Em feira de tecnologia, setor das ‘spacetechs’ mostra empolgação após sucesso de Blue Origin e SpaceX em 2021
Por Guilherme Guerra, enviado especial a Las Vegas (EUA)* – O Estado de S. Paulo
O Dream Chaser, nave da americana Sierra exposta na CES, deve entrar em operação a partir de janeiro de 2023 e poderá transportar alimentos e experimentos científicos.
O espaço sideral é a nova fronteira do mundo da tecnologia. Após o sucesso das viagens espaciais de Jeff Bezos (Blue Origin) e Richard Branson (Virgin Galactic) e do primeiro voo com civis da SpaceX, de Elon Musk, começa a florescer um ecossistema de startups e companhias focadas em tecnologia espacial – um nicho que durante décadas ficou concentrado nas mãos de agências públicas, mas que agora começa a entrar na órbita do setor privado. Parte das spacetechs, nome dado a essas empresas, foi visto nesta semana na Consumer Electronics Show (CES), principal feira de tecnologia do mundo, que voltou a uma edição presencial após hiato pandêmico em 2021.
A Sierra Space foi o principal nome em exibição neste ano. Focada no que chama de “nova economia espacial”, a companhia expôs ao público a Dream Chaser, espaçonave reutilizável de nove metros de comprimento projetada para levar pessoas e cargas a destinos de baixa órbita terrestre, como estações espaciais. A Sierra, braço independente da Sierra Nevada Corporation (SNC), já possui um contrato com a Nasa para transportar alimentos e experimentos científicos, com previsão de entrar em operação em janeiro de 2023.
A empresa também desenvolve o LIFE, acrônimo para “ambiente integrado flexível”, que tem como com objetivo de permitir que astronautas possam permanecer em baixa órbita por dias, semanas ou meses, a depender do objetivo. Como se fosse uma casa com vista para a Terra, o projeto (de 8 metros de diâmetro, três andares e capacidade para até 12 pessoas) tem quartos, áreas de exercícios e até uma horta, onde são cultivados produtos para alimentação durante a viagem. Ela ainda não tem previsão de lançamento.
“Estamos aqui na CES para dizer ao mundo que o espaço está disponível para todos”, afirma Kenneth Shields, diretor do programa de utilização espacial da Sierra, ao Estadão. A spacetech diz que tem como principal serviço o “space as a service”, jargão do mundo da tecnologia para dizer que a companhia provê soluções espaciais, sem que terceiros tenham de adquirir um bem. Nesse caso, isso significa que uma pessoa não precisa ter um foguete para dar uma voltinha à Terra, mas que pode contratar o serviço separadamente. “Conosco, países e agências espaciais podem ter um programa espacial, sem ter de levantar toda a infraestrutura envolvida”, explica.
A Sierra não é a única empresa “de outro mundo” na feira. Quem apareceu também foi Zero G, que usa um avião Boeing 727-200 modificado para levar passageiros à gravidade zero. A façanha é feita ao colocar a aeronave para voar parabolicamente (como se fosse uma montanha-russa, com subidas e descidas controladas), o que permite que os passageiros possam flutuar e dar cambalhotas em peso zero por até 30 segundos – no total, são 15 manobras.
Não é algo totalmente novo, mas que ganhou nova empolação após os voos espaciais dos bilionários. Segundo a companhia relatou à reportagem, todos os voos, partindo de diversas regiões dos Estados Unidos, estão esgotados até junho deste ano. O preço por passageiro é de US$ 8,2 mil.
A euforia também está levando nomes tradicionais da tecnologia a olharem o espaço com mais carinho – ainda que não façam isso por meio de foguetes e trajes espaciais. A Sony, que durante a CES anunciou a entrada no ramo de mobilidade, expôs o protótipo do Starsphere, um satélite de baixa órbita que traz uma câmera para usuários, aqui da Terra, operarem e tirarem fotos do Planeta azul e das estrelas.
Já Amazon, ‘irmã’ mais velha da Blue Origin, anunciou que a inteligência artificial (IA) Alexa deve ir para a Lua, o que permitirá testar como essas assistentes virtuais podem ajudar tripulações em viagens fora de órbita. Enquanto isso, a alemã Bosch desenvolveu uma IA que, em parceria com a Nasa, irá detectar pelo som o funcionamento das máquinas em estações espaciais – a ideia é monitorar a necessidade de reparo em peças, poupando o tempo dos astronautas e, principalmente, captando defeitos que podem fugir dos ouvidos humanos.
Projeto da Life, base espacial para 12 pessoas, exposto pela Sierra
Decolagem
A disseminação das spacetechs também está ligada ao aumento de investimentos no setor. Segundo levantamento da firma de investimento Space Capital, especializada em empresas espaciais, foram injetados US$ 200 bilhões em 1,5 mil empresas nos últimos 10 anos, sendo US$ 7,6 bilhões somente em companhias recém-criadas em 2020.
A ida ao espaço pode permitir, em um futuro não tão distante, a extração de minerais como o ferro de asteroides, abrindo um novo mercado e rotas comerciais, de forma similar às descobertas do Novo Mundo. “Isso poupa a Terra de ser explorada, diminuindo o impacto aqui, e traz mais matéria-prima, porque algumas são raras”, diz Cassio Leandro Dal Ri Barbosa, astrônomo e professor do Centro Universitário FEI.
Ao mesmo tempo, os voos dos bilionários em 2021 trouxeram publicidade a algo antes visto como uma loucura: o turismo espacial. Com poucos dias de diferença, a Virgin Galactic, a Blue Origin e a SpaceX alçaram voo e trouxeram suas tripulações de civis de volta, sãs e salvas – até 2021, apenas astronautas com anos de treino eram escalados para essas missões.
Para Lesley Rohrbaugh, especialista em tendências da Consumer Technology Association (entidade organizadora da CES), o voo bem-sucedido dessas companhias, acompanhados de muita repercussão nas redes sociais, foram importantes para conscientizar as pessoas, mas o setor é muito maior do que viagens rápidas como entretenimento.
“O perfil de alto padrão de viagens espaciais no último ano certamente trouxe mais atenção do que nunca para a indústria”, diz Lesley. “Mas as aplicações dessas inovações vão muito além do turismo comercial. Avanços no espaço podem criar oportunidades significativas para tornar o nosso planeta um lugar melhor, como no uso de satélites para identificar pontos de alta emissão de carbono”.
Para a Sierra, melhorar a Terra é o destino final da empresa: “Queremos permitir que nossos parceiros tenham acesso a esse ambiente e tragam dados e resultados que melhorem produtos, materiais e outras inovações que nunca experimentamos como Humanidade.”
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