Dia histórico
A Vale fechou com Minas Gerais o maior acordo indenizatório de todos os tempos realizado no Brasil, provavelmente no planeta
O acordo com a Vale, fechado no dia 4 de fevereiro de 2021, muda a história de Minas Gerais.
Dia do maior acordo indenizatório de todos os tempos realizado no Brasil, provavelmente no planeta, em decorrência de danos socioambientais.
Ao longo dos últimos dois anos, defendi em todos os lugares em que me foi dada a palavra e a escrita, em reuniões oficiais com o governo de Estado, com o presidente da República, com órgãos do Judiciário e do Legislativo, federal e estadual, a imprescindibilidade de um acordo “real e substancial” de indenizações materiais e morais pelo desastre de Brumadinho. Não apenas pelos danos do terrível episódio, mas pelos decorrentes dos passivos ambientais rotineiros e pelos econômicos, gerados pelo exaurimento de reservas minerais, sem que a população do Estado participasse dessa festa.
Estou gratificado pela condução exemplar dos negociadores escalados pelo Estado e pelo Judiciário. O governador Romeu Zema, comandante da expedição, reconhece mérito “em especial ao secretário (de Planejamento) Otto Levy, que esteve à frente das negociações desse acordo”. Pois é, Otto Levy se ergueu no contexto mineiro como um herói, um benemérito da pátria, por ter alcançado o que parecia impossível e que, ainda, marcará as próximas gerações. Contrariou a calcificada submissão que cerca, de regra, esses acordos.
Pode parecer exagerado o valor de R$ 37,7 bilhões? Não, é até pouco. A conta do passivo desproposital que a Vale acumula em Minas e, ainda, o dever de deixar um legado que vá além de crateras e destruição, de devastação de rios e montanhas, sob o amparo da inércia culposa dos poderes constituídos, precisavam ter uma resposta volumosa e marcante. Era preciso dar um basta às malandragens que ocorriam nos porões políticos e governamentais.
Comboios infindáveis de minérios saindo, crateras se abrindo, barragens arranhando o céu, ameaças sobre vales inteiros e seus moradores, sem que uma resposta digna fosse dada em décadas de extração. Atividades submetidas ao império do lucro, que em nenhum outro quadrante do mundo é tão elevado.
O valor de R$ 37,7 bilhões, aparentemente incrível, que poderia arrasar centenas de empresas ao mesmo tempo, não gerará qualquer problema à companhia Vale, ex-Rio Doce. Aliás, a própria Vale e seus acionistas terão ganhos diretos e indiretos muito superiores a esse valor indenizado. No momento em que “a maior produtora de minério de ferro do planeta” recebe o bônus da maior valorização de seus produtos, concordou em renunciar, com o acordo, ao ganho líquido de caixa (Ebita) de apenas um dos próximos 16 trimestres, que representam o prazo de pagamento da indenização. A Vale recuperará, ainda, R$ 15 bilhões de Imposto de Renda.
O desembolso torna-se irrelevante, tanto é verdade que as ações (como previ nesta coluna em dezembro último) deram mais uma disparada de 4% na última sexta-feira. O acréscimo do valor de capitalização da Vale em apenas um dia corresponde quase ao acordo inteiro selado com o governo de Minas.
Resta agora entender o que poderá render o acerto para a população de Minas. Pode-se prever um progresso nunca visto nem imaginado. Isso sempre que o bom senso, a competência e a probidade forem adotados para manobrar essa enorme massa de finanças.
Distribuindo-se o valor em quatro anos, implicará, a cada exercício, um aumento de 5,5% do PIB em Minas, que em 2019 foi de RS 171 bilhões. No quarto ano, Minas poderá ter um ganho de produção interna acumulada e real de mais de 22%. Nisso não estão considerados os efeitos secundários, que podem dobrar os já significativos 5,5%. E mais: aumento de oportunidades, de emprego, de impostos, de circulação de finanças decorrentes dos investimentos no Estado. Temos todos os ingredientes para provocar um crescimento “chinês” em Minas, independentemente da sorte nacional.
