sexta-feira, 26 de novembro de 2021

DECRETO DE CONSOLIDAÇÃO DE MAIS DE MIL NORMAS TRABALHISTAS REUNE VÁRIOS BENEFÍCIOS NUM SÓ TEXTO

 

Trabalho
Decreto de Bolsonaro consolidou mais de mil normas trabalhistas. Quais os principais pontos

Por
Vandré Kramer – Gazeta do Povo

O Marco Regulatório Trabalhista Infralegal (decreto 10.854) consolida mais de mil normas em um texto de 188 artigos.| Foto: Albari Rosa/Arquivo/Gazeta do Povo

O governo promoveu a consolidação de mais de mil portarias, decretos e atos infralegais em um texto de 188 artigos chamado Marco Regulatório Trabalhista Infralegal.

O decreto 10.854 foi assinado no dia 10 pelo presidente Jair Bolsonaro. A grande maioria dos dispositivos entra em vigor 30 dias após a publicação. Somente a vigência de parte das medidas relativas ao vale-alimentação, em especial à portabilidade, vai demorar mais tempo – 18 meses.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que a iniciativa traz benefícios como reunir, em um só texto, normas que antes estavam disseminadas.

“Isto deverá facilitar a vida de empregadores e trabalhadores, reunindo as normas que antes estavam espalhadas”, aponta a coordenadora da área trabalhista do escritório Natal & Mansur Advogados Associados, Karolen Gualda.

Otávio Torres Calvet, juiz do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT-RJ) e professor convidado em pós-graduações, avalia que não houve retrocesso na legislação com a assinatura do decreto. “Não houve uma desconstrução da legislação trabalhista”, diz.

O foco da medida, segundo ele, foi desburocratizar e racionalizar as normas, o que facilita a vida, principalmente, das micro e pequenas empresas, que estão entre os maiores empregadores do país.

Mas também há pontos polêmicos nessa consolidação. Entre eles estão o fim do poder de fiscalização por parte dos procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) e a redução de benefícios fiscais para o pagamento de vale-alimentação no âmbito do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).

Veja, a seguir, os principais pontos do Marco Regulatório Trabalhista Infralegal:

Simplificação de normas trabalhistas infralegais
O Marco Regulatorio Infralegal Trabalhista cria o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhista Infralegais no âmbito do Ministério do Trabalho e Previdência.

Um dos objetivos principais é o de promover a conformidade às normas trabalhistas infralegais. Também busca a simplificação e a desburocratização das regras trabalhistas, observando o respeito aos direitos trabalhistas e a redução dos custos para as empresas.

Livro de Inspeção do Trabalho em formato eletrônico (eLIT)
O Ministério do Trabalho e Previdência disponibilizará, em meio eletrônico, o livro de inspeção do trabalho a todas as empresas que tenham ou não empregados.

O acesso será gratuito e também se aplicará a profissionais liberais, associações recreativas e a outras instituições sem fins lucrativos que admitirem trabalhadores como empregados. Microempresas e empresas de pequeno porte poderão aderir ao eLIT por meio de cadastro.

Os principais objetivos são:

racionalizar e simplificar o cumprimento de obrigações trabalhistas e não tributárias impostas pela legislação tributária;
eliminar formalidades e exigências desnecessárias ou superpostas; e
padronizar e dar transparência a procedimentos, garantindo conformidade com a legislação trabalhista e previdenciária, inclusive quanto às normas de segurança e saúde do trabalhador.
Fiscalização
A fiscalização das normas trabalhistas foi um dos itens mais afetados pelo Marco Regulatório Trabalhista Infralegal. Ela passa a ser atribuição específica dos auditores-fiscais do Ministério do Trabalho.

A medida desagradou aos procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT), que também tinham essa competência. Segundo a “Folha de S. Paulo”, a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) pretende contestar o decreto.

Calvet, do TRT-RJ, aponta que o decreto foca em uma atuação mais estratégica e preventiva. “O objetivo do Direito do Trabalho é favorecer a qualidade de vida do trabalhador e evitar que as irregularidades aconteçam.”

A medida também proíbe a autuação exclusivamente com base em manuais, notas técnicas e ofícios circulares do Ministério do Trabalho, ou a partir da doutrina e da jurisprudência. A autuação só poderá ser baseada em dispositivos legais ou infralegais. “Isto acaba favorecendo a segurança jurídica”, afirma Karolen.

Normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho
O decreto estabelece que as diretrizes para as normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho serão a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a valorização do trabalho, o livre exercício da atividade econômica e a busca do pleno emprego.

As normas deverão ser embasadas técnica ou cientificamente, atualizadas de acordo com o desenvolvimento tecnológico e compatíveis com os marcos regulatórios brasileiro e internacional. O conteúdo delas deverá ser simplificado e desburocratizado, sendo que o Estado deverá assumir um papel de intervenção que seja subsidiário e excepcional.

