Por que analistas dizem que Bolsonaro se enfraquece ao 'criar tensão
recorrente entre poderes'
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Marcos Corrêa/Agência Brasil Após repercussão negativa, presidente Bolsonaro
disse que mensagens contra o Congresso foram distribuídas a 'dezenas de amigos'
e que eram de cunho pessoal
Episódios como o mais recente em que o presidente
Jair Bolsonaro usou sua conta do WhatsApp para compartilhar vídeos que convocam
para manifestações anti-Congresso, organizados por movimentos de direita, são
graves. Mas o que os torna mais graves é o fato de serem tão recorrentes — e
de, no limite, enfraquecerem a própria instituição da Presidência da República.
A avaliação é de cientistas políticos ouvidos pela
BBC News Brasil. Embora o presidente alegue que suas mensagens no aplicativo
têm caráter pessoal, a visão predominante entre os especialistas é de que a
atitude reflete o "modus operandi" de grande parte do governo.
"Acho gravíssimo, acho muito preocupante. Mas
não é surpreendente vindo de alguém que já elogiou a ditadura, insultou a todos
que ele vê com inimigos, proferiu ataques misóginos. Nada é motivo de
surpresa", afirma o cientista político e professor da Fundação Getulio
Vargas (FGV) Cláudio Couto, que vê na atitude do presidente um crime de
responsabilidade.
A reação de Bolsonaro após a repercussão negativa
também segue um padrão, na visão do cientista; depois de ter sido alvo de
muitas críticas após a notícia sobre o compartilhamento dos vídeos ser
divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo, Bolsonaro, segundo o jornal Folha
de S.Paulo, orientou que sua equipe ministerial não compareça à manifestação
contra o Legislativo marcada para março.
'Inimigos do Brasil'
Com 1 minuto e 40 segundos, o vídeo tem ao fundo o
Hino Nacional tocado em saxofone e um texto de apoio ao presidente, além de
imagens de Bolsonaro durante discursos e no hospital, após ter sido esfaqueado
durante a campanha eleitoral de 2018.
O texto diz que ele "foi chamado a lutar por
nós" e "quase morreu por nós". "Dia 15/03 vamos mostrar a
força família brasileira. Vamos mostrar que apoiamos Bolsonaro e rejeitamos os
inimigos do Brasil."
"Tem sido um modus operandi dele, um morde e
assopra. Ele sempre vai testando os limites e esboçando um recuo, mas que é
difícil parecer um ato sincero. Parece mais recuo tático em função da
necessidade de quando há um movimento contrário", diz Couto, acrescentando
que as demais instituições democráticas têm funcionado como ferramentas de
contenção ao presidente.
O cientista também compara a relação a um
"carro descendo a serra com o pé no freio". "Você vai descer,
mas ao fim da descida vai ter acabado o freio, desgasta. Esse processo de ficar
tensionando o tempo todo é um problema de desgaste contínuo. O desgaste de
instituições vai ocorrendo, os ânimos vão se exaltando. Essa tem sido a tônica
do governo Bolsonaro", afirma.
Rafael Cortez, cientista
político e sócio da Tendências Consultoria Integrada, vê na postura de
Bolsonaro uma reação à perda de relevância no debate nacional criada pelo
próprio presidente, que foi eleito sob o discurso de que se afastaria do
chamado "presidencialismo de coalizão", sem buscar uma base de apoio
ao governo no Congresso.
Tal postura, segundo Cortez,
acabou dando mais protagonismo ao Legislativo em questões que agora desagradam
ao governo, como a divisão do Orçamento. "O presidente não se dispôs, não
quis exercer o papel de liderança e coordenação política, havia uma motivação de
refundar a política brasileira por trás da vitória do Bolsonaro. O presidente
não forma coalizão majoritária e tampouco exerce o papel de coordenador. O
resultado dessa escolha é esse fortalecimento institucional do Poder
Legislativo, que acaba gerando um constrangimento no leque de escolhas para o
Executivo", diz Cortez.