Os recursos, conforme prevê o acordo assinado, estão direcionados e carimbados para áreas de grande impacto social, como saúde, saneamento, abastecimento, infraestrutura, apoio ao desenvolvimento e à produção, além de mais de R$ 9 bilhões para atender o assistencialismo da população.
Minas, neste momento, não pode jogar fora a “maior oportunidade de sua história”. Impõe-se a responsabilidade de empregar correta e proficuamente essa indenização. Caberá zelar para que a aplicação correta e sustentável evite farras e desperdícios que ocorreram no Brasil com Olimpíadas, Copa e investimentos da Petrobras. Isso não pode acontecer.
Como já escrevi nesta coluna, no horizonte se enxerga uma oportunidade ímpar, grandiosa, irrepetível, que pode devolver a Minas uma importância e um protagonismo que pareciam ter sido perdidos durante décadas de mediocridade.
O reflexo eleitoral do acordo deixa o governador Zema praticamente reeleito.
Primado dos números
Pouco conhecida é a vida das pessoas, não gananciosas, que atuam na missão de ajudar a evolução da humanidade
O indivíduo ganancioso procura aumentar a quantidade da sua fortuna e perde muitas vezes a oportunidade de conquistar a felicidade. O bilionário rei do petróleo, na década de 70, Jean Paul Getty, referindo-se ao dinheiro, disse: “Quando não se tem, pensa-se sempre nele. Quando se tem, pensa-se somente nele”. A quantidade, dessa forma, pode ser também um grave problema.
Pouco conhecida é a vida das pessoas, não gananciosas, que atuam na missão de ajudar a evolução da humanidade e “se ocultam atrás de sua obra”. Mas não pensem que a falta de homenagens e badalações deixe o “místico” contrariado: é no silêncio que ele mais aproveita a felicidade de suas realizações.
Quem é substancialmente materialista, o tipo mais comum entre os homens, precisa de ruídos; o místico, mesmo sem subir a montanha, é silenciosamente solitário, dinamicamente solidário, não procura notoriedade, tem a missão de aliviar sofrimentos onde lhe é possível, com inabalável compaixão.
Já sabiam os antigos gregos que uma cadeia de insaciabilidade perturba o homem comum, sempre com renovados “desejos”, enquanto a águia dilacera de Prometeu o fígado, que não para de se regenerar.
O mais incrível conflito é exatamente aquele que o homem traz dentro de si mesmo, entre o ego mental-materialista da sua personalidade e o eu espiritual da sua divina individualidade. Se o primeiro supera em importância o segundo, como é mais comum durante a vida terrestre, a existência humana passa a ser triste, impedindo ao indivíduo se encontrar com sua “divina eternidade”.
Quem chegou a vislumbrar uma realidade superior, explica o sábio, está serenamente ao reparo de ataques. Ninguém pode prejudicá-lo, ninguém pode ofendê-lo, ninguém pode empobrecê-lo, ninguém pode obrigá-lo a perder o que ele é interiormente, mesmo tirando-lhe todas as posses.
Parece vã filosofia falar de paz para quem não teve oportunidade de experimentá-la. Fez notar o filósofo Ralph W. Emerson a quem falava de paz sem saber o que é: “Não posso ouvir o que dizes, porque aquilo que tu és troveja muito alto”.
Quem não traz consigo a serenidade da paz interior não será um pacificador, apenas um semeador de desastres. Um perturbado que procura ficar alienado da realidade.
Homens e mulheres que não suportam a solidão evitam estar a sós consigo, temem a si mesmos. Costumam com frequência se perder na irrealidade de entorpecentes e substâncias tóxicas para iludir a infelicidade.
Os milionários da felicidade são, quase sempre, grandes anônimos, os “não existentes” da história. Acabam invisíveis. Como disse Descartes: “Vive bem quem bem se esconde”. São os irmãos sem nome dos círculos mais evoluídos, que se eclipsam no anonimato da benevolência universal; indiferentes aos louvores como aos vitupérios, porque eles vivem na invisível e silenciosa verticalidade do bem, incompreendidos pelos habitantes da ruidosa e palpável horizontalidade do mal.
