandemia de covid-19. Pela proposta, o Executivo se comprometeu a ser mais contido no envio desse tipo de instrumento, enquanto a Câmara concordou com o retorno das comissões especiais, colegiados formados por deputados e senadores responsáveis por emitir um parecer sobre os textos antes de submetê-los ao plenário.

A princípio, o fim desse imbróglio foi interpretado como uma vitória do Senado e uma derrota da Câmara. Semanas antes, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), havia assinado um ato da Mesa Diretora determinando o retorno do rito ordinário das medidas provisórias. O ato, no entanto, não foi referendado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que preferia manter a tramitação expressa das MPs diretamente em plenário, suprimindo as comissões especiais.

À luz dos fatos, não se tratava de uma disputa entre a Câmara e o Senado ou entre suas lideranças, mas da prevalência da Constituição, que definiu, em seu artigo 62, um conjunto de regras sobre as medidas provisórias. Fruto de uma emenda constitucional aprovada em 2001, tal artigo não deixou qualquer dúvida sobre a necessidade de instalação das comissões especiais para apreciá-las. Por essa razão, esse pacto foi elogiado por este jornal.

O que tem ocorrido desde então, no entanto, evidencia o real valor de face do acordo envolvendo o Executivo e o Legislativo. De janeiro a setembro, o governo contabiliza 6 MPs convertidas em lei e 14 MPs com vigência encerrada – ou seja, propostas que perderam validade sem que tenham sido aprovadas. Outras 13 MPs estão em tramitação, mas já se sabe que uma boa parte delas também deve caducar.

Parte desse resultado pode ser atribuída às falhas de articulação política do governo no Congresso. Na maioria dos casos, porém, é mera consequência de uma decisão de Lira. A despeito do acordo, o deputado orientou as lideranças partidárias da Câmara a não indicar membros para as comissões especiais, o que atravanca o avanço das MPs. Para não afrontar o sr. Lira e conter o tamanho da derrota na Câmara, o governo tem replicado o conteúdo de algumas dessas MPs em projetos de lei que tramitam em regime de urgência.

O prazo para apreciação dos projetos de lei em regime de urgência é muito semelhante ao das medidas provisórias. A diferença, no entanto, é sutil. Projetos de lei sempre começam a tramitar pela Câmara e só depois chegam ao Senado; em regime de urgência, a apreciação das comissões é dispensada e substituída pela votação em plenário. Na prática, essa tem sido uma forma disfarçada de manter o rito pandêmico de tramitação de MPs ad aeternum, exatamente como Lira desejava.

A manobra expõe o desrespeito com que a Constituição tem sido reiteradamente tratada. Se o texto constitucional fosse seguido à risca, não seria necessário firmar qualquer acordo sobre as medidas provisórias. Ao Planalto, bastaria atender aos requisitos de relevância e urgência para editá-las, o que daria mais respaldo a um instrumento que deveria ser excepcional, uma vez que tem força de lei na data em que é publicado.

À Câmara e ao Senado, bastaria indicar deputados e senadores para debater as propostas no colegiado com profundidade e rigor. As comissões mistas, afinal, são uma forma de equilibrar os poderes e conter o imenso poder que a edição de medidas provisórias conferiu ao Executivo.

Se a Câmara considera haver distorções representativas na composição das comissões ou aperfeiçoamentos a serem feitos no rito de tramitação das medidas provisórias, a solução é apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para alterá-lo. Basta angariar o apoio de um terço dos deputados e, depois, reunir maioria qualificada para aprová-la na Câmara e no Senado. O que é absolutamente indesejável é a continuidade desta disputa fratricida por protagonismo político na qual a sociedade é a verdadeira derrotada.

 

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