Editorial
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Trem-bala em estação japonesa.| Foto: Peter Wieser/Pixabay
Nos anos 1950, os produtos japoneses tinham a fama de baixa qualidade e o Japão vivia um momento em que precisava desesperadamente ser reconstruído, promover o crescimento e tirar sua população da crise econômica e da miséria moral. A situação japonesa tornara-se grave após a derrota na Segunda Guerra Mundial, sobretudo após as duas terríveis bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos sobre a cidade de Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, e sobre Nagasaki, três dias depois – as duas únicas ocasiões em que armas nucleares foram usadas em guerra e contra alvos civis.
Dominado pelos vencedores e proibido de ter exército, o Japão voltou-se para a questão econômica e iniciou um movimento de abertura ao mundo com o propósito de usar o comércio exterior para reconstruir rapidamente sua economia e buscar crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) a taxas elevadas, como meio de inaugurar um tempo de melhoria no padrão de vida de sua população. A possibilidade de atingir seus objetivos passava pela atração de investimentos e tecnologia estrangeiros e pela rápida formação de capital humano preparado para o desafio de crescer, principalmente na infraestrutura física e na indústria de transformação.
O Japão optou primeiro por desenvolver as profissões técnicas requeridas pelo sistema produtivo e investiu fortemente em cursos profissionalizantes e tecnológicos compatíveis com a estrutura industrial que se expandia
A saída japonesa exigia aumentar o comércio exterior tanto quanto possível, para o que a má fama dos produtos japoneses era prejudicial. Um dos primeiros objetivos estabelecidos foi melhorar a qualidade dos produtos fabricados no país e reverter a percepção sobre os produtos japoneses. Foi então que o país resolveu atacar pesadamente em quatro frentes: atrair investimentos estrangeiros, incentivar investimentos nacionais, apressar o desenvolvimento tecnológico e executar um amplo programa para qualificar a mão de obra a fim de aumentar a produção e a produtividade. Governo e povo adotaram atitude de humildade e o país passou a aceitar de bom grado a contribuição internacional compatível com os objetivos fixados.
Nesse panorama, surge a figura de William Edwards Deming, um grande matemático, estatístico, professor e consultor norte-americano. Deming divulgou suas ideias e propostas em palestras, artigos e livros, mas não obteve o sucesso que esperava em seu próprio país, apesar de ter ajudado os Estados Unidos na melhoria dos processos logísticos e controles produtivos durante a Segunda Guerra Mundial. Assim, ele direcionou seu intelecto e seus esforços para ajudar o Japão na reconstrução e no desenvolvimento industrial. Deming foi recebido com euforia pelos japoneses, obteve êxito na implantação do controle estatístico do processo, qualidade de produto, gerência de projeto e incorporação de tecnologia nas fábricas. Como resultado, ele se tornou famoso, ganhou prêmios e estátuas, recebeu homenagens e reconhecimento por sua contribuição à fabricação de produtos de alta qualidade, com aplicação de tecnologia moderna.
Em menos de duas décadas, o Japão reverteu a má imagem sobre seus produtos, e o comércio exterior do país melhorou sensivelmente. No processo de recuperação, os japoneses concentraram seu sistema educacional em dois eixos. O primeiro foi focar a educação básica em alfabetizar e prover as crianças e adolescentes com as ferramentas da escrita, leitura, linguagem, matemática, civismo, moral, valorização do trabalho e espírito coletivo. O segundo eixo foi priorizar a formação profissional e tecnológica, como se estivessem replicando as “escolas de ofício” da Itália renascentista e outros países europeus onde prosperou a Revolução Industrial.
O vocábulo “ofício” adquiriu vários significados. No sentido profissional, entende-se como tal a habilidade técnica especializada para executar ação ou trabalho voltado à produção de um bem ou serviço. O Japão optou primeiro por desenvolver as profissões técnicas requeridas pelo sistema produtivo e investiu fortemente em cursos profissionalizantes e tecnológicos compatíveis com a estrutura industrial que se expandia. Na educação superior, a prioridade foram os cursos nas áreas de engenharias, tecnologias e ciências exatas, seguidas dos cursos da saúde, embora o investimento educacional privilegiado tenha ocorrido na educação básica e na qualificação profissional. Os cursos das ciências humanas e sociais, embora importantes e necessários, viriam depois.
No Brasil, fez-se o inverso e, mesmo reconhecendo a necessidade e a beleza das ciências sociais, vale questionar o quanto a inversão de prioridades educacionais contribuiu para o baixo crescimento, a baixa renda média por habitante e a existência de 54 milhões de pobres e 13 milhões de miseráveis. Na vida, infelizmente não se consegue ter tudo simultaneamente, pois tudo na natureza é limitado e escasso, como também é escasso o dinheiro público; logo, é necessário fazer escolhas e estabelecer prioridades. Não há receita infalível e definitiva para a evolução do bem-estar social material da nação, mas a experiência do Japão e suas prioridades no pós-guerra têm algo a ensinar, desde que se queira aprender com o êxito dos outros.
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