Entrevista
Por
Francisco Razzo – Gazeta do Povo
Página de login da plataforma de inteligência artificial ChatGPT, em apresentação em Pequim.| Foto: EFE/EPA/Wu Hao
Como
professor e escritor, tenho experimentado um desafio pedagógico e
pessoal: os dilemas gerados pela inteligência artificial na produção de
textos e na formação das novas gerações de alunos. Não tenho muito
gabarito intelectual para abordar o assunto. Por isso, convidei um amigo
muito generoso para me ajudar. Na dúvida, para quê chamar o ChatGPT se a
gente pode contar com amigos especialistas?
Luis Octavio Rogens é mestre em Língua Portuguesa pela PUC-SP, apaixonado por narrativas. Com vasta experiência, é professor no Colégio Presbiteriano Mackenzie, em São Paulo. Lá, ele ministra aulas nas trilhas de Storytelling e Práticas Criativas e de Produção de Textos. Além de seu trabalho como professor, Luis Octavio é roteirista e pesquisador, sendo membro da Sociedade Ibero-Americana de Estudos do Humor. Especialista em projetos inovadores de storytelling, trabalha na implementação de programas culturalmente conscientes com foco em impacto social, educacional e econômico.
O que é e o que não é o ChatGPT?
O ChatGPT é uma ferramenta de geração de texto extremamente poderosa e representa um marco considerável no campo da inteligência artificial. É um hábil manipulador de palavras capaz de gerar respostas coesas e gramaticalmente corretas. Mas o ChatGPT é, em sua essência, uma máquina. Ele não detém a habilidade de produzir pensamentos criativos ou originais. Pelo contrário, as respostas que fornece são meramente reflexos de um vasto oceano de informações pré-existentes em seus bancos de dados. Ecoa, simplesmente, palavras e ideias que foram previamente alimentadas a ele, em vez de ser o produto de um processo autêntico de pensamento ou raciocínio.
“O ChatGPT é, em sua essência, uma máquina. Ele não detém a habilidade de produzir pensamentos criativos ou originais.”
Luis Octavio Rogens, mestre em Língua Portuguesa, professor, roteirista e pesquisador
E,
apesar de suas respostas, à primeira vista, parecerem informadas e
relevantes, é necessário reconhecer que o ChatGPT não possui uma
compreensão aprofundada do mundo em que vivemos. Sua operação é um jogo
de espelhos, que reflete e manipula os padrões linguísticos presentes
nos dados que lhe foram fornecidos.
Além disso, ele não tem a capacidade de aprender a partir de novas experiências nem de formar uma visão contextual do mundo ao seu redor. Ainda assim, isso não diminui o seu valor como ferramenta. Mesmo não podendo substituir a complexidade do pensamento humano, com toda a sua criatividade, pensamento crítico e capacidade de contextualização, quando usado com uma compreensão clara de suas capacidades e limitações, o ChatGPT pode se tornar um parceiro valioso em diversos campos de atuação.
Com sua experiência no ensino da produção de texto, gostaria que você comentasse sobre os possíveis problemas que o ChatGPT pode criar para a educação.
Tenho dito que uma máquina na qual as palavras brotam com a facilidade de um clique e a produção de textos é quase tão automática quanto respirar é fascinante. É um espetáculo que deslumbra os alunos e, devo admitir, também a nós, professores.
No entanto, em meio ao encanto, emerge um desafio. O aluno, hipnotizado pelo brilho da máquina de fazer palavras, pode se acomodar na poltrona de espectador. Assim, ele se torna um observador passivo do texto, sem sujar as mãos na graxa das ideias e na construção das frases. A arte de escrever pode correr o risco de ser reduzida a um espetáculo de um só ator, a máquina ChatGPT. É aí que entra nosso papel como professores: precisamos ensinar nossos alunos a serem os protagonistas do processo de escrita, mesmo quando utilizam ferramentas como o ChatGPT.