Cortez, no entanto, não
acredita que o cenário possa evoluir para uma abreviação do mandato
presidencial. "Não me parece que as respostas do Legislativo vão ser de
gerar essa tensão no sentido de gerar o que ocorreu no segundo mandato Dilma
[Rousseff], quando havia uma separação entre agendas dos poderes, conflito
clássico do presidencialismo".
O momento, avalia o
cientista, é de tensão entre os Poderes, mas não de ruptura, porque, tanto no
Executivo quanto no Legislativo, há mobilização de grupos sociais e
equilíbrio político.
"Não me parece que
vamos caminhar para um cenário de impeachment ou tampouco de um cenário de
ruptura institucional, nesse sentido de fortalecimento do Poder Executivo vis a
vis os demais Poderes", diz. "O resultado desse processo vai ser uma
tensão constante, e as eleições (presidenciais de 2022) vão ser o árbitro para
balancear quais visões de mundo têm impacto maior na sociedade."
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Marcelo Camargo/Agência Brasil
Disputa e acusação de chantagem
A mais recente rodada de
atritos entre Congresso e Executivo começou com uma declaração do ministro do
Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, na qual ele
reclamou de "chantagem" de parlamentares.
Na mensagem, captada durante
uma transmissão ao vivo feita pela internet, o ministro dizia que o governo
"não pode aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo".
Após a repercussão negativa,
Heleno se justificou. Segundo ele, diante da votação dos vetos ao Orçamento
impositivo — medida que dá a deputados e senadores maior controle sobre o uso
dos recursos da máquina pública —, "estava expondo sua visão sobre
insaciáveis reivindicações de alguns parlamentares por fatias do Orçamento
impositivo".
Embora esteja tentando
recuperar um protagonismo que perdeu em razão das próprias escolhas políticas,
Cortez diz que o presidente se torna menos relevante ao render-se a essa
"'permanência de tensão institucional", decorrente da maneira como
exerce o poder.
"Me parece que, de
saída, vamos ter um Poder Executivo tendo menos influência ainda. Vai haver uma
mobilização pró-presidente, mas a instituição Presidência da República é mais
fraca nesse momento e a tendência é de menor poder do Executivo de influenciar
a agenda de debate. A agenda econômica do presidente segue sob risco, o
Legislativo vai ter uma postura que vai prejudicar os interesses do governo no Congresso",
prevê o cientista da Tendências, que destaca que, na história recente, mais
democracias morrem por "corrosão interna" do que por ataques
exógenos.
O vice-presidente, general
Hamilton Mourão, afirmou que o presidente não atacou as instituições, que estão
funcionando normalmente. Fotografias de Mourão também aparecem nas convocações
das manifestações contra o Congresso nas redes sociais.
"Não autorizei o uso de
minha imagem por ninguém, mas protestos fazem parte da democracia que não
precisa de pescadores de águas turvas para defendê-la", afirmou o
vice-presidente pelo Twitter nesta quarta-feira.
Democracia jovem e eventos em série
Carlos Melo, professor do
Insper e cientista político, diz que o maior problema em relação ao ocorrido é
o fato de não ser um episódio isolado. No ano passado, por exemplo, Bolsonaro
compartilhou também pelo seu WhatsApp pessoal um texto qualificando-o de
"leitura obrigatória" para "quem se preocupa em se antecipar aos
fatos".
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Valter Campanato/Agência Brasil
A mensagem dizia que era
impossível governar o Brasil respeitando as instituições democráticas,
especialmente o Congresso. Segundo o texto, essas instituições estão tomadas
por corporações que inviabilizam a administração pública, situação que abre
caminho para uma "ruptura institucional irreversível".
Melo pontua uma série de
outros eventos preocupantes mais recentes, como os ataques do presidente à
imprensa e o silêncio do Palácio do Planalto diante do motim de policiais
militares no Ceará que, em oito dias, deixou um saldo de 170 assassinatos no
Estado.
"Você não vê o
presidente se posicionar contra. Pelo contrário, quem (se) vê à frente do
movimento como esse (motim é) um vereador bolsonarista. Não se vê nenhum
repúdio (do presidente)."
