Mercado livre de energia
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Cristina Seciuk – Gazeta do Povo
Enquanto estudo avalia como levar portabilidade da conta de luz à residências, “jabutis” apresentados por parlamentares tentam acelerar o cronograma.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
A abertura total do mercado livre de energia no Brasil, que significaria a chance de todos os consumidores escolherem o seu fornecedor de energia, vem sendo colocada em prática de modo paulatino pelo governo federal, mas ainda é uma incerteza para as residências.
A chamada portabilidade da conta de luz, que permitiria ao consumidor fazer com o seu serviço de energia o mesmo que faz com uma linha telefônica, escolhendo o fornecedor que lhe parece mais vantajoso, já tem data para se ampliar nos próximos anos até consumidores com carga igual ou superior a 500 kW. Mas segue indefinida para portes menores.
Enquanto o governo não finaliza o estudo que indicará os caminhos para a abertura irrestrita, congressistas têm tentado apressá-la por meio dos chamados “jabutis” — emendas apresentadas a medidas provisórias que originalmente tratam de outros assuntos.
Na regra atual, o critério de entrada no mercado livre é de consumo igual ou superior a 1,5 mil kW de energia — metade da carga exigida até o fim de 2020. Esses consumidores são livres para negociar e comprar energia diretamente de um gerador ou empresa comercializadora de sua escolha — ainda que permaneçam clientes também da distribuidora, que leva a “luz” do local de geração até a ponta por meio da rede.
O cronograma do Ministério de Minas e Energia prevê novas reduções na carga mínima a partir de 1º de janeiro de 2022 (1.000 kW) e 2023 (500 kW). Vale destacar, consumidores desse porte já têm acesso parcial ao mercado livre, ainda que com restrições, como a compra de energia gerada de fontes exclusivamente renováveis. O cronograma em questão trata da liberdade geral de atuação, independentemente da fonte da energia.
Os demais consumidores, com carga inferior a 500 kW, estão restritos ao mercado regulado e não podem escolher o fornecedor. São obrigatoriamente ligados à distribuidora local, pagando tarifas definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), sem a possibilidade de optar — e seguem no escuro em relação a quando alcançarão a possibilidade de ingresso no mercado livre de energia.
Trata-se da ampla maioria das unidades consumidoras do país – todos os residenciais, pequenos comércios, entre outros. A exceção fica para casos de formalização de coletivos de consumidores, que, na prática, somam suas cargas para alcançar portes comparáveis aos dos inseridos no mercado livre.
Para quem está restrito ao mercado regulado e sem portabilidade (também conhecido como cativo), a expectativa é pela finalização de um estudo previsto na mesma portaria de 2019 do MME.
Estudo para levar portabilidade da conta de luz ao consumidor residencial
Conduzido pela Aneel e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para indicar um passo a passo da abertura total, o trabalho deve apontar as medidas necessárias à retirada de restrições de acesso para consumidores de menor porte. “O sucesso final dessa empreitada é quando [a abertura] chegar em nós, residenciais”, avalia Marcelo Loureiro, integrante do Conselho de Administração da CCEE. Segundo ele, o estudo deve ser entregue à pasta ainda antes do término do prazo final, que é 31 de janeiro de 2022.
O trabalho conjunto pretende indicar os caminhos para fazer com que a portabilidade da conta de luz chegue a todos, mas de modo sustentável e contínuo. “Tem que ser coordenada, organizada, possivelmente ela será gradual, não vai acontecer de uma hora para outra, tem passos que temos que seguir. Então, eu diria que é uma jornada de alguns anos para chegar nessa abertura total”, avalia.
Segundo dados da CCEE, o mercado livre de energia fechou o mês de julho com 9.350 consumidores, número ainda baixo, mas que vem crescendo e mais que dobrou desde 2019, e sozinho representa cerca de um terço de toda a energia consumida no país.
Nos últimos anos, os consumidores livres pagaram preços entre 20% e 30% menores que os cobrados pelas distribuidoras. A avaliação é de que esse benefício poderia alcançar mais de 84 milhões de unidades consumidoras, ainda que haja desafios a serem superados para tal.
A abertura total do mercado livre de energia apareceu primeiro como emenda à MP 1.031/2021, que abriu caminho para a privatização da Eletrobras. O texto previa transição gradual nos três anos anteriores e liberação integral a partir de 2026, mas o item foi retirado pelo relator.
Agora, essa mesma emenda – desta vez apresentada pelo deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) – aparece entre as quase 300 sugeridas à MP que criou a Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG). O grupo foi implantado pelo Executivo para otimizar do uso dos recursos e enfrentar a atual crise hídrica, a fim de garantir a continuidade e a segurança do suprimento de energia no país.
Também não diretamente relacionada à finalidade da MP, outra emenda pretende abertura ainda mais célere. Incluída pelo deputado Danilo Forte (PSDB-CE), ela confere acesso à portabilidade da conta de luz para todos os consumidores já a partir de 2023.
Além dos jabutis colocados nas MPs, há ainda um projeto de lei sobre o tema parado na Câmara. O PL 414/2021 (antes PLS 232/2016, aprovado por comissão no Senado em decisão terminativa) aguarda despacho do presidente da Casa e não tem qualquer previsão para ser posto em votação. O texto trata especificamente de aprimoramento do modelo regulatório e comercial do setor elétrico com vistas à expansão do mercado livre.
A retirada da emenda da MP da Eletrobras seria, inclusive, um acordo para privilegiar esse debate, já iniciado no Senado e que ainda deverá ser feito pelos deputados.
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Abertura do mercado como resposta à crise hídrica
No início de julho, a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) propôs ao Ministério de Minas e Energia que amplie o acesso ao mercado livre para parte dos consumidores cativos como resposta à crise hídrica na ponta do consumo.
A sugestão falava em abertura transitória a consumidores de alta tensão com demanda contratada inferior a 500 kW e consumidores de baixa tensão com consumo mensal superior a 5 mil kWh/mês, desde que comprovassem capacidade de reduzir em 20% seu consumo médio de energia e assumissem o compromisso de fazê-lo por prazo determinado.
Segundo a Associação, se aplicada, a medida teria capacidade para poupar energia equivalente ao consumo de 5 milhões de residências. Na avaliação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), a solução é boa, com mérito na capacidade de identificar aqueles consumidores que são de fato capazes de responder a preço, uma vez que em um mercado aberto os consumidores reagem e ajustam o seu consumo.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia (MME) informou que todas as propostas fizeram parte das análises para a elaboração da portaria para implementação do programa voluntário de resposta da demanda. Nas diretrizes apresentadas na consulta pública para a RVD, entretanto, a oferta de redução voluntária de demanda para atendimento ao Sistema Interligado Nacional fica restrita aos consumidores que já podem acessar o mercado livre de energia, pequenas centrais hidrelétricas e autoprodutores de energia, autorizados a comercializar seus excedentes. O MME ainda não respondeu se a sugestão segue em análise.
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