Executivo e Parlamento travam duelo pela liberação de recursos do
Orçamento
Alessandra Azevedo
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Roque de Sá/Agência Senado
Reunião da Comissão Mista de Orçamento: briga entre
Planalto e Congresso envolve R$ 46 bilhões em emendas Na semana de regresso do
carnaval, uma das tarefas importantes de deputados e senadores será retomar a
análise de vetos do presidente Jair Bolsonaro a trechos de leis sancionadas
recentemente. O mais polêmico deles, que motivou a última crise entre Executivo
e Legislativo, levanta novamente a discussão sobre os limites do Orçamento
impositivo, regra criada para obrigar o governo a empenhar emendas parlamentares.
O assunto deve ser retomado amanhã, em sessão conjunta marcada pelo presidente
do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Os parlamentares podem derrubar ou manter um veto
parcial do presidente à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020. A norma
aprovada no ano passado reduz participação do governo na distribuição de R$ 46
bilhões em emendas de comissões permanentes e nas propostas do relator da LDO.
Pela regra atual, a ordem de execução de R$ 16 bilhões seria decidida pelos
colegiados e a dos outros R$ 30 bilhões, pelo relator, o deputado Domingos Neto
(PSD).
Se o Parlamento derrubar o veto, a aplicação do
dinheiro vai ficar a critério dos parlamentares. Esse predomínio no controle do
Orçamento é pano de fundo da crise entre o Planalto e o Congresso. Antes do
carnaval, os dois poderes pareciam ter chegado a um consenso. Os presidentes da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e Alcolumbre concordaram em derrubar apenas
parte do veto, para minimizar as perdas, após conversa com o ministro da
Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Assim, seria possível manter uma
parcela dos recursos geridos pelo relator sob responsabilidade do Executivo — o
que equivaleria a cerca de R$ 11 bilhões, que seriam destinados a gastos
discricionários, como investimentos em infraestrutura. Em troca, cairia a
possibilidade de punição do gestor que não cumprisse o prazo de 90 dias para a
execução dos valores. A proposta foi negociada, inclusive, com o ministro da
Economia, Paulo Guedes.
Mas o acordo não foi adiante. Alguns líderes
partidários — do PSL, da Rede e do Podemos — não concordaram com os termos
estabelecidos e impediram a votação, na última sessão conjunta, em 12 de
fevereiro. Sem conseguir avançar nas negociações, Alcolumbre adiou as
tratativas para depois do carnaval. Até amanhã, antes da sessão plenária, ele
se reunirá com líderes partidários para definir os próximos passos.
Com o fim do feriado, a situação está ainda mais
incerta do que antes. Parte da equipe econômica propunha aumentar a parte
gerida pelos ministérios, mas a acusação do general Augusto Heleno, ministro do
Gabinete de Segurança Institucional, de que o Parlamento chantageia o governo
abalou a relação entre o Executivo e o Legislativo e comprometeu as
negociações. O compartilhamento de vídeos, por parte do presidente Bolsonaro,
convocando para manifestações no dia 15 contra o Congresso e o Supremo piorou
ainda mais o ambiente na Praça dos Três Poderes.
Risco
As declarações agressivas e os atos do presidente
nas redes sociais constituem, na avaliação de especialistas, uma estratégia
para compensar as dificuldades na negociação orçamentária com o Parlamento. A
expectativa do presidente é contar com a pressão popular para constranger o
Congresso e manter integralmente o veto às alterações da LDO. “Sem base aliada,
não resta outra alternativa a não ser apelar, de alguma forma, a esse tipo de
manobra. O presidente recorreu às ruas porque viu nessa estratégia um último
recurso, o jeito de conseguir emplacar a ideia. Ele não tem perfil de
confrontar e articular, prefere sair a público e inflamar as reações”, avalia o
cientista político Leandro Gabiati, diretor da consultoria Dominium.
O especialista acredita que a melhor estratégia do
Congresso, diante da ofensiva, deve ser esperar para analisar o veto depois da
manifestação apoiada por Bolsonaro, em 15 de março, mas sem paralisar o
trabalho enquanto isso. “Votar antes pode ser um risco, porque, se não
mantiverem o veto, a manifestação pode ser maior. O importante é que, enquanto
esperam, os parlamentares mantenham a agenda, que é bem ampla. Tem muita pauta
importante que deve avançar e, com isso, o Congresso mostra que está, sim,
trabalhando”, explica Gabiati. Na lista, estão reforma tributária, autonomia do
Banco Central e prisão em segunda instância.
