Visita inesperada de
Bolsonaro gera desconforto entre ministros do STF
Augusto Fernandes
© ED ALVES/CB/D.A Press Bolsonaro,
empresários e políticos foram a pé à Corte, em visita surpresa: iniciativa foi
vista como uma forma de o presidente terceirizar ônus da crise sanitária e
econômica Em uma atitude inesperada, e que pegou de surpresa até o Supremo
Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro reuniu um grupo
de empresários, atravessou, a pé, a Praça dos Três Poderes e foi até a Corte
pressionar os magistrados por uma reabertura econômica em meio à pandemia do
novo coronavírus. Num momento em que o país vê a aceleração do número de
novas infecções, que chegam à média de 10 mil por dia, e novos registros de
mortes — passam de 600 a cada 24 horas —, o chefe do Executivo se encontrou com
o presidente do Supremo, Dias Toffoli, e pediu que o tribunal atue para que o setor
produtivo retome as atividades. Além dos pedidos do chefe do Planalto, o
ministro ouviu o tema ser reverberado por representantes das classes
empresariais.
A visita de Bolsonaro, fora da agenda dele e de Toffoli, gerou enorme
desconforto e críticas entre os ministros do Supremo. A reunião foi transmitida
ao vivo pela página do presidente no Facebook, para seus milhões de seguidores,
o que gerou pressão extra contra a Corte, já alvo de protestos de apoiadores do
governo. O Planalto tem sofrido seguidas derrotas no tribunal. Uma delas foi a
decisão dos ministros de que os estados e municípios têm autonomia para decidir
sobre medidas restritivas de combate à disseminação do coronavírus.
Durante a conversa, que durou pouco menos de 40 minutos, Bolsonaro disse
que “a nossa união e a coragem para enfrentar (a pandemia) é o que podem evitar
que o país mergulhe numa crise econômica que dificilmente poderá sair dela”.
“Nós, chefes de Poderes, temos de decidir. Nós temos um bem muito maior do que
a nossa própria vida, se me permite falar isso, que é a nossa liberdade. Nós
não podemos perder a liberdade do Brasil, não podemos ver, mais cedo ou mais
tarde, a continuar como está caminhando a questão econômica, assistindo a
saques”, frisou.
Ele voltou a afirmar que “o efeito colateral do vírus não pode ser mais
danoso do que a própria doença”. “Todos estamos embarcados buscando o objetivo
de resolver este problema, porque economia também é vida. Não adianta ficarmos
em casa e, quando sairmos, não ter o que comprar nas prateleiras. Todos nós
seremos esmagados por isso”, alertou.
Fora da reunião, o presidente disse que “a gente não pode ficar do lado
de cá, de atravessar a rua esperando decisões do Supremo, porque, às vezes, são
boas e outras, a gente não concorda”. “Toffoli concorda que a responsabilidade
é de todos nós e temos de buscar alternativas”, salientou.
Coordenação
No encontro, Toffoli manteve a posição de que o Poder Judiciário já está
fazendo seu papel ao garantir direitos pessoais e coletivos e decidir impasses
envolvendo a crise. Ele defendeu que a União crie um comitê em conjunto com
estados, municípios, empresários e trabalhadores para retomar a atividade
econômica.
De acordo com o ministro, é necessário avaliar a melhor forma de estabelecer
o retorno das atividades. “Essa coordenação, que eu penso que o Executivo, o
presidente da República, com seus ministros, chamando os outros Poderes,
chamando os estados, representantes de municípios, penso que é fundamental”,
destacou. “Talvez, um comitê de crise para, envolvendo a Federação e os
poderes, exatamente com o empresariado e trabalhadores, a necessidade que temos
de traduzir em realidade esse anseio, que é o anseio de trabalhar, produzir,
manter a sociedade estruturada.” Toffoli se mostrou incomodado durante a
reunião. Ele e Bolsonaro, apesar de sentarem um ao lado do outro, fixaram os
olhares nos demais participantes do encontro.
Nos bastidores, ministros viram uma tentativa de lançar pressão
midiática sobre o tribunal, principalmente em razão da transmissão ao vivo do
encontro pelas redes sociais. Um dos magistrados afirmou que o ato do
presidente ocorre para “tentar dividir responsabilidades” com o Poder
Judiciário diante da crise que pode levar a uma recessão econômica. No entanto,
ele entende que o papel do STF não é planejar ou avaliar previamente os atos do
Executivo, mas, sim, manifestar-se apenas quando provocado. “Se o presidente
abrir os segmentos essenciais, e isso for questionado, o Judiciário vai ouvir a
ciência, as autoridades sanitárias, sem prejuízo de uma postura
consequencialista: vai mesmo faltar alimento? Aí, isso precisa ser ponderado. É
importante lembrar que o Supremo não é o presidente apenas, são 11 ministros
que julgam conforme os fatos postos”, frisou.
Convocação
No Palácio do Planalto, o grupo de 15 empresários traçou um cenário
preocupante e disse ter planos de como poderia retomar a atividade econômica.
Foi nesse momento que Bolsonaro questionou os presentes se concordariam em
atravessar a Praça dos Três Poderes e ir até o STF apresentar os mesmos dados.
Os ministros Paulo Guedes (Economia), Walter Braga Netto (Casa Civil), Luiz
Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Fernando Azevedo (Defesa) e o senador
Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, integraram a comitiva.
Mais tarde, Bolsonaro frisou que tomou aquela atitude porque não poderia ficar
“esperando” de braços cruzados uma decisão do Supremo.

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