Thomaz Falcão – Empreendedor do Greenpeople
Antes da metade do ano de 2019, os humanos já tinham extraído da natureza mais recursos do que a capacidade de restauração da Terra para suprir a demanda. De acordo com a World Wide Fund for Nature (2018), na atualidade necessitamos de aproximadamente 1,7 Planeta para suprir nossa exigência anual de recursos naturais. O aumento na recorrência e força dos eventos climáticos extremos tem efeitos no âmbito econômico e social, afetando diretamente a vida dos cidadãos. Entretanto, os resultados das mudanças climáticas não se restringem ao aspecto socioeconômico, o meio natural e toda a biodiversidade relacionada a ele, estão sendo fortemente abalados.
“Destruir florestas tropicais para ganho econômico é como queimar uma pintura renascentista para cozinhar uma refeição.” – Edward O. Wilson
A biodiversidade pode ser entendida como “a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, os ecossistemas terrestres, marinhos e aquáticos”, conforme a Convenção sobre Diversidade Biológica (1992). Embora em um primeiro momento pareça um algo totalmente separado das populações urbanas, nossa continuidade como espécie está profundamente correlacionada com os privilégios que a natureza nos oferta. O ar que aspiramos, a água que ingerimos e os alimentos que consumimos baseiam-se na biodiversidade. Os fatos descritos têm sido objeto de estudo de ONGs e de entidades governamentais, porém a hipótese aqui em questão é a possibilidade de considerar propostas que criem valor socioambiental e também valor econômico.
Em concordância com os dados do Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial (2019), grande parte das ameaças identificadas são ambientais, com maior perspectiva de acontecimento e maior probabilidade de forte repercussão na humanidade. Se examinarmos a diminuição da biodiversidade e a decadência ecológica, podemos relacioná-las diretamente com a crise alimentar global. A interação com ocorrências climáticas intensas seria capaz de ocasionar rupturas de produtividade e safra em relevantes áreas produtoras, acarretando em uma escassez global e aumento nos preços dos alimentos. Seriamos inocentes ao achar que os amplos problemas socioeconômicos não têm ligação com o meio-ambiente. “Nossa sociedade e economia dependem diretamente da capacidade da natureza em nos fornecer as condições necessárias para gerar prosperidade e bem-estar”, segundo Campos e Comini (2019).
Assim, se desejarmos caminhar no sentido da agenda de sustentabilidade proposta pela ONU através dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), e sermos efetivos na transformação e melhoria da condição da vida das pessoas, precisamos nos empenhar de forma transversal principalmente no entendimento da dependência sistêmica entre as distintas ODS. A visão apresentada pelo Centro de Resiliência em Estocolmo (2016), propõe uma abordagem das questões econômicas, sociais e ambientais das ODS, em que a economia e a sociedade são partes integrantes da biosfera, e não sistemas apartados.
O IBPES (2019), corrobora a ideia de que a perda da biodiversidade não é apenas uma questão ambiental, mas também econômica, de desenvolvimento de segurança social e moral. A redução da natureza e o comprometimento dos ecossistemas impossibilitarão o atingimento de 80% das metas dos ODS, principalmente as relativas à pobreza, fome, saúde, água, cidades, clima, oceano e à terra.Ao invés de propor uma nova complexidade no enfrentamento dos temas socioeconômicos, a integração da parte ambiental é crucial para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, pois encaminha oportunidades de negócios que podem gerar ao mesmo tempo valor econômico e socioambiental. A proteção e recuperação da biodiversidade e de seus benefícios, caracteriza um alicerce para um novo progresso econômico e social, que gere empregos, reduza a pobreza e desigualdade.
Tal conjuntura é mais facilmente observada a partir dos dados do BPBES (2019), que mostram municípios onde vivem 13% da população mais carente, abrigando 40% da cobertura vegetal do Brasil. Por mais que pareça crítico o agrupamento da maior parte das florestas brasileiras em regiões pobres, também pode ser observado como uma possibilidade de criar e implementar soluções que agreguem crescimento econômico e a preservação dos recursos naturais. Na obra Muito além da economia verde, Ricardo Abramovay (2012), aponta que “são imprescindíveis padrões de consumo que simultaneamente reduzam as desigualdades sociais e aumentem a ecoeficiência” e que “a nova economia deveria ser um casamento entre a ética com a economia e da sociedade com a natureza”.
