STF iguala teto salarial de professor de universidade estadual com o de
federal e o Brasil está perdendo muitos cérebros para o exterior
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Sérgio Lima/Poder360 28.nov.2019 Presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias
Toffoli, no plenário da Corte. Decidiu aumentar o teto salarial dos professores
de universidades estaduais
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal),
ministro Dias Toffoli concedeu liminar neste sábado (18.jan.2019) que iguala o
teto salarial dos professores de universidades estaduais aos de federais. A
decisão, que tem caráter provisório, atende a pedido feito pelo partido PSD.
Até então, os salários dos professores das
instituições estaduais era vinculado ao salário do governador do Estado, que
varia em cada unidade federativa. Agora, será vinculado ao teto do STF, que é
de R$ 39.300.
No pedido do PSD, eis a íntegra, o partido cita uma “injustificável distinção entre
direitos remuneratórios [de professores e pesquisadores] a partir do
fato de estarem vinculados a instituições universitárias e de pesquisa de
diferentes entes federativos”.
Toffoli analisou o pedido de liminar por estar
responsável pelo plantão do Supremo durante o recesso, mas o relator da
ação é o ministro Gilmar Mendes.
O presidente do Supremo considerou que o
federalismo citado na Constituição deve se refletir também no sistema de
educação. “A mensagem constitucional da educação como política nacional de
Estado só poderá alcançar seu propósito a partir do reconhecimento e da
valorização do ensino superior”, justificou.
Os jovens pesquisadores brasileiros Bianca Ott
Andrade, Eduardo Farias Sanches, Gustavo Requena Santos e Renata Leonhardt têm
mais em comum do que apenas o pouco tempo de carreira e a nacionalidade.
Todos são doutores recentes e resolveram deixar o
país em busca de melhores oportunidades para desenvolver seu trabalho em um
ambiente mais favorável à ciência. Eles seguem uma tendência, não registrada
nas estatísticas oficiais, mas que aparece nos muitos relatos de migração de talentos
para outros países que vem aumentando, conforme pesquisadores chefes de grupos
no país e jovens que foram embora, ouvidos pela BBC Brasil. Uma espécie de
diáspora de cérebros, que vem preocupando a comunidade científica nacional, por
causa das consequências disso para o desenvolvimento do Brasil.
Não há dados oficiais sobre esta fuga, porque os
jovens doutores que deixam o país o fazem com bolsas das universidades ou
centros de pesquisa do exterior que os contratam, e não das instituições
brasileiras, como a Capes ou o CNPq.
A pesquisadora Ana Maria Carneiro, do Núcleo de
Estudos de Políticas Públicas (NEPP), da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) está iniciando uma pesquisa pesquisa que tentará entender as
trajetórias de migração da diáspora brasileira de Ciência, Tecnologia e
Inovação e também as motivações e locais de inserção. "Entretanto, não há
fontes de dados sistemáticas que permitam mensurar o tamanho deste fenômeno,
pois é necessário ter informações sobre a saída, local de estabelecimento, tipo
de inserção profissional e perfil sociodemográfico, especialmente a
escolaridade", explica.
Está prevista no projeto a realização de um
levantamento sobre o fenômeno, mas provavelmente não haverá informação
quantitativa exaustiva que permita afirmar quantos brasileiros de alta
qualificação vivem no exterior e se houve um movimento de ampliação, diz.
"Será possível, no entanto, ter pistas qualitativas sobre a migração de pessoas
altamente qualificadas."
Há alguns números de outras fontes, entretanto, que
podem lançar luz sobre o problema. Embora não discrimine por profissão ou
ocupação a saída definitiva de brasileiros para a o exterior, a Receita Federal
mostra que o número passou 8.170 em 2011 para 23.271 em 2018, ou crescimento de
184%. Em 2019, até novembro, 22.549 pessoas fizeram declaração de saída
definitiva do país. O crescimento foi mais acentuado a partir de 2015, quando o
número foi de 14.981. Em 2016, pulou para 21.103, crescendo para 23.039 em
2017.
Entre esses migrantes, estão muitos cientistas, de
acordo com o relato de acadêmicos ouvidos pela BBC News Brasil.
Segundo o geólogo Atlas Correa Neto, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) "é um dreno geral", que
inclui doutores mais antigos além de candidatos ao mestrado e também ao
doutorado. Não se trata apenas de pessoas indo para realizar um curso, uma
especialização ou realizar um projeto de pesquisa.
"Trata-se de saída em definitivo", diz.
"Quem tem possibilidade está indo, mesmo sem manter a ocupação de
cientista. Esse movimento não se restringe à área tecnológica e também afeta as
ciências sociais. Aliás, se eu pudesse, se tivesse condições financeiras e
sociais adequadas, iria embora também."
Debandada em áreas tecnológicas
De acordo com o pesquisador da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luís da Cunha Lamb, que atualmente é secretário
de Inovação, Ciência e Tecnologia do seu Estado, o fenômeno é mais intenso nas
áreas que ele chama de "portadoras de futuro e com impacto econômico
visível".
"Notadamente em ciência da computação, algumas
áreas das engenharias, biotecnologia e medicina, por exemplo", diz.