Equipamento de proteção individual
O equipamento de proteção individual somente poderá ser comercializado com a obtenção do certificado de aprovação, que será emitido por meio de sistema eletrônico simplificado.

As informações prestadas e as documentações e os relatórios apresentados serão de responsabilidade do requerente e serão considerados para fins de emissão do certificado.

Controle de jornada
As empresas poderão optar por novas tecnologias para fazer o controle da jornada de trabalho, como celular, reconhecimento digital ou facial, softwares especializados. “Não é uma novidade”, diz a coordenadora do Natal & Manssur Advogados Associados.

Os equipamentos não podem:

permitir a alteração ou eliminação de dados registrados pelo empregado;
fazer restrições de horário às marcações de ponto, tais como horário pré-determinado ou contratual;
exigir autorização prévia para a marcação de sobrejornada;
permitir a pré-assinalação do período de repouso e assinalação de ponto por exceção à jornada regular de trabalho.

Mediação
A mediação dos conflitos coletivos de trabalho poderá ser feita gratuitamente para as partes pela Secretaria de Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência, desde que solicitada pelo sindicato dos trabalhadores ou das empresas, com o objetivo de evitar o contencioso trabalhista.

A mediação será realizada por servidor em exercício no Ministério do Trabalho, inclusive auditores. Havendo consenso, o acordo terá caráter extrajudicial. “É mais uma forma de negociação”, explica Karolen Gualda, do Natal & Manssur Advogados Associados.

Os objetivos da norma, segundo Calvet, são a de consolidar procedimentos e facilitar a obtenção de acordos.

Terceirização e trabalho temporário
O Marco Regulatório Trabalhista Infralegal fixa os estritos limites da legislação no que se refere à terceirização e ao trabalho temporário. “Não houve grandes mudanças”, diz Calvet, do TRT-RJ.

“A norma reafirmou o que a lei já diz, possibilitando a terceirização da atividade-fim e ressaltando que não há vínculo empregatício entre o trabalhador e a empresa contratante”, diz Karolen.

Ela afirmou que só haverá vínculo quando houver subordinação, onerosidade, não eventualidade e pessoalidade. “Isso veio claramente expresso no marco. Com estes requisitos, fica descaracterizada a terceirização”, diz a advogada.

Segundo o decreto, considera-se trabalho temporário aquele prestado por pessoa contratada por empresa do setor que a coloca à disposição de empresa tomadora de serviços para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços.

O decreto define, também, que o trabalho temporário não se confunde com a terceirização e não considera como demanda complementar aquelas contínuas ou permanentes e resultantes da abertura de filiais.

Vale-transporte
O decreto estabeleceu que o vale-transporte não pode ser usado em serviços de transporte privado coletivo e transporte público individual. Segundo Karolen, isto significa que o auxílio não pode ser usado em aplicativos de transporte, salvo exceções.

Também proíbe a substituição do vale por antecipação em dinheiro ou outra forma de pagamento. A medida excetua os trabalhadores domésticos ou quando há “indisponibilidade operacional da empresa operadora e de falta ou insuficiência de estoque de vale-transporte necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema.” Neste caso, o trabalhador será ressarcido na folha de pagamento imediata, se tiver feito a despesa por conta própria.

Serviços no exterior
O objetivo da mudança na legislação sobre trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior é o de reduzir custos nesta modalidade. Com isto, quando for feita a liquidação do contrato de trabalho, a empresa pode deduzir os valores pagos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Vale-alimentação

O marco flexibiliza o Programa de Alimentação do Trabalhador, que inclui o vale alimentação. “É a mudança mais significativa que houve nas medidas infralegais”, diz Karolen.

O decreto prevê que o funcionário poderá usar o cartão em qualquer estabelecimento que aceite esse meio e não só nos credenciados. Também é prevista a portabilidade do crédito entre as bandeiras. A medida começa a valer em 18 meses.

As empresas vinculadas ao PAT devem permanecer com os incentivos fiscais, mas terão de executar um programa nutricional para os seus empregados.

O governo federal também vai limitar a dedução do Imposto de Renda na concessão de vales refeição e alimentação. As normas estabelecidas pelo Marco Regulatório estabelecem que só haverá o desconto na base do IRPJ de valores até um salário mínimo. E o abatimento só poderá ser aplicado para rendimentos de até cinco salários mínimos.

Segundo o jornal “Valor”, a medida pode ser alvo de questionamento judicial. Isso porque o benefício no PAT foi estabelecido por meio de lei e em tese não poderia ser restringido por um decreto.


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/marco-regulatorio-trabalhista-infralegal-principais-pontos/
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