A comissão onde não
há consenso
Criada há duas semanas, a comissão
mista que busca um consenso em relação à reforma tributária tem a pretensão de,
em 45 dias, resolver impasses que se estendem há décadas na discussão sobre o
assunto no país. Não existe consenso sequer sobre como deve ser resolvida a
questão principal, que é a necessidade de se simplificar a cobrança de
impostos. A premissa é base inquestionável da reforma, mas a maneira como deve
ser colocada em prática divide opiniões dentro e fora do Congresso.
O presidente da comissão mista, senador Roberto
Rocha (PSDB-MA), afirma que “temos duas propostas que têm o mesmo chassi, só
muda a carroceria”. O difícil, no entanto, é conciliar os detalhes. Antes de os
trabalhos começarem, o que é previsto para acontecer amanhã, setores da
economia já discordam publicamente da essência das Propostas de Emenda à
Constituição (PECs) que tramitam hoje na Câmara e no Senado — a PEC 45 e a PEC
110, respectivamente.
As duas devem convergir em um só texto, que terá
como ponto principal a unificação de pelo menos cinco tributos em um só, uma
espécie de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), ou Imposto sobre Bens e Serviços
(IBS), como foi nomeado no projeto dos deputados. Grupos liderados pelos
setores de comércio, varejo e serviços, no entanto, consideram a estratégia
ultrapassada e dizem que o resultado será aumento de carga tributária de
determinadas atividades. Empresários do setor lançaram, inclusive, um movimento
contra as propostas em fevereiro.
Eles sugerem que o IVA sobre o consumo seja deixado
de lado e que o ponto principal da reforma passe a ser a desoneração da folha
de pagamentos, compensada pela criação de mais um imposto, que incidiria sobre
transações financeiras. Seria uma espécie de nova Contribuição Provisória sobre
Movimentações Financeiras (CPMF), mas mais moderna, sobre transações digitais.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um defensor da ideia, mas ela já foi rechaçada
várias vezes pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que garante que
os deputados não vão tocar no assunto.
Apesar do atrito entre os dois Poderes, o Executivo
tem se aproximado para contribuir com o debate sobre a reforma, ao menos do
ponto de vista técnico. Interlocutores que participam das conversas afirmam que
o relator da comissão mista, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), não descarta incluir a
desoneração no texto, mas acham possível que o assunto seja definido, se for o
caso, em lei complementar posterior.
Desde janeiro, a equipe técnica de Ribeiro, tem se
encontrado com a técnicos da Receita Federal para estudar os principais pontos
da reforma. As duas pontas têm feito levantamentos sobre os principais
incentivos fiscais, para verificar a viabilidade de extingui-los ou alterar o
modelo adotado atualmente. Mudanças na Zona Franca de Manaus (ZFM) também estão
em debate. Uma opção é manter a região de livre comércio, como é hoje, por
alguns anos, e ir diminuindo os benefícios aos poucos.
Jogo de cena
Essa é apenas uma parte da extensa
pauta que a comissão mista encontrará, o que leva alguns parlamentares a
questionarem a necessidade de um colegiado. O líder do PP na Câmara, Arthur
Lira (AL), está certo de que a “comissão mista não terá efetividade”. Para ele,
a estratégia de criar um colegiado para unificar as propostas “é só jogo de
cena”. Ele lembra que os assuntos já são discutidos há mais de um ano nas duas
Casas. A PEC 45, que servirá como base da nova proposta, já foi aprovada pela
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara em maio de 2019 e está em
avaliação na comissão especial.
Um novo texto terá que começar do zero. Depois dos
45 dias que o grupo terá para elaborá-lo, ele ainda precisará passar pela
análise da CCJ da Câmara, pela comissão especial e pelo plenário da Casa. Se
aprovada em dois turnos, será encaminhada para o Senado. Lá, passa pela CCJ e,
em seguida, pelo plenário, fase que também exige duas rodadas de votação. O
autor da PEC 45, deputado Baleia Rossi (MDB-SP), integrante da comissão mista,
calcula que o ideal é que a Câmara aprove a reforma até maio, para que o Senado
consiga concluir a tramitação antes do recesso parlamentar, que começa em
julho.
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