terça-feira, 30 de junho de 2020

EPIDEMIA DO COVID-19 EXPÕE A CRISE NO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO

 

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Uma finalização distante

Vittorio Medioli

O Brasil se ressente de uma fragilidade histórica do sistema de saúde pública, destroçado por casos de corrupção e incompetência

 

 

O enfrentamento da pandemia no Brasil vem se dando pelo “achatamento da curva”. Não tem outro, pois faltam leitos, equipamentos, mão de obra em geral, para o atendimento da demanda. A responsabilidade caiu nos prefeitos de mais de 5.000 municípios, metade dos quais tem menos de 10 mil habitantes e condições ínfimas de acesso ao conhecimento e à metodologia correta. Com recursos para a Covid-19 centralizados e responsabilidades pulverizadas, o resultado não pode ser muito diferente da catástrofe em ato. Os municípios não têm preparação, num momento em que a receita despencou, para enfrentar um desafio gigantesco. Um quadro pior é raro ter acontecido anteriormente no país. As ajudas emergenciais para manter o povo alimentado não serão por longo prazo. Isso dura desde março, mais de três meses. No mesmo prazo a maioria dos países superou a fase aguda e já volta à normalidade. No Brasil apesar de isolamento, paralisação de atividades, barreiras, a situação pior parece que ainda está por vir.

O Brasil se ressente de uma fragilidade histórica do sistema de saúde pública, destroçado por casos de corrupção e incompetência, que invalidaram o esforço contributivo da população.

É declarado pelos cientistas mais qualificados que as pandemias se extinguem quando o RO (índice de reprodução de contágio) em relação aos suscetíveis de contaminação (ou não imunes) é menor que 1.

O RO divulgado pelos cientistas chineses no caso da Covid-19, e aceito internacionalmente, é 2,6 contagiados por indivíduo portador. Significa que o primeiro portador transmitiu a outras 2,6 pessoas o vírus que carregava. Nessa velocidade a Covid-19 se expande até encontrar indivíduos imunes e resistentes não hospedeiros. Nesse ponto registram-se a inflexão e o decréscimo em velocidade proporcional. A equação é 2,6 x 35/100 = 0,98, ou seja, menor que 1. Se a vacina aumentasse o número de imunes a mais de 60%, a pandemia cessaria.

Na China o isolamento da região de Wuhan inteira procurou imunizar sua população. No Brasil a Covid-19 surgiu ao mesmo tempo em vários Estados, que a trataram de formas diferentes. Quem fez barreiras sérias achatou a curva, mas decretou um alongamento, proporcional à capacidade de sua rede de saúde, de leitos, de equipamentos, de mão de obra qualificada. Algo quase impossível.

Pacificou-se no planeta inteiro que o índice de óbitos em relação ao número de infectados resulta em 3,4%, ou seja, 34 mil vítimas mortas para cada 1 milhão de casos confirmados. O Brasil apresenta um índice superior à média mundial: ontem era de 4,3%. Na região metropolitana de Belo Horizonte as divergências entre municípios são absurdamente gritantes, e a relação de mortes por síndrome respiratória aguda na maioria das cidades que declaram os menores números de óbitos por Covid-19 (matéria da “Folha” de 9.6) subiu 20 vezes em relação ao ano anterior, refletindo o caos e as subnotificações, tanto pela falta de testagem nos pacientes, vivos e mortos, como pela ausência de transparência.

A realidade mostra que no país as mortes por síndrome respiratória aguda aumentaram quase 1.000%, e as notificações mascaram a Covid-19.

Vivemos no mundo da fantasia, e isso se reflete na impropriedade de medidas, no seu direcionamento e efetividade. Os municípios que agem corretamente são castigados por notícias sensacionalistas e superficiais, que não aprofundam as incongruências e aceitam a inconsistência como verdade.

O custo de um teste equivale a pelo menos três cestas básicas. E dificilmente um prefeito deixará de dar preferência à alimentação para testar vivos e mortos.

O número de óbitos se relaciona à falta de precocidade da intervenção e à qualidade do atendimento na rede de saúde.

Os pacientes sintomáticos tratados adequadamente no insurgir do contágio, com fármacos apropriados, dificilmente precisam chegar aos respiradores, medida terminal de tratamento. Recentemente (em 16 de junho) foi recomendado o uso, exclusivamente para casos graves de ventilação invasiva, do fármaco dexametasona (corticoide com potente ação anti-inflamatória). Segundo revelou a Universidade de Oxford, os pacientes submetidos à ventilação e tratados com o corticoide apresentaram uma redução de 35% de óbitos em relação aos tratados sem o medicamento.

Ocorre que no Brasil a população, aterrorizada e estonteada pelo sensacionalismo e pelas incongruências de despreparados, e, ainda, pela avalanche de fake news criminosas, pelo oportunismo de hienas políticas, acaba por atrasar o socorro nas redes de saúde, deixando a situação se tornar irreparável. A maioria dos municípios tem prefeitos “culpados” de não possuir a menor condição de atendimento, mal dão conta do básico, e fica inimaginável assumir tratamentos delicados e caros.

Também é realidade que os números oficiais de óbitos sofrem graves desvios pela falta de testagem, tornando o enfrentamento um voo cego sem instrumentos e requerendo medidas drásticas, por vezes destrutivas de outras realidades imprescindíveis.

Como dizem os cientistas, 60% de população imunizada, seja por motivos naturais, incluindo os indivíduos que naturalmente são imunes ao vírus, nos liberará. Na Alemanha um estudo relaciona o baixo risco de contágio e alta imunidade com a idade jovem, a presença de boa dose de vitamina D3, o pH do indivíduo, a dieta etc. Os 80% de assintomáticos de certa forma tranquilizam que a humanidade não se extinguirá pela Covid-19. Restam os 20% que merecem a possibilidade de atenção adequada, e o achatamento da curva diluiu essa possibilidade.

Quanto maior o número de leitos, de equipamentos e mão de obra qualificada (outra tarefa “impossível”), menores serão os sustos, as consequências e as perdas humanas.

O isolamento prolongado esgarça a resistência de empreendimentos; já levou a mais de 14 milhões de novos desempregados e colocou o Brasil no risco de falência.

As ideias são conturbadas e confusas, assim como as estratégias delegadas ao último vagão do comboio.

 

 

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