Por outro lado, o professor
destaca que Bolsonaro se pronunciou sobre a morte do ex-oficial da Polícia
Militar do Rio Adriano Magalhães da Nóbrega, conhecido como "capitão
Adriano". Tanto o presidente quanto os seus filhos disseram que existe potencial
de "armação" contra eles na apuração da morte de Adriano e de seu elo
com a milícia de Rio das Pedras e organizaram uma ofensiva nas redes sociaisi.
"Qualquer presidente que tenha compostura não se mete numa questão
dessas", diz Melo.
"No mínimo, a sociedade
tem que mostrar que, se tem uma parcela que apoia, existe uma grande parcela
que não apoia esse tipo de coisa. Esse tipo de postura, o máximo que vai
conseguir é dividir o país. Não vai unir o país, criar um clima de concórdia
para que possamos resolver o problema do desemprego, da miséria absoluta, da
violência, da economia", afirma Melo.
"Você vai vulgarizando
a Presidência da República. A Presidência da República não é só um cargo
eletivo, ela é um símbolo de unidade de poder. Quando o presidente todo dia de
manhã e à tarde para no cercadinho para cumprimentar os seus e provocar os
jornalistas, cada dia vem um tipo de provocação, você vai de alguma forma
vulgarizando a Presidência da República. Quando o presidente fala uma coisa e
desdiz, avança e depois recua, e isso começa a ser recorrente, começa a ser um
hábito, a Presidência da República vai perdendo o que ela tem de mais
importante, que é a autoridade. Toda autoridade é crível. Então, é claro que
esse tipo de atitude desgasta."
"Se você olhar para a
história do Brasil, esse período que nós vivemos é o maior período de
democracia que vivemos e estamos falando de 30 e poucos anos, e olha que
tivemos dois impeachments. Você não tem por definição, não há democracia pronta
e acabada. Na nossa tradição a democracia é frágil e as autoridades não podem
brincar com isso."
Moderação nos outros poderes
Entre os analistas ouvidos
pela reportagem, é consenso que o que tem evitado uma escalada ainda maior do
nível de tensão entre os Poderes têm sido respostas moderadas como as do
presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Nesta quarta-feira (26/02),
Maia reagiu ao compartilhamento de vídeos pelo presidente defendendo a união
pelo diálogo e reafirmou o respeito às instituições democráticas. "Criar
tensão institucional não ajuda o país a evoluir. Somos nós, autoridades, que
temos de dar o exemplo de respeito às instituições e à ordem constitucional. O
Brasil precisa de paz e responsabilidade para progredir", afirmou.
Paulo Gama, analista
politico da XP Investimentos, lembra que um dos efeitos depois do episódio do
ano passado, em que Bolsonaro compartilhou um texto contra o Congresso, foi o
aumento do protagonismo de Maia à frente da reforma da Previdência.
"A resposta do Rodrigo
é algo muito mais institucional, na linha de manter a estabilidade, as
instituições trabalhando. Apesar do desgaste, me parece o caminho que eles
estão tentando criar, evitar um confronto público com o presidente, evitar um
confronto público com as manifestações, porque fazendo isso cairíam no discurso
que a própria manifestação está tendo, de que o Congresso é chantagista",
diz.
Gama, no entanto, reforça
que o atrito criado pelo presidente deixa o ambiente um pouco mais turvo, um
pouco menos estável e com menos previsibilidade, que é algo que o mercado preza
bastante. "A retomada é dependente também de reformas, como a tributária,
que depende de aprovação do Congresso", diz.
É por isso que, na visão do
analista, parece menos provável o cenário de que um eventual pedido de
impeachment contra o presidente seja acatado pela Câmara. "Não me parece
que teria chance de prosperar algum pedido de impeachment. Ouvi juristas se
manifestando no sentido de que caberia isso, partidos políticos falando isso,
mas me parece que no cenário que a gente tem hoje deveriam ser analisados com
cautela. Me parece que não seria a postura que o Maia está atuando nesse
momento."
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