Com ou sem Guedes? Como a saída do superministro afetaria o governo
Bolsonaro
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REUTERS/Adriano Machado Declaração do presidente Jair
Bolsonaro despertou imediatamente especulações sobre futuro do ministro Paulo
Guedes no governo
Sem que ninguém perguntasse, o presidente Jair
Bolsonaro anunciou na terça-feira (18/02) que o ministro da Economia, Paulo
Guedes, "não pediu para sair" e "vai continuar conosco até o
nosso último dia", despertando imediatamente especulações no sentido
contrário, de que seu "Posto Ipiranga" está, na verdade, ameaçando
pular fora do governo.
O motivo do desgaste entre os dois é a lentidão do
andamento da pauta econômica defendida pelo ministro, já que o presidente não
abraça de fato sua agenda ultraliberal, nem tem articulação política no
Congresso para garantir a aprovação das medidas. Além disso, Guedes virou foco
de fortes críticas nas últimas semanas por suas próprias declarações polêmicas,
o que acaba também atrapalhando o andamento de propostas impopulares, como a
reforma administrativa para alterar regras do funcionalismo público.
Para analistas políticos e econômicos ouvidos pela
BBC News Brasil, uma eventual saída do superministro com apenas um ano de
governo vai gerar turbulência e afetar negativamente a imagem da gestão
Bolsonaro. Se isso ocorrer, porém, eles acreditam que a tendência é o
presidente buscar alguém de perfil semelhante para substituí-lo dentro do
próprio governo, por exemplo deslocando o presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, para o ministério da Economia, ou promovendo para o cargo o
Secretário do Tesouro, Mansueto Almeida.
"Paulo Guedes é um dos pilares da razoável
estabilidade na percepção de investidores e empresários com relação à economia,
a despeito de todos os focos de incerteza. Se ele sair, acredito que o
presidente buscaria um nome na mesma linha. Seria um risco muito alto para a
administração Bolsonaro perder a questão econômica como uma variável para
capital político", afirma o cientista político Rafael Cortez, da
consultoria Tendências.
Ele, porém, considera que o mais provável, no
momento, é Guedes permanecer no governo.
"Os dois se uniram em um casamento de
conveniência. Bolsonaro precisava de um
nome para dar alguma credibilidade a sua agenda econômica, e o Paulo Guedes não
era um economista nas primeiras posições para ocupar um cargo dessa magnitude
na época da dicotomia PT-PSDB", lembra ele.
"Não vejo incentivos para romper essa relação
agora. Do ponto de vista do presidente, representaria um risco reputacional e
para a agenda econômica. E da perspectiva do ministro Guedes, esse primeiro ano
foi bastante insuficiente para a ideia de deixar um legado na história de
construção de uma agenda econômica", analisa.
'Parasitas e
empregadas'
Guedes foi criticado como elitista e preconceituoso
na última semana ao defender o dólar alto dizendo que antes, quando a taxa de
câmbio estava em R$ 1,80, "todo mundo (estava) indo para a Disneylândia,
empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada". A moeda
americana hoje está valendo R$ 4,36.
Dias antes, ele já tinha despertado a ira dos
servidores públicos ao chamá-los de "parasitas" quando criticava as
reivindicações de aumentos salariais num momento em que "o governo está
quebrado". A fala acabou azedando o clima político para enviar a proposta
de reforma administrativa ao Congresso, onde há uma forte frente parlamentar de
defesa do funcionalismo que se opõe à ideia de flexibilizar a estabilidade dor
servidores e criar regras mais restritivas para reajustes salariais.
Por causa de declarações como essas, que acabam
atrapalhando a condução das reformas, o economista Bráulio Borges, da
consultoria LCA e do Ibre/FGV, considera que poderia até ser positiva a troca
do ministro da Economia.
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REUTERS/Adriano Machado Bolsonaro e Guedes em foto de dezembro; analistas
destacam descompasso entre os dois na agenda econômica pretendida
Na sua visão, o presidente não teria dificuldade em
conseguir alguém de perfil semelhante ao de Guedes, que chama de "Chicago
old", em referência ao envelhecimento dos chamados "Chicago
boys", economistas formados na Universidade de Chicago (EUA) décadas atrás,
com viés superliberal na economia.
