quarta-feira, 30 de agosto de 2023

O QUE SUDUZIU ZANIN E TANTOS OUTROS A ACEITAR O CONVITE PARA SER MINISTRO DO STF

Laura Gandra Laudares Fonseca e Guilherme Gandra Martins – Advogados

Imagine você, caro leitor, que estivesse estudando para ser bacharel em Direito e, mesmo em um mercado bastante competitivo e saturado e com mais de um milhão de profissionais registrados no País, consegue se formar, se tornar qualificado, ganhar notoriedade e construir um renomado escritório, tornando-se um dos maiores especialistas em crimes financeiros do Brasil. No desenvolvimento da carreira, ganha influência e notabilidade, conquistando prosperidade financeira. Diante desse cenário, faria sentido aceitar um emprego em que o salário é consideravelmente menor?

O panorama serve para explicar o percurso de Cristiano Zanin, advogado que tomou posse no Supremo Tribunal Federal. O questionamento foi levantado pelo jornalista Alexandre Garcia e merece reflexão. Quais são os benefícios que um advogado milionário, com honorários altíssimos, enxerga em um cargo no qual a remuneração será extremamente aquém daquilo que está acostumado a receber? O objetivo desta reflexão é entender o que seduziu Zanin e tantos outros a aceitar o convite para ser ministro no STF.

É evidente que se apresentar como guardião da Constituição, por si só, já é algo sedutor, mas o questionamento precisa permear o seguinte ponto: o que o texto constitucional carrega em sua forma para ampliar este atrativo? No âmbito da teoria da Constituição, vários juristas conceituam o tema, como Celso Ribeiro Bastos, que trouxe à tona diferentes conceitos da Lei Maior e citou que a Constituição trata da “composição de uma estrutura que define os direitos fundamentais dos cidadãos, instituindo a maneira pela qual as coisas devem ser, e não descrever a real maneira de ser das coisas”.

Por outro lado, há também o sentido material de Constituição, referente às normas constitutivas da sociedade, ou seja, trata-se de um texto que contém as forças de diferentes cunhos necessárias para informar as leis inferiores e instituições jurídicas que irão organizar o desenho do Estado. Esses aspectos, tradicionalmente, estão contidos na Constituição formal. Ocorre, no entanto, que nem sempre o conteúdo desta corresponde ao daquela. No caso brasileiro, a Constituição Republicana excede os aspectos organizativos usualmente abordados neste tipo de documento, descendo aos pormenores das relações jurídicas e da organização estatal. Observa-se uma concentração desmedida de poderes e competências na mão dos representantes dessa Corte.

Observamos uma hipertrofia do poder do STF. Esse fenômeno, constatado por estudiosos e analistas, possui reflexos práticos, como o crescente movimento de judicialização da política. Nossa Constituição, em seu Artigo 102, elencou as atribuições do STF, classificando-o como seu principal intérprete. A ideia de um poder independente é tão latente que aos seus componentes é concedido um mandato vitalício, visando a afastar seus representantes das pressões populares. Mas isso não pode ser confundido com a ideia de um STF livre para atropelar a letra constitucional, muitas vezes, sob o disfarce de uma “função iluminista”. Seu caráter técnico deve ser preservado.

A cada vaga que surge no STF, o candidato indicado enfrenta dois questionamentos: o primeiro, referente ao caráter político que muitas vezes permeia sua seleção; o segundo, quanto ao seu notório saber jurídico. No entanto, perde-se de vista uma leitura mais ampla do fato concreto. A análise deveria focar não na competência do indicado, mas sim em um problema sistêmico em nossa Corte. Diante de tal hipertrofia, não seria caso de se questionar se haveria, em nossa República, ser humano capaz de lidar com tamanho poder?

 

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