Idiana Tomazelli e Camila Turtelli – Jornal Estadão
BRASÍLIA – No mesmo dia da leitura do parecer da reforma tributária, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), declarou extinta a comissão mista que analisa a proposta, o que praticamente invalida o relatório apresentado. O anúncio despertou a reação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que defendeu a continuidade dos trabalhos. Na avaliação de técnicos do Congresso, a decisão praticamente “zera o jogo” da reforma e pode gerar atrasos na tramitação.
Por trás dessa estratégia, está o desejo do presidente da Câmara de fatiar a reforma tributária em quatro projetos distintos, focados em mudanças no âmbito federal, sem incluir Estados e municípios. A ideia é apoiada pela equipe econômica.
O impasse, porém, colocou Lira e Pacheco em rota de colisão. Câmara e Senado já vinham com relações estremecidas após a votação do Orçamento de 2021, que acabou com um volume muito maior de emendas nas mãos dos senadores.
A extinção da comissão mista da reforma tributária foi anunciada enquanto o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), ainda proferia seu parecer. A leitura começou pouco depois das 15h desta terça-feira, 4, e durou mais de três horas. O documento tem 110 páginas. Ribeiro não comentou a decisão e se limitou a defender sua proposta mais ampla. “Se falou muito em reforma fatiada. Estamos propondo reforma estruturante e faseada.”
Após o posicionamento de Lira, Pacheco emitiu nota afirmando que “é razoável e inteligente” deixar a comissão mista concluir seu trabalho. “A Comissão Mista fez um trabalho longo de aprofundamento sobre a reforma tributária. É razoável e inteligente darmos oportunidade de concluírem o trabalho, o que se efetiva com a apresentação do parecer pelo deputado Aguinaldo Ribeiro”, disse em comunicado.
No início da noite, Lira justificou a extinção dizendo que o prazo regimental para a apresentação do relatório da reforma tributária já havia expirado “há mais de um ano e meio”. Ele alegou a necessidade de dar “segurança jurídica” às discussões e disse que levará o texto do relator ao plenário. “Sem dúvida, iremos incorporar pontos, se não grande parte, do relatório”, afirmou Lira. “Vamos definir da melhor forma e no menor prazo.”
Além de Pacheco, o anúncio também provocou protestos de parlamentares. O presidente do colegiado, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), reforçou os prazos anunciados e disse ainda que essa definição “é competência nossa”. O vice-presidente da comissão, deputado Hildo Rocha (MDB-MA), também demonstrou apoio à continuidade das atividades e lembrou que ela é fruto de um acordo “institucional” entre Câmara e Senado. “Não é a pessoa (Lira). As duas instituições fizeram um acordo, e acordo tem de ser cumprido”, disse o emedebista.
Fatiamento
No fatiamento, cada parte teria um relator distinto, e o próprio deputado Aguinaldo Ribeiro poderia ficar responsável por uma das fatias. Uma possível divisão seria dois projetos ficarem com a Câmara e outros dois com o Senado. Logo no início da leitura do parecer, havia sido anunciado um calendário, com previsão de abertura para envio de sugestões até sexta-feira, 7, a apresentação de uma versão final do relatório na próxima terça-feira, 11.
A ideia é dividir a proposta em quarto partes. Como mostrou o Estadão/Broadcast, um desses projetos trataria da unificação de PIS/Cofins e da tributação de lucros e dividendos, com redução de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica. Outro deve tratar da criação de um imposto seletivo em substituição ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Uma terceira parte incluiria um amplo programa de renegociação de dívidas tributárias, chamado de “passaporte tributário”, mas que segue os moldes de um Refis. Outra fase prevê a criação de um imposto sobre transações, nos mesmos moldes da CPMF.
No domingo, em entrevista ao programa Canal Livre, da Band, Lira disse que a proposta não configura uma nova CPMF e que o tema poderia ser deixado por último. A declaração foi vista como um “ensaio” do presidente da Câmara para tentar ampliar a aceitação da medida, que hoje enfrenta resistências no Congresso.
Posto em segundo plano por Lira, o relatório apresentado por Aguinaldo Ribeiro se concentrou em tributos sobre o consumo, prevendo a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que incluiria os tributos estaduais e municipais sobre consumo, complementado por imposto seletivo. O IBS substituiria PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS.
A transição ocorreria em duas fases. Nos primeiros dois anos, haveria apenas a unificação do PIS e da Cofins, convertidos na parcela federal do IBS. Depois, haveria mais quatro anos de transição nacional, quando ICMS (estadual) e ISS (municipal) seriam substituídos pelas alíquotas estaduais e municipais do IBS.
Já o IPI seria extinto apenas no sexto ano da transição, com a substituição pelo imposto seletivo, que incidiria sobre produtos que produzem efeitos negativos sobre o ambiente e a saúde, como cigarros e bebidas alcoólicas.
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