Governo
traça estratégia antiprotestos
Jussara Soares e Vinicius Valfré
© Foto: Cris Faga/Getty
Ainda embrionários, fragmentados e sem liderança única, os
movimentos contra o governo que ganharam força nas últimas semanas já obrigam o
presidente Jair Bolsonaro e apoiadores a pôr em prática uma plano de reação.
Sem saber a dimensão que os manifestos nas redes sociais e nas ruas alcançarão,
a estratégia bolsonarista é tentar sufocar ainda no início esses grupos
construindo a narrativa de que são violentos e, por isso, devem ser
criminalizados. Eventuais confrontos com a polícia serão explorados como exemplo
de que “o governo é o lado certo.”
Bolsonaro, que durante sete domingos consecutivos participou
de atos em Brasília, pediu, diante do avanço dos protestos contra ele, para
seus apoiadores ficarem em casa no final de semana passado. Publicamente, o argumento
era para se evitar um confronto entre manifestantes contra o governo. Nos
bastidores, no entanto, a preocupação é política.
O Palácio do Planalto temia que a comparação entre os
números contra e a favor do presidente possam mostrar um cenário desfavorável,
evidenciando que a proporção crítica ao governo era maior. A avaliação é a de
que, se isso ocorrer nos próximos protestos, pode entusiasmar opositores, assim
como ocorreu com a ex-presidente Dilma Rousseff, que sofreu impeachment em
2016.
Na Câmara, há 45 pedidos de impedimento de Bolsonaro. Até
agora, nenhum foi apreciado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Parlamentares alegam que os processos não avançaram porque, em meio ao
isolamento social, falta clima nas ruas para um impedimento. O temor dos
bolsonaristas é que o ambiente comece a ser criado agora.
Nas últimas semanas, Bolsonaro aplicou vacinas contra os
atos e adjetivou os manifestantes contrários a ele de “terroristas”,
“marginais”, “desocupados”, “maconheiros” e “viciados”. Pediu aos pais que não
deixem os filhos participar de atos. “Isso não é liberdade de expressão, é
quebra-quebra”, disse em transmissão na “live” da quinta-feira passada. E fez
uma explanação condenando grupos antifascistas e os associando aos black blocks,
que ganharam as ruas nas manifestações de 2013 com episódios de violência. Os
protestos ocorridos naquele ano, no entanto, foram marcados também pela atuação
de agentes infiltrados das polícias e das Forças Armadas para provocar confusão
e, assim, justificar uso de bombas.
Na segunda-feira passada, depois dos atos, Bolsonaro avaliou
que as manifestações contrárias ao governo são “o grande problema do momento”.
“Estão começando a colocar as mangas de fora”, disse o presidente a apoiadores,
no Palácio da Alvorada. Os atos ocorreram no Distrito Federal e em ao menos 11
capitais. A adesão foi maior em São Paulo, onde também houve panelaços e
buzinaços contra o presidente. Novos atos estão marcados para hoje.
Escalada
A arquiteta Monica Benício, companheira da ex-vereadora do
Rio de Janeiro Marielle Franco, assassinada em 2018, avalia que a onda de
protestos pode crescer diante da conduta do presidente. “Fomos os primeiros a
falar que ficar em casa era ato de responsabilidade, mas também é urgente que a
gente ocupe as ruas com responsabilidade, com cuidados com a saúde, para
mostrar ao governo que não ficaremos silenciados diante da barbárie e desse
projeto genocida em curso”, afirmou.
Integrante da torcida Gaviões da Fiel e organizador do
protesto do domingo passado em São Paulo, o estudante de História Danilo
Pássaro diz que as falas do presidente reforçam um caráter autoritário. “É mais
uma prova de que ele não sabe lidar com manifestações e expressões do
pensamento diferentes”, ressalta.
Nas redes sociais, os filhos do presidente criaram a
narrativa de que os movimentos contra o governo são ilegítimos. O temor é
perder espaço na internet, onde o grupo se organizou e onde o presidente tem
sua maior força. Parlamentares ligados a Bolsonaro também entraram em ação,
como os deputados estaduais de São Paulo Gil Diniz (PSL) e Douglas Garcia
(PSL), ambos citados no inquérito das fakes news no Supremo Tribunal Federal.
Diniz, que era assessor do deputado federal Eduardo
Bolsonaro (PSL-SP) antes de se eleger, anunciou na sexta, dia 5, que
protocolaria um pedido para a abertura de uma CPI para investigar os “antifas”,
após, segundo ele, ter recebido denúncia de “violência e outros crimes
cometidos por membros do grupo.”
Já a Garcia é atribuído o vazamento de dados de mil pessoas
que supostamente integrariam grupos antifascistas. “É contra este tipo de gente
que se diz antifa que eu entreguei (não vazei) o dossiê à polícia!”, escreveu
no Twitter, ao publicar imagens de protesto no México. O parlamentar defende
que os manifestantes sejam enquadrados na Lei de Segurança Nacional.
Pela primeira vez desde o início do governo, Bolsonaro
enfrenta uma narrativa negativa nas redes sem dispor de seus principais
influenciadores no melhor momento, já que o inquérito das “fake news” no
Supremo Tribunal Federal passou a mirar o “gabinete do ódio”.
Uma análise da empresa de consultoria AP Exata apontou queda
imediata de 14% para 10% nas publicações dos chamados perfis de interferência.
Há 77 dias, a empresa computa mais interações contrárias do que a favor do
presidente. “Até o final de 2019, Bolsonaro dominava. Na virada do ano, começou
a perder. Só que apesar de ele ter mais críticas do que menções positivas não
se podia dizer que tinha uma oposição forte. Não era uma coisa concentrada até
a narrativa do movimento Somos Todos 70%”, observou o diretor da empresa,
Sérgio Denicoli.

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