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Outro obstáculo que tem surgido é quando o aluno se contenta com o
roteiro convencional da máquina, com um texto bem-comportado que segue
sempre o mesmo padrão. Como educadores, devemos incutir neles a
percepção de que a beleza do texto reside na singularidade de cada
autor, na capacidade de surpreender o leitor, algo que a máquina ainda
não pode replicar.
Há também o risco de o aluno aceitar o texto entregue pela máquina sem questionar, modificar ou solicitar mudanças. A habilidade de revisar e editar – etapas essenciais, porém muitas vezes negligenciadas no processo de escrita – não pode ser posta de lado. É nosso dever orientá-los a exercitar essas habilidades, mesmo diante de um texto já polido pela máquina.
E, finalmente, a questão linguística. Ao confiarem na correção automática do ChatGPT, os alunos podem deixar de construir uma consciência gramatical sólida. Como professores, precisamos assegurar que eles compreendam a estrutura e a riqueza da nossa língua, para que possam usar a tecnologia sem se tornarem dependentes dela.
O ChatGPT não poderia criar uma dependência dos estudantes em relação à tecnologia, impedindo o desenvolvimento da capacidade deles em produzir bons textos?
Ferramentas como o ChatGPT podem, de fato, gerar dependência nos estudantes e colocar em risco o desenvolvimento de suas habilidades de escrita. No entanto, permita-me fazer uma analogia com tempos passados. Quando as pesquisas escolares eram realizadas nos volumes da Enciclopédia Barsa, o ato de copiar informações dessas fontes frequentemente não contribuía significativamente para o desenvolvimento da capacidade dos alunos de produzir bons textos. O processo resumia-se à transcrição, com pouco espaço para análise crítica ou interpretação. Afinal, o objetivo era obter informações corretas, não necessariamente refletir sobre elas ou expressá-las de maneira original.
“A ausência de um hábito de leitura consistente por parte do estudante pode ser significativamente mais prejudicial do que qualquer possível influência do ChatGPT.”
Luis Octavio Rogens
Hoje, ferramentas como o ChatGPT nos oferecem
um cenário diferente. Em vez de copiar informações de uma enciclopédia,
os alunos interagem com uma inteligência artificial. Como educadores,
temos uma oportunidade valiosa. Podemos orientar os alunos a usar essa
ferramenta de maneira que incentive o pensamento crítico e a expressão
criativa.
Por exemplo, em sala de aula, desenvolvi um projeto chamado “ChatGPT, eu escrevo para você”. Os alunos participavam de uma troca de cartas com a IA, discutindo temas relevantes como ética na tecnologia, plágio e privacidade de dados, sempre questionando-a. Nessa prática, o ChatGPT se tornou mais uma ferramenta de aprendizado do que um recurso de dependência. Ele se tornou uma extensão do processo educacional, não um substituto. Assim como as enciclopédias não substituíram os professores, a IA também não o fará.
A escola é o lugar onde o aprendizado deve acontecer, sendo o ambiente ideal para os alunos experimentarem novas tecnologias, sempre sob a orientação dos professores.
Devemos acolher os benefícios da IA e evitar uma postura alarmista. O potencial tecnológico deve ser usado para enriquecer o processo educacional. Por meio do uso consciente, podemos proporcionar uma experiência de aprendizado mais envolvente e personalizada, mantendo a criatividade, o raciocínio analítico e a comunicação interpessoal no centro da educação. Dessa forma, em vez de meramente transcrever informações das enciclopédias, a IA pode ser usada para estimular o pensamento crítico e a expressão criativa dos alunos.
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Com
o modelo de respostas rápidas e padronizadas, o ChatGPT não limitaria a
criatividade e a capacidade de reflexão e pesquisa dos alunos?
O aprendizado da escrita é uma tarefa complexa, que requer tempo, prática constante e o aprimoramento de várias habilidades cognitivas. Nesse sentido, a ausência de um hábito de leitura consistente por parte do estudante pode ser significativamente mais prejudicial do que qualquer possível influência do ChatGPT. Isso ocorre porque a prática de escrita é essencialmente dependente de um repertório vasto e de conhecimentos acumulados na memória do escritor, os quais precisam ser prontamente acessíveis e recuperáveis.
