domingo, 9 de janeiro de 2022

ESPAÇO SIDERAL É NOVA FRONTEIRA DA TECNOLOGIA

Em feira de tecnologia, setor das ‘spacetechs’ mostra empolgação após sucesso de Blue Origin e SpaceX em 2021

 Por Guilherme Guerra, enviado especial a Las Vegas (EUA)* – O Estado de S. Paulo

O Dream Chaser, nave da americana Sierra exposta na CES, deve entrar em operação a partir de janeiro de 2023 e poderá transportar alimentos e experimentos científicos 

O Dream Chaser, nave da americana Sierra exposta na CES, deve entrar em operação a partir de janeiro de 2023 e poderá transportar alimentos e experimentos científicos.

O espaço sideral é a nova fronteira do mundo da tecnologia. Após o sucesso das viagens espaciais de Jeff Bezos (Blue Origin) e Richard Branson (Virgin Galactic) e do primeiro voo com civis da SpaceX, de Elon Musk, começa a florescer um ecossistema de startups e companhias focadas em tecnologia espacial – um nicho que durante décadas ficou concentrado nas mãos de agências públicas, mas que agora começa a entrar na órbita do setor privado. Parte das spacetechs, nome dado a essas empresas, foi visto nesta semana na Consumer Electronics Show (CES), principal feira de tecnologia do mundo, que voltou a uma edição presencial após hiato pandêmico em 2021. 

A Sierra Space foi o principal nome em exibição neste ano. Focada no que chama de “nova economia espacial”, a companhia expôs ao público a Dream Chaser, espaçonave reutilizável de nove metros de comprimento projetada para levar pessoas e cargas a destinos de baixa órbita terrestre, como estações espaciais. A Sierra, braço independente da Sierra Nevada Corporation (SNC), já possui um contrato com a Nasa para transportar alimentos e experimentos científicos, com previsão de entrar em operação em janeiro de 2023.

A empresa também desenvolve o LIFE, acrônimo para “ambiente integrado flexível”, que tem como com objetivo de permitir que astronautas possam permanecer em baixa órbita por dias, semanas ou meses, a depender do objetivo. Como se fosse uma casa com vista para a Terra, o projeto (de 8 metros de diâmetro, três andares e capacidade para até 12 pessoas) tem quartos, áreas de exercícios e até uma horta, onde são cultivados produtos para alimentação durante a viagem. Ela ainda não tem previsão de lançamento.

“Estamos aqui na CES para dizer ao mundo que o espaço está disponível para todos”, afirma Kenneth Shields, diretor do programa de utilização espacial da Sierra, ao Estadão. A spacetech diz que tem como principal serviço o “space as a service”, jargão do mundo da tecnologia para dizer que a companhia provê soluções espaciais, sem que terceiros tenham de adquirir um bem. Nesse caso, isso significa que uma pessoa não precisa ter um foguete para dar uma voltinha à Terra, mas que pode contratar o serviço separadamente. “Conosco, países e agências espaciais podem ter um programa espacial, sem ter de levantar toda a infraestrutura envolvida”, explica.

A Sierra não é a única empresa “de outro mundo” na feira. Quem apareceu também foi Zero G, que usa um avião Boeing 727-200 modificado para levar passageiros à gravidade zero. A façanha é feita ao colocar a aeronave para voar parabolicamente (como se fosse uma montanha-russa, com subidas e descidas controladas), o que permite que os passageiros possam flutuar e dar cambalhotas em peso zero por até 30 segundos – no total, são 15 manobras.

Não é algo totalmente novo, mas que ganhou nova empolação após os voos espaciais dos bilionários. Segundo a companhia relatou à reportagem, todos os voos, partindo de diversas regiões dos Estados Unidos, estão esgotados até junho deste ano. O preço por passageiro é de US$ 8,2 mil.

A euforia também está levando nomes tradicionais da tecnologia a olharem o espaço com mais carinho – ainda que não façam isso por meio de foguetes e trajes espaciais. A Sony, que durante a CES anunciou a entrada no ramo de mobilidade, expôs o protótipo do Starsphere, um satélite de baixa órbita que traz uma câmera para usuários, aqui da Terra, operarem e tirarem fotos do Planeta azul e das estrelas.

Já Amazon, ‘irmã’ mais velha da Blue Origin, anunciou que a inteligência artificial (IA) Alexa deve ir para a Lua, o que permitirá testar como essas assistentes virtuais podem ajudar tripulações em viagens fora de órbita. Enquanto isso, a alemã Bosch desenvolveu uma IA que, em parceria com a Nasa, irá detectar pelo som o funcionamento das máquinas em estações espaciais – a ideia é monitorar a necessidade de reparo em peças, poupando o tempo dos astronautas e, principalmente, captando defeitos que podem fugir dos ouvidos humanos. 

Projeto da Life, base espacial para 12 pessoas, exposto pela Sierra

Projeto da Life, base espacial para 12 pessoas, exposto pela Sierra

Decolagem

A disseminação das spacetechs também está ligada ao aumento de investimentos no setor. Segundo levantamento da firma de investimento Space Capital, especializada em empresas espaciais, foram injetados US$ 200 bilhões em 1,5 mil empresas nos últimos 10 anos, sendo US$ 7,6 bilhões somente em companhias recém-criadas em 2020.

A ida ao espaço pode permitir, em um futuro não tão distante, a extração de minerais como o ferro de asteroides, abrindo um novo mercado e rotas comerciais, de forma similar às descobertas do Novo Mundo. “Isso poupa a Terra de ser explorada, diminuindo o impacto aqui, e traz mais matéria-prima, porque algumas são raras”, diz Cassio Leandro Dal Ri Barbosa, astrônomo e professor do Centro Universitário FEI.

Ao mesmo tempo, os voos dos bilionários em 2021 trouxeram publicidade a algo antes visto como uma loucura: o turismo espacial. Com poucos dias de diferença, a Virgin Galactic, a Blue Origin e a SpaceX alçaram voo e trouxeram suas tripulações de civis de volta, sãs e salvas – até 2021, apenas astronautas com anos de treino eram escalados para essas missões.

Para Lesley Rohrbaugh, especialista em tendências da Consumer Technology Association (entidade organizadora da CES), o voo bem-sucedido dessas companhias, acompanhados de muita repercussão nas redes sociais, foram importantes para conscientizar as pessoas, mas o setor é muito maior do que viagens rápidas como entretenimento.

“O perfil de alto padrão de viagens espaciais no último ano certamente trouxe mais atenção do que nunca para a indústria”, diz Lesley. “Mas as aplicações dessas inovações vão muito além do turismo comercial. Avanços no espaço podem criar oportunidades significativas para tornar o nosso planeta um lugar melhor, como no uso de satélites para identificar pontos de alta emissão de carbono”.

Para a Sierra, melhorar a Terra é o destino final da empresa: “Queremos permitir que nossos parceiros tenham acesso a esse ambiente e tragam dados e resultados que melhorem produtos, materiais e outras inovações que nunca experimentamos como Humanidade.”

 

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