Ele ressalta, no entanto, que as dificuldades na
condução da política econômica tendem a continuar, independente de qual for o
ministro. "Mesmo que o eventual substituto do Guedes for melhor que o
Guedes, não vai eliminar o foco de tensão permanente que é o fato de Bolsonaro
não ser um liberal, nem na economia, nem nos costumes", afirma.
Borges exemplifica a falta de apreço do presidente
pela agenda econômica liberal citando sua recente "disputa com os
governadores para reduzir tributação sobre os combustíveis, num momento em que
não há espaço fiscal para retirar esses impostos". Ele também critica a
decisão do governo de injetar R$ 7,6 bilhões na Emgepron, estatal da área
militar, no final de 2019, com objetivo de construir corvetas (navios de
guerra), a despeito das contas continuarem no vermelho.
Na sua visão, esse "comportamento
populista" tende a se intensificar na medida em que se aproximar a eleição
presidencial de 2022, quando Bolsonaro vai tentar a reeleição.
"É um casamento bastante oportunista essa
união de Guedes e Bolsonaro. Até agora deu certo, mas imagina a pressão se a
economia de fato não decolar e o próximo ciclo político eleitoral for se
aproximado", ressalta.
Para Borges, o "timing" (melhor momento)
para aprovar as reformas vai até meados desse ano, já que no segundo semestre
haverá eleições municipais e, no início de 2021, acaba o mandato de Rodrigo
Maia (DEM) como presidente da Câmara dos Deputados — ele, que tem sido o
principal fiador da agenda econômica de Guedes, não pode se reeleger mais uma
vez para presidir a Casa pelas regras atuais. O mesmo acontecerá no Senado,
comandado hoje por Davi Alcolumbre (DEM).
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Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil Falta de articulação política do
Planalto no Congresso tem representado dificuldades para a aplicação da agenda
de Guedes
'Reformas sem rumo'
A consultora econômica Zeina Latif, que até janeiro
era economista-chefe da XP Investimentos, uma das maiores corretoras do país,
diz que o mercado financeiro continua tendo Guedes em alta conta, mesmo com o
desgaste das últimas declarações.
"Eu vejo no mercado financeiro, no
empresariado, muito respeito por ele. Gostando ou não do estilo, o fato é que
ele consegue explicar a economia para as pessoas como antes outros ministros
não fizeram. Ele consegue levantar temas polêmicos, ainda que às vezes de um
jeito atrapalhado", acredita.
Na sua leitura, o grande problema está na falta de
clareza sobre qual o "compromisso" do governo com as reformas, depois
da aprovação das mudanças da Previdência, em 2019. Ela ressalta que a gestão
Bolsonaro tem apresentado intenções em diversas áreas, mas sem indicar qual é
sua prioridade.
"A gente não consegue hoje dizer qual o
próximo item que o governo vai trabalhar para aprovar no Congresso. É o Plano
Mansueto (medidas para melhorar as contas de Estados e municípios)? É a PEC
Emergencial (que também trata de contas públicas)? É a carteira Verde-Amarela
(proposta de novos contratos de trabalho)? É a reforma tributária?",
questiona a economista.
Ela diz ainda que "falta Casa Civil" ao
governo, em referência ao ministério que costuma cuidar da articulação política.
Bolsonaro acaba de trocar o comado da pasta, nomeando como ministro o general
Walter Souza Braga Netto, no lugar de Ônyx Lorenzoni, político do DEM que
assumiu o Ministério das Cidades. A economista, porém, não vê perspectivas de
melhora na negociação política com a nomeação de mais um militar para o
governo.
"Governar (para essa gestão) parece que é
mandar projeto para o Congresso, mas não é. Governar é estabelecer prioridades,
é fazer o diálogo com os Poderes (Congresso e STF), é entregar. Não é dizer 'já
fiz a minha parte, agora é com o Congresso'", critica ainda.
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