É fundamental destacar que o ensino da escrita é uma empreitada que vai além do que o ChatGPT é capaz de oferecer. Ao reconhecermos que a aprendizagem da escrita apresenta desafios substanciais para os alunos, ressaltamos a responsabilidade da escola em introduzir esses desafios em suas atividades e materiais didáticos. Esses desafios vão além da cognição, envolvendo também a memória e o pensamento crítico.
Além disso, a escrita está intrinsecamente relacionada à resolução de problemas, demandando habilidades de raciocínio e tomada de decisões. Nesse sentido, uma interação bem orientada com o ChatGPT, dentro do contexto escolar e sob a orientação dos professores, pode de fato auxiliar no desenvolvimento da capacidade reflexiva e do potencial criativo dos alunos. Portanto, o ChatGPT não é uma ameaça, mas sim uma ferramenta que, quando usada adequadamente, pode complementar e enriquecer o processo de aprendizagem da escrita.
Que tipo de potencial pedagógico você vê numa ferramenta como esta para o aprendizado? Como criar boas aulas adotando e não demonizando esta ferramenta?
Como profissional da área da escrita, tenho a esperança de que a tecnologia, e especificamente ferramentas como o ChatGPT, possa auxiliar alunos com necessidades especiais, como aqueles no espectro do autismo. O autismo abrange uma ampla gama de condições caracterizadas por desafios nas habilidades sociais, na fala e na comunicação não verbal. Cada aluno autista tem suas próprias forças e desafios, e vejo nessas tecnologias uma forma de ajudá-los a encontrar maneiras de expressar seu pensamento único por meio da escrita.
“O ChatGPT não é uma solução mágica. Ele não substitui a conexão humana, o feedback fornecido em sala de aula, a empatia e o cuidado que um professor pode oferecer.”
Luis Octavio Rogens
Visualizo um futuro em que um aluno meu, que
está no espectro do autismo, possa usar o ChatGPT para desenvolver
autonomia em sua comunicação. Com a ajuda desta ferramenta, vejo-os
formulando perguntas, explorando ideias e produzindo textos complexos a
partir de comandos simples. Imagino-os se expressando de maneiras que
talvez não pudessem antes, encontrando sua própria voz através da
mediação da tecnologia. Essa é uma visão que me impulsiona, a ideia de
que a tecnologia possa agir como uma ponte, conectando a mente criativa e
inquisitiva dos meus alunos à arte da escrita.
Na minha prática pedagógica, já tenho utilizado o ChatGPT para oferecer um ensino mais individualizado aos meus alunos. Tenho a oportunidade de adaptar as atividades de aprendizado às necessidades individuais de cada aluno, incluindo aqueles com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), dislexia (um transtorno de aprendizagem que afeta a habilidade de leitura e escrita) e ansiedade de aprendizado (um sentimento de preocupação, nervosismo ou desconforto relacionado ao trabalho escolar ou às avaliações).
Com essa tecnologia, consigo fornecer estímulos constantes e atividades adaptadas a essas necessidades, permitindo que eles aprendam em seu próprio ritmo, de acordo com suas próprias habilidades. Isso não apenas melhora sua compreensão do conteúdo, mas também aumenta seu engajamento e motivação no processo de aprendizado.
No entanto, é importante destacar que o ChatGPT não é uma solução mágica. Ele não substitui a conexão humana, o feedback fornecido em sala de aula, a empatia e o cuidado que um professor pode oferecer. Portanto, ao adotar o uso do ChatGPT em aulas, é fundamental equilibrar sua utilização com interações pessoais significativas. A ferramenta deve ser usada como um complemento para enriquecer e diversificar o processo de aprendizagem, estimulando a criatividade, a reflexão e a pesquisa dos alunos.
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