As evidências de que vivemos um período crítico para o meio-ambiente são contundentes, e a crise ecológica se acentuará se continuarmos a fazer o uso insustentável dos recursos naturais. Instituições não governamentais têm obtido avanços significativos em diversas frentes de preservação e conservação, contudo, a perda da biodiversidade tem sido mais aguda nos últimos anos. É necessário e eminente um esforço coordenado com outros atores de transformação da sociedade. No cenário dos grandes desafios surge o tema dos negócios de impacto ambiental, cuja aplicabilidade tem potencial para direcionar as companhias para uma economia que respeite os limites do planeta, e também conduza ao desenvolvimento socioeconômico. A partir desta perspectiva, os negócios de impacto ambiental podem reduzir um impacto negativo, neutralizar o impacto ou gerar impacto positivo, como descrito a seguir:
– Ecoeficiência: são as iniciativas que mitigam os efeitos de um modelo econômico de impacto ambiental negativo.
– Economia circular: são os modelos de negócio que evitam a deterioração do capital natural, onde não há extração adicional de recursos para a produção de determinado produto
– Economia regenerativa: são as iniciativas que aumentam a provisão de recursos naturais ao longo do tempo. Tal valor normalmente é gerado a partir dos negócios que mantêm em bom estado de conservação ou regeneram/restauram ecossistemas naturais, segundo o jornal The Guardian (2018).
No mesmo sentido de compatibilizar duas lógicas aparentemente diferentes, a da natureza e dos negócios, a Fundação Grupo Boticário (2019) organizou as oportunidades de geração de valor econômico com os tipos de benefícios da natureza. As formas que os negócios de impacto ambiental obtêm receitas/dividendos da natureza podem ser:
– Pela extração do recurso natural de forma equilibrada: em tal modelo há extração do recurso natural, os produtos da biodiversidade são quantificáveis e precificáveis. No entanto, é preciso criar protocolos e padrões de produção sustentáveis para garantir que o consumo não seja predatório.
– Pelo uso do recurso natural onde não há extração envolvida: onde não há consumo do recurso natural. Negócios relacionados com eco-turismo, recreação e educação se enquadram no modelo.
– Pelo uso indireto do recurso natural: iniciativas relacionadas com mercado de serviços ambientais, como carbono.
– Por meio de modelos que se capitalizam sem usar os recursos naturais: Os benefícios da natureza não são sequer utilizados, e é onde existe o maior potencial de inovação em modelos de negócios com impacto ambiental. Fazem parte do grupo abordagens de valorização da marca, como denominações de origem controlada, indicação geográfica, e outros mecanismos que valorizam as marcas que utilizam apelos da biodiversidade, sejam espécies ou ecossistemas.
Os tipos geração de valor ambiental citados não podem ser considerados como moldes que os negócios devam se enquadrar, e sim como facilitadores para a tomada de decisões e priorização de ações estratégicas. Por ser um assunto complexo e técnico, deve-se buscar uma aproximação das empresas com o terceiro setor e pesquisadores que possuem experiência em mensurar impactos ambientais.
Por fim, algumas características dos negócios socioambientais precisam ser levadas em conta. A primeira delas se refere às externalidades, que podem ser compreendidas como as consequências de uma ação que afeta outas pessoas que não sejam o agente realizador ou o seu público-alvo inicial, podendo ser positivas ou negativas. A segunda característica está relacionada com a territorialidade, pois os negócios muitas vezes têm impacto em regiões ou territórios específicos, logo é necessário ter uma visão completa dos problemas e necessidades socioambientais mais urgentes para garantir o impacto positivo. O terceiro aspecto importante é que o meio-ambiente não é o cliente do negócio, apesar de ser o foco de impacto e transformação. A questão ambiental deve balizar o investimento de impacto e estar ligado à atividade principal da companhia. É preciso mudar a tendência de considerar o impacto ambiental positivo como uma externalidade de um aporte de recursos buscando retorno financeiro.
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