"Em particular, com o crescimento e o impacto da inteligência artificial
em todas as atividades econômicas, os profissionais desta área têm
oportunidades no mundo inteiro. Estamos perdendo jovens em áreas científicas,
que são portadoras de futuro. Mundo afora, dominar setores como computação,
estatística e matemática tem muito valor no mercado."
O biólogo Glauco Machado, do Instituto de
Biociências da Universidade de São Paulo (USP), também enumera algumas razões
pelas quais a saída de pesquisadores está ocorrendo.
"Ela tem a ver com a redução do número de
bolsas, o baixo valor das de mestrado e doutorado, que não são reajustadas há
vários anos, e o pessimismo em relação a uma futura contratação — especialmente
para as áreas em que o principal empregador é a própria academia -, que é fruto
da recessão econômica que aflige o país há pelo menos cinco anos", diz.
Em nota, a Capes informou que há 7.699 bolsas
congeladas e um total de 87.018 bolsas ativas. O CNPq, por sua vez, suspendeu
em agosto, 4,5 mil bolsas que não estavam sendo usadas, segundo a instituição.
Ele acrescenta que, ao mesmo tempo, é importante
olhar para o que está acontecendo fora do Brasil.
"Várias universidades no exterior estão
criando programas de atração de talentos internacionais", diz.
É o caso, por exemplo, das universidades de
Genebra, na Suíça, e Saskatchewan, no Canadá.
"O investimento em pesquisa e tecnologia tem
crescido em vários países desenvolvidos e as oportunidades de bolsas e
eventualmente trabalho em algumas áreas são maiores no exterior do que aqui.
Portanto, sair do país é algo bastante atrativo para um profissional no início
de sua formação."
Eduardo Farias Sanches, de 39 anos, que o diga. Ele
considera que teve sorte de receber um convite para ir embora em um momento
oportuno, "devido ao incessante ataque do governo federal às universidades
(especialmente as públicas) e o corte de despesa em pesquisa e desenvolvimento,
o que é uma lástima para a nova geração de pesquisadores que, assim como eu,
está tentando se firmar no meio científico".
"Fico muito triste com essa situação, ao ver
que muitos bons pesquisadores não terão um horizonte razoável no Brasil",
lamenta. "Infelizmente para o país, a tendência é essa debandada
aumentar".
Graduado em Fisioterapia pela Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM), em 2007, com mestrado (2014) e doutorado (2015) na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Sanches foi contemplado com
uma bolsa de excelência do governo suíço, para desenvolver um projeto de
pesquisa na Universidade de Genebra com duração de um ano.
Depois desse período, foi convidado por seu chefe,
Stéphane Sizonenko, a permanecer lá, mas optou por retornar ao Brasil, onde
tinha compromisso com seu antigo orientador. Ficou dois anos aqui, período em
que o convite anterior para retornar a Suíça foi refeito. Dessa vez, ele
aceitou e voltou para lá, em setembro de 2019.
Pesou na escolha a possibilidade de melhores
salários. "Aqui na Suíça, além de ser levada muito a sério, a pesquisa
científica é considerada profissão, ou seja, contribuo com impostos e tenho
direito a aposentadoria", conta.
"Além disso, há melhores condições de
trabalho, que são inegavelmente ótimos atrativos a deixar o meu país. No
Brasil, a ciência e a cultura não são estimuladas e a inserção de pessoas
altamente capacitadas no mercado de trabalho, por não haver incentivo à
pesquisa e desenvolvimento, se torna muito difícil. É triste admitir que
seremos uma nação meramente exportadora de commodities e importadores de
tecnologia de ponta."
Procurados pela reportagem, o Ministério da
Educação e a Casa Civil da Presidência da República disseram que quem poderia
comentar o tema era a Capes, que, em nota, respondeu:
"A Capes aumentou em 9,1% o seu orçamento de
2018 para 2019, que subiu de R$ 3,84 bilhões para R$ 4,19 bilhões. Atualmente,
há 95,4 mil bolsistas no País e 8,7 mil no exterior. Também foram lançados 21
editais de cooperação internacional e mais R$ 80 milhões para pesquisas de
pós-graduação na Amazônia Legal, além de 1.800 bolsas que auxiliam no
desenvolvimento regional. Para 2020, o Ministério da Educação busca meios para
recompor o orçamento com outras ações orçamentárias. Nenhuma bolsa será cortada
e todos os programas da CAPES serão mantidos."
O CNPq, por sua vez, respondeu, também por meio de
nota:
"O êxodo dos pesquisadores brasileiros para
outros países é uma preocupação, que norteia uma série de iniciativas que o
CNPq tem fomentado para aperfeiçoar e ampliar mecanismos de fixação de nossos
profissionais da ciência e tecnologia. Dentro das limitações orçamentárias e
legais que se aplicam ao CNPq, a agência investe, por exemplo, em programas
que, em parceria tanto com instituições públicas quanto a iniciativa privada,
incentivam a realização de projetos de pesquisa científica, tecnológica e de
inovação dentro de empresas e indústrias.
