segunda-feira, 1 de agosto de 2022

TÍTULOS

 

Não é nada disso

Por
Paulo Polzonoff Jr.


Título bom é aquele que desperta no leitor a vontade de ler, assistir ou ouvir. O resto é papo de comunicólogo.| Foto: Pixabay

Que bom que você clicou no título. Porque o tema desta crônica é justamente este: títulos. Talvez o leitor não saiba, mas os títulos são hoje motivo de intermináveis debates e até de brigas entre especialistas em comunicação digital, editores, repórteres e divas da crônica cotidiana colunistas. Essenciais na chamada “economia da atenção”, os títulos são inclusive alvo da sanha regulamentadora que pretende reduzir tudo a normas e técnicas.

Pegue o título que dei a esta minha crônica, por exemplo. Você talvez tenha clicado nele porque achou que fui demitido ou pedi demissão. Ou porque esperava que eu fosse contar alguma tragédia pessoal. Ou porque queria saber dos meus novos projetos. Ou ainda porque acreditou que eu fosse revelar uma grande conspiração na qual George Soros exigia minha demissão por, sei lá, mesoclisofobia. Ou porque tinha certeza de que noticiaria que Alexandre de Moraes decidiu me prender.

Se você chegou até aqui, porém, já descobriu que não se trata de nada disso. Que vou falar justamente sobre os títulos: esse elemento tão tão tão tão importante para a comunicação que tem gente que só se informa por eles. E que, por isso, não raro passa vergonha por aí. Usar títulos irônicos, provocativos e que despertem no leitor uma vontade in-su-por-tá-vel de ler um texto bem intencionado e honesto (garanto!) e engraçado (tento!) é errado? Será que não estamos usando uma medida torta, baseada numa desconfiança burra e numa crise de imaginação e de bom humor nunca antes vista? E mais: usar desse artifício para puxar papo com o bom leitor faz de mim um escritor desonesto?

Clickbait

Ouçamos o que tenho de dizer em minha defesa. QUE em meio a tantas notícias interessantes e sabendo que o tempo do leitor é escasso, a princípio tenho apenas o título para chamar a atenção dele. QUE pressuponho que entre mim e o leitor haja já certa intimidade. QUE essa intimidade significa um conhecimento prévio do que o leitor pode esperar encontrar numa crônica dominical minha. E sobretudo QUE não há má-fé no homem que tenta atrair o público para a sua lojinha que só vende produtos de altíssima qualidade.

Ah, mas é um clickbait, objeta alguém, possivelmente um comunicólogo desses que preferem títulos como “A (re)definição da profilaxia consciencional aplicada às técnicas neocomunicacionais do relato pseudojornalístico cotidiano: um estudo”. O clickbait como um problema ou um erro ou ainda um truquezinho rasteiro, confesso, é um conceito que escapa à minha compreensão. Talvez porque, como leitor, sempre tenha gostado de ser provocado e até um pouquinho enganado. Penso aqui em Jorge Luís Borges, cujos títulos dos melhores contos são puro clickbait – no melhor sentido do termo.

Penso ainda em títulos recentes que usei neste espaço e que foram acusados de serem clickbaits. Ora, se eu usasse títulos poéticos como “Xingamentos ao léu” (em vez de “Não sou petista e nunca fui. Mas este ano estou com Lula”) ou “A Epístola” (em vez de “E se Alexandre de Moraes caísse do cavalo?”), esses textos talvez tivessem deixado de alcançar muitas pessoas. Sem falar na cafonice dos trocadilhos, dos lugares-comuns e das imitações baratas de poesia que ainda se encontra por aí. Não adianta: título bom é aquele que desperta no leitor a vontade de ler, assistir ou ouvir. O resto é papo de comunicólogo que não dá a mínima para o público.

No mais, eu bem poderia estar de fato escrevendo uma crônica com o título “Esta talvez seja minha última crônica”. Nela, falaria da imprevisibilidade da vida. Aquela coisa de estar alegre e saltitante num dia e sendo velado pelos amigos no outro. Afinal, a garantia de que amanhã certamente terei a honra de ocupar mais uma vez este espaço é ilusória. É uma certeza que se mantém sobre alicerces frágeis, como o contrato de trabalho e meu mais recente check-up (tudo certo com o coração véio de guerra!).

Nada, contudo, garante que George Soros não vá mesmo ligar para a direção da Gazeta do Povo exigindo minha cabeça. Nada garante que Alexandre de Moraes não tenha acordado de mau humor hoje, me obrigando a servir café aos agentes da Polícia Federal por causa de algum crime que ele acabou de inventar. Assim como nada garante que eu não tenha acertado os seis números da Mega Sena.
Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/polzonoff/esta-talvez-seja-minha-ultima-cronica/
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