Com
epidemia e recessão, Trump tem menos de 6 meses para arranjar novo discurso de
campanha
"Recebendo ótimos comentários, finalmente, sobre o quão
bem estamos lidando com a pandemia", escreveu o presidente americano
Donald Trump, em sua conta de Twitter, no último dia 4, a menos de seis meses
da eleição presidencial de novembro, na qual tentará ser reconduzido à Casa
Branca.
O autoelogio em tom aliviado é um indicativo das aflições
que atormentarão Trump nos próximos meses. Os Estados Unidos têm o maior número
de casos e mortes por covid-19 do mundo, e o republicano teme que sua
performance no combate à epidemia, que já levou à pior recessão americana no
século, com 30 milhões de desempregados, possa abater sua candidatura.
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Até março, quando os Estados Unidos começaram a ver o número
de doentes crescer vertiginosamente, ele minimizava o problema e atribuía aos
adversários políticos o alarme com o coronavírus.
© Getty Images Até 8 de maio, o país registrava cerca de 75
mil mortos e 1,2 milhão de infectados.
Trump tinha a seu favor uma economia com crescimento estável
e em situação de pleno emprego. Em janeiro, se desvencilhara de um processo de
impeachment ao mesmo tempo em que acirrava as tensões com o Irã, no Oriente
Médio, e colhia o resultado de um novo acordo de comércio com México e Canadá e
um cessar fogo na guerra comercial com a China - temas populares entre seus
apoiadores.
Até que o coronavírus, que Trump reputava menos grave do que
uma gripe comum, mostrou seu potencial destruidor. De acordo com a avaliação de
epidemiologistas, a doença pegou os Estados Unidos despreparados para fazer
testagem em massa, rastrear os casos e isolar os doentes. Até 8 de maio, o país
registrava cerca de 75 mil mortos e 1,2 milhão de infectados.
"Nos últimos 3 meses, as chances de Trump se reeleger diminuíram.
Primeiro porque, até fevereiro, ele planejava fazer uma campanha centrada nos
bons resultados da economia, e isso se perdeu completamente. Segundo porque os
resultados até agora sugerem uma má gestão da crise de saúde pública, ele não
estava preparado", afirma o cientista político Jonathan Hanson, da Universidade
de Michigan.
© Getty Images Trump usou ainda as
sessões de imprensa para culpar a China pela falta de informações sobre a
periculosidade do vírus e adotou a expressão "vírus chinês" para se
referir ao SARS-Cov-2
O show de Trump
Trump não ficou parado diante do derretimento de seu plano inicial de
campanha. Ele adotou diferentes estratégias para tentar melhorar a percepção
dos eleitores sobre seu trabalho.
A mais visível delas foi assumir, literalmente, o centro do palco e
promover por mais de seis semanas conferências de imprensa diárias sobre os
esforços do governo no combate ao coronavírus, transmitidas ao vivo pela
internet e pela televisão.
Trump, que tem experiência como apresentador de reality show, fazia as
vezes de um anfitrião em um programa de convidados, em que sucessivos
especialistas da gestão - especialmente os médicos e pesquisadores da
força-tarefa contra o vírus - explicavam as ações federais.
"Ver o presidente ir a público demonstrar que tem um plano e que
pode coordenar os trabalhos é certamente algo que agradaria aos
americanos", diz Hanson.
As sessões, no entanto, começaram a ficar cada vez mais longas (algumas
duraram duas horas), os conflitos com a imprensa se multiplicaram (Trump chegou
a dizer à repórter da rede CNN que não comentaria sua pergunta porque ela era
"fake news") e o republicano acumulou declarações polêmicas, que
acabavam desmentidas rapidamente, como a promessa de uma vacina em poucos meses
ou de reabertura das atividades econômicas na Páscoa, o que não aconteceu.
Trump usou ainda as sessões de imprensa para culpar a China pela falta
de informações sobre a periculosidade do vírus e adotou a expressão "vírus
chinês" para se referir ao SARS-Cov-2. Também passou a tratar a
Organização Mundial da Saúde (OMS) como responsável pela tragédia global,
acusando a instituição de ser conivente com a falta de transparência chinesa. A
estratégia servia ao mesmo tempo para retirar de si a culpa pela situação
americana e para reafirmar o antagonismo em relação seu principal inimigo no
jogo geopolítico.
