Tempo de
repensar: isolamento por coronavírus motivou reflexão coletiva sobre vida e
prioridades
Patrícia Santos
Dumont
Do lado de fora,
ruas vazias, escolas e estabelecimentos comerciais fechados e a sensação de
habitar uma cidade fantasma. Do lado de dentro, vidas que se fizeram mais
urgentes diante da privação da liberdade e do contato, real, com um mundo que
não fosse o virtual.
A pandemia do
coronavírus e o isolamento social imposto por ela nos trouxeram mais do que o
temor pelo adoecimento da população.
Privados de circular
pelas ruas, de ver e, mais que isso, abraçar amigos e familiares, além de
impossibilitados de frequentar centros de compras e de lazer com a frequência
desejada, abrimos tempo para importante reflexão: o que temos priorizado na
vida?
Pela web, pipocam
inúmeros testemunhos de que o contato com o outro está fazendo falta e mexendo
com as emoções. Junte-se a isso o desafio de aprender a ter mais intimidade com
a tecnologia e precisar usar aplicativos de video-conferência para poder
conversar ou trabalhar com quem antes estava sempre por perto.
Felizmente, as redes
sociais têm ajudado a conectar terapeutas e aqueles que escolhem pedir ajuda.
Neste momento crucial, muitos oferecem atendimento virtual gratuito.
Psiquiatras,
psicólogos e psicoterapeutas avaliam que a angústia relatada por muitas pessoas
durante o isolamento social e uma resposta mental à sensação de escassez. “O
desejo, muitas vezes, vem da falta. Isso explica, por exemplo, porque nem todos
querem a bolsa da loja de departamento, mas muitos cobiçam a da grife
importada”, exemplifica a psicóloga Daniela Queiroz, especialista em psicologia
positiva.
Segundo ela, o
momento é oportuno para refletirmos, todos, sobre o que temos almejado e como
temos construído nossas vidas. “Observar, por meio da escassez, o que para a
gente é, de fato, importante, para além do excesso de compras, de informação,
do excesso de ego. O que precisamos, agora, é de mais amor, calor humano,
daquilo que realmente não está abundante”, coloca a profissional.
Mais momentos
A psiquiatra
Jaqueline Bifano tem ponto de vista semelhante. Para ela, a iminência da perda
nos desperta para o que é realmente valioso. “Percebemos momentos que temos
deixado de viver. Até mesmo os pais, que trabalham para dar uma boa escola,
para pagar um curso de inglês, agora, estão podendo ver o quão valioso é o
contato com os filhos. Em momentos de recolhimento como este pelo qual passamos
aprendemos a valorizar o que importa e dar uma chance a outras perspectivas”,
diz.
Quando tudo
passar...
Psicoterapeuta,
mestre em reiki e professora de yoga, Ailla Pacheco acredita que passado o
medo, o receio e a sensação de incapacidade a que temos sido subordinados,
estaremos mais conscientes de quem somos.
“Quando tudo passar,
vamos nos amar, abraçar e beijar mais. Valorizaremos a importância de segurar
nas mãos uns dos outros. Vamos nos importar menos com as desavenças. Vamos
valorizar mais cada inspiração. Vamos agradecer por cada dia em que pudermos
acordar e ser livres. Vamos nos conectar com a natureza, dentro e fora de nós.
Vamos valorizar mais o tempo com aqueles que amamos. Quando tudo isso passar,
seremos menos isolados e mais integrados. Vamos ter aprendido a cuidar de nós
mesmos e uns dos outros”, coloca.
O que eu penso sobre
isso:
Antes de este
isolamento todo se fazer presente, eu – assim como muitos dos que, agora, me
leem – vivia, de certa forma, numa espécie de piloto automático para muita
coisa. Da casa pro trabalho, do trabalho pra casa e entre uma jornada e outra
um encontro com amigos, uma hora de ginástica, algumas tarefas domésticas e um
pouco de filme na TV.
Bastaram dois, três
dias no máximo, do confinamento, para que as fichas começassem a cair. Não! A
vida não merece passar despercebida! Comecei a observar amigos, vizinhos,
conhecidos, famosos, o mundo todo numa urgência quase irracional por estar mais
presente, em si e com o outro. Era a vida de cada um dando o recado. Comigo não
foi diferente.
Fui (e ainda estou)
me refazendo e despertando para coisas que realmente importam: olhar mais para
dentro de mim mesma, falar e ver (como isso é importante!) quem a gente ama de
verdade, cuidar mais do jardim e olhar menos pra bagunça, perceber como o tempo
lá fora passa devagar e a gente, no turbilhão daqui de dentro, quase nunca
percebe. Nada será como antes – nem pra mim nem pra você. Pode acreditar.
Passar, ou melhor,
viver essa experiência de quase filme, deixar de caminhar na rua, de ir ao
trabalho, se privar de ver os amigos e parentes, tudo isso nos fará melhores.
Eu acredito nisso. Acredito que o propósito seja nos fazer enxergar o que
desejamos ser de verdade, lá no nosso íntimo. Abrir nossos olhos para que sejamos
capazes de ressignificar momentos, pessoas, necessidades e, obviamente, a forma
como vivemos e convivemos com nosso eu. Eu estou disposta a mudar. E você?
Por Patrícia Santos
Dumont
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