O homem justo, ainda, precisa prestar atenção, pois sua presença “diz silenciosamente”: “Você deveria ser como eu sou, mas não é, e isso é culpa sua”. Vale dizer que a simples presença do justo é quase uma provocação para o injusto, o desnorteado.
Dessa forma, quem não alcançou a honestidade moral rejeita a própria inferioridade. A presença de um sábio o irrita. Pode levar a escolher um Barrabás e rejeitar um redentor.
É, assim, de incalculável mérito ajudar os indivíduos orgulhosos e não autênticos (que são os mais necessitados), usando, entretanto, a sábia prudência, já que “o homem – como define M. Yourcenar – é um empreendimento que tem contra si o tempo, a necessidade, a sorte e o imbecil e sempre crescente primado dos números”. A vida terrestre lhe é concedida exatamente para superar essas limitações.
O sucesso que dura
Qualquer esforço na esfera material, por mais intenso que seja para alcançar a meta, deve-se dirigir ao crescimento do indivíduo, de suas potencialidades e da ampliação de sua consciência
“Dando-se apenas o pão, pode-se ajudar somente o indivíduo. O resultado será que, depois de algum tempo, muitos estarão novamente sem pão”. A frase é lida num artigo assinado, em 1905, pelo vulcânico e genial Rudolf Steiner. Depois de 115 anos, continua atual como nunca.
Trata-se de um fragmento da longa análise das relações do capital e do trabalho, da mediação do Estado, das políticas públicas, que procuram identificar no esforço humano as razões da alternância de sucessos e de fracassos.
Steiner realiza uma análise moral e “cármica”, subindo em camadas muito superiores àquelas usualmente limitadas a ganhos e perdas financeiras, para finalizar que o sucesso depende da solidariedade e da harmonia despertadas nas relações humanas. Motivação, coesão, união, equilíbrio, determinação, coerência etc. são os ingredientes a serem usados.
Qualquer esforço na esfera material, por mais intenso que seja para alcançar a meta, deve-se dirigir ao crescimento do indivíduo, de suas potencialidades e da ampliação de sua consciência. É justo e necessário procurar melhores condições materiais, são fundamentais à superação da fome e das restrições de toda ordem prática. Terão, todavia, um valor universal, eternizado e sustentável só se estimularem e enriquecerem indivíduos.
Um homem rico de recursos e de poder, mas moralmente fraco e indigente, pouco serve à humanidade, e seu legado não passará de cinzas espalhadas pela ventania. Será castigado pela sua estreiteza e egoísmo, tropeçará ainda em vida culpando o destino, sem enxergar a sua insignificância e, portanto, a inutilidade dele para aqueles que o cercam. A justiça superior não o deixará triunfar, pois seus propósitos mesquinhos não interessam nem acima quanto menos abaixo dele.
Não há riqueza e progresso marcados pela exploração de seres desfavorecidos, em especial por um governante. Seus feitos não deixarão resultados positivos. Pior quando impunemente se aproveita da ignorância e da miséria. O sucesso se torna imperecível num conjunto que tende ao progresso difuso, sem prejuízos para quem quer que seja, quando o amor à humanidade prevalece sobre cálculos mesquinhos. Mais do que a luta contra o mal, é a imposição do bem pelo seu efeito abarcante. E não poderia ser diferente, já que o mal é apenas ausência do bem; quando o bem impera, não há espaço para o outro se impor, nem sequer parcialmente.
A riqueza pela exploração e pela dor é frágil como castelo de areia, e o esforço, por mais hercúleo que seja, para preservá-la desmoronará.
Para Steiner, já em 1905, era um erro acreditar no Estado filantropo ou imaginar que ele resolveria estruturar a humanidade, deixando seres emancipados e donos de seu destino. Afirmava que “grupos políticos se equivocam… baseando-se num conhecimento insuficiente da vida humana”, em especial quando prometem aos ignorantes o pão sem agregar componentes de educação e de crescimento moral.
As ideias e conceitos divulgados por Rudolf Steiner apresentam o “espírito de integralidade”, o mesmo que leva homens e empresas “amadas” à procura da “função social” como motivação de seus esforços, como principal razão de ser, crescer e se fortalecer exatamente por serem imprescindíveis ao progresso da humanidade.
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