"Esses eventos viraram uma espécie de comícios eleitorais em vez de
transmissão de informação. E ele passou a promover potenciais tratamentos
bizarros, nenhum comprovado. Em vez de torná-lo mais popular, as sessões
começaram a gerar atenção negativa", afirma o cientista político William
Winecoff, da Universidade Indiana.
Trump resistia a interromper as apresentações, apesar da pressão de
republicanos no Congresso, que temiam que suas performances pudessem causar
prejuízo nas campanhas para as eleições legislativas, também em novembro. O fim
das transmissões se tornou inevitável depois que, no último dia 24, Trump
sugeriu que injeções de desinfetante poderiam ser eficazes no combate ao
coronavírus. As reações foram péssimas. Três dias depois do episódio, ele
afirmou que suspenderia as conferências, porque elas "não valem o tempo e
o esforço".
A julgar pelas pesquisas de popularidade, o republicano tem razão.
Embora uma pesquisa do Intituto Gallup tenha indicado um ganho inicial de 5
pontos percentuais em aprovação (49%) em março, a pesquisa seguinte não
sustentou a taxa, que ficou em 43%.
Em um compilado das pesquisas feita pelo site FiveThirtyEight, sua taxa
de aprovação variou de 42% para 43% nas seis semanas em que ele manteve
pronunciamentos diários. Situação muito diferente da de líderes europeus como a
alemã Angela Merkel e o francês Emmanuel Macron, cuja aprovação cresceu 11 e 22
pontos percentuais, respectivamente.
"Na verdade, ao longo de todo o mandato, Trump manteve um nível de
40% de apoio, esse é aparentemente o piso dele. Qualquer outro presidente que
dissesse qualquer um dos absurdos que Trump disse, teria visto o apoio ruir em
meio ao escândalo. Isso não acontece com os apoiadores do Trump. No entanto, se
pode contar com esse público, também é verdade que ele jamais convenceu a
maioria dos americanos", diz Hanson.
Menos popular que os governadores
Em resumo, a performance de Trump até o momento tem sido muito mais
aprovada pelos eleitores republicanos (83,3% se dizem satisfeitos com sua
gestão da crise), do que por democratas (13,4% de aprovação) e independentes
(39,1% de apoio).
Se usar a imagem de líder gestor, culpar a China e apresentar soluções
mágicas não pareceu comover ninguém além de sua já cativa audiência, Trump sabe
que precisará oferecer mais para atrair as simpatias dos eleitores indecisos. E
a resposta parece estar menos na questão da saúde pública, que preocupa cerca
de 67% da população, e mais na condução da economia durante a epidemia,
preocupação de 87% dos americanos.
"Trump parece acreditar que sua melhor chance de reeleição depende
de retomar a economia, mesmo que isso leve a muito mais mortes. Mas é duvidoso
que a economia melhore substancialmente no curto prazo, e, quando a economia
vai mal em um ano eleitoral, isso geralmente é uma péssima notícia para o
presidente que tenta reeleição", afirma Winecoff.
© AFP Pesquisa mostra que os 50
governadores do país têm taxas de aprovação mais altas do que as de Trump;
aqui, o governador de NY, Andrew Cuomo
Com menos de seis meses para mostrar qualquer resultado que alivie a
piora da economia, medida em retração de 4,8% do PIB no primeiro trimestre,
Trump passou a pressionar os governadores dos 50 Estados a aliviar a quarentena
e permitir o retorno de atividades econômicas.
Um de seus alvos preferenciais é Michigan, governado pela democrata
Gretchen Whitmer, que tem sido cotada para o posto de candidata a vice do
presidenciável democrata Joe Biden. Ali, Trump venceu por uma diferença de
menos de 1% dos votos na disputa contra Hillary Clinton, em 2016. Sua vantagem
foi construída graças ao discurso de proteção dos empregos dos operários
brancos, afetados pela decadência do setor fabril no Estado. Duramente atingido
pela pandemia e pela crise, Michigan tem hoje mais de 20% da população
desempregada. As pesquisas eleitorais no Estado revelam vantagem de até dez
pontos percentuais para o democrata Joe Biden sobre Trump.
"Tornou-se urgente criticar os governadores e tentar reabrir o país
a qualquer custo. Trump acaba motivando movimentos como o do grupo armado que
invadiu o Parlamento estadual de Michigan há alguns dias. Mas embora as cenas
sejam impressionantes, eles são uma minoria na população. A maior parte do
eleitorado apoia as medidas da governadora aqui e dos líderes estaduais em
outras áreas", afirma Hanson, de Michigan. Ele se refere à ocupação do
prédio legislativo por centenas de homens ostentando armamento pesado, como
rifles, que exigiam o fim da quarentena, no último dia 1o.
A análise da opinião pública indica que o movimento de Trump tem pouca
chance de dar certo. Uma pesquisa nacional com 22 mil americanos conduzida, há
uma semana, pelas universidades Harvard, Rutgers e Northeastern mostrou que
todos os 50 governadores do país possuem taxas de aprovação mais altas do que
as de Trump. Na média, a vantagem de aprovação dos governadores sobre o
presidente é de 22 pontos percentuais. "Trump está cometendo novo erro
estratégico: criticando as pessoas em quem os americanos confiam muito mais do
que nele mesmo e tentando mudar medidas que estão sendo aprovadas por
enquanto", diz Winecoff.
O salvador da economia
Para Hanson, o movimento de Trump é calculado para dar a ele o único
discurso eleitoral possível nesse momento: o do líder que voltou a fazer a roda
da economia girar após uma crise.
Esse, no entanto, será um discurso que ele terá que disputar com Joe
Biden, seu adversário, e vice-presidente de Barack Obama entre 2009 e 2016.
Obama e Biden foram eleitos em 2008 com a plataforma de resgatar o país da recessão
que se iniciara naquele ano. Um ano depois de tomar posse, conseguiram fazer o
país retomar um patamar consistente de crescimento.
"Se pensar bem, é um discurso arriscado para Trump, porque ele
nunca enfrentou uma recessão antes. Biden pode usar a experiência de quem já
tirou o país do atoleiro uma vez na campanha", opina Hanson.
Além de Michigan, outros swing states - que oscilam preferência entre
democratas e republicanos a cada pleito - tem demonstrado preferência por Biden
sobre Trump nas pesquisas.
Na Flórida, onde Trump venceu com menos de 2% de vantagem em 2016, as
pesquisas eleitorais recentes têm indicado uma vantagem de quatro pontos
percentuais para o democrata sobre o republicano. Na Pensilvânia, também
vencida por Trump por menos de 1%, Biden aparece com vantagem de pelo menos
cinco pontos percentuais na maior parte das sondagens eleitorais. Cenário
parecido com o do Wisconsin, outro estado em que o republicano venceu apertado
em 2016.
"Biden não é um candidato entusiasmante, mas é visto como um líder
competente, com muita experiência em várias posições governamentais. Se a crise
aumentar em gravidade, esse tipo de perfil pode se tornar mais atraente para os
eleitores", diz Winecoff.
A estratégia de Trump, segundo os especialistas, embute ainda um risco
adicional: o de que a epidemia volte com força e provoque uma segunda onda de
mortos às vésperas da eleição. "Para fazer a reabertura, os Estados Unidos
precisariam ter ao menos uma boa quantidade de testes disponíveis e condições de
rastreamento de casos. Não temos nem um, nem outro", diz Hanson.
O país segue com escassez de materiais básicos para exames, como os
reagentes que indicam a presença do vírus na amostra coletada do paciente. E,
de acordo com uma pesquisa da Universidade de Harvard, para reabrir a economia
sem gerar uma nova leva de contágios em massa, seria necessário testar
semanalmente até 21% da população, para garantir que infectados sejam retirados
de circulação rapidamente e que o número de novos casos da doença não ultrapasse
o limite do número de leitos hospitalares.
"Se os Estados Unidos acabarem com centenas de milhares de mortes e
25% de desemprego na época das eleições, será muito difícil para Trump vencer
nessas circunstâncias. Mas se as crises atingirem o pico no verão (junho) e
melhorarem no outono (outubro), Trump fará campanha na tendência de melhora, e
não no fundo do poço, e terá chances de vencer", resume Winecoff.



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