O objetivo é, além de contribuir com a formação de
recursos humanos mais qualificados, garantir empregabilidade dos pesquisadores.
Importante ressaltar que em países como Japão, Coreia do Sul, Israel, EUA e
China, mais de 60% do total de seus pesquisadores estão alocados em empresas,
segundo dados de 2018 da OCDE. No Brasil, esse percentual é de apenas
18%."
Procurado pela BBC News Brasil, o MCTIC não
retornou a solicitação até a conclusão desta reportagem.
Medo do desemprego ou de interrupção das bolsas
© Arquivo Pessoal Geóloga formada na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Renata Leonhardt recebeu uma bolsa da
Universidade de Saskatchewan, uma das 15 melhores universidades do Canadá em
pesquisa
Bem mais jovem, com 23 anos e cursando um mestrado,
a geóloga Renata Leonhardt, formada na Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e com estágio em empresas do setor petrolífero, igualmente partiu do
Brasil em busca de melhores oportunidades e salários. Ela recebeu uma bolsa da
Universidade de Saskatchewan, uma das 15 melhores universidades do Canadá em
pesquisa.
O medo de ficar desempregada depois de formada foi
outro motivo que a levou a ir embora.
"Até pouco tempo antes de me formar, o setor de
óleo e gás ainda estava na expectativa de se recuperar da última crise",
diz Renata. "Mas depois, as oportunidades na minha área ficaram um tanto
escassas, mesmo para recém-formados que haviam estagiado anteriormente e
buscavam contratação, como era o meu caso."
O atual cenário político brasileiro também foi
levado em conta por Renata em sua decisão. "Ele não está muito favorável
para a ciência", explica. "Eu temia, por exemplo, ficar sem bolsa no
meio do curso — algo que era crucial para que eu continuasse a pesquisa."
Em agosto, o CNPq chegou a anunciar que havia risco
de não pagamento dos seus mais de 80 mil bolsistas a partir de outubro. Isso
não ocorreu, no entanto. O governo conseguiu cumprir o compromisso.
Essas também foram algumas das razões da bióloga
Bianca Ott Andrade, formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), para se
mudar para o exterior, no caso, Estados Unidos, onde faz pós-doutorado, na
Universidade do Nebraska-Lincoln.
"No Brasil, eu tinha uma bolsa de pesquisadora
de pós-doutorado, que ia se encerrar no final de 2019, mas havia grandes
chances de ficar desempregada", conta.
Além disso, contribuiu para a decisão de Bianca a
atuação do atual governo nas áreas de ciência e educação, com menos incentivo
ao ensino superior e a políticas ambientais.
"Eu trabalho com ciência e educação, é isso o
que eu amo, é o que eu sei fazer. Sinto que não tem espaço pra mim, pelo menos
não agora. Decidi dar um tempo para minha cabeça."
No caso de Gustavo Requena Santos, razões pessoais
e profissionais se somaram para que ele decidisse se mudar para o exterior.
"Sou casado com um americano e no final da
minha bolsa de pós-doutorado na USP, em meados de 2017, ele obteve uma oferta
de trabalho para voltar aos EUA e decidimos nos mudar", conta.
"Entretanto esta não foi a maior razão pela
qual saímos do Brasil. Foi uma oportunidade para mudarmos para um local com
melhores condições e perspectivas para o futuro."
Ele diz ainda que, como profissional, apesar de
quase 10 anos de experiência em pesquisa, se sentia desvalorizado, sem
benefícios ou vínculo empregatício. "O cenário ficou insustentável",
explica. "Por isso, resolvi me mudar."
Menos valor para a economia
Seja qual for o motivo de cada um para ir embora, o
certo é que o Brasil está perdendo jovens doutores, quando o número deles, em
qualquer idade, já é menor que a média internacional. De acordo com dados da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas 0,2%
da população brasileira possui doutorado, enquanto a média dos países
pertencentes à organização e de 1,1%.
Segundo dados do CNPq, o Brasil tem hoje 7,6
doutores por 100 mil habitantes, índice que está estabilizado.
"Esse número não é suficiente, haja vista que
países desenvolvidos têm um número muito superior", diz a bioquímica
Ângela Wise, da UFRGS, membro titular da Academia Mundial de Ciências e
secretária regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
no Rio Grande do Sul.
"Como é o caso do Japão, que é o país
desenvolvido com o menor número de doutores: 13 por 100 mil habitantes. O Reino
Unido, por sua vez, tem atualmente 41, enquanto Portugal, 39,7; Alemanha, 34,4;
e os Estados Unidos, mais de 20."
É muito pouco, segundo o engenheiro cartográfico
Antonio Maria Garcia Tommaselli, do campus de Presidente Prudente, da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), cujo grupo de pesquisa já perdeu três
doutores para instituições europeias.
"Para um país com uma economia complexa como a
do Brasil e que precisa agregar valor tecnológico aos seus produtos, em vez de
apenas exportar matérias-primas, o ideal seria dobrar ou triplicar o atual
número de doutores", diz.
Apesar de ver aspectos positivos na diáspora, no
cômputo geral, Tommaselli a considera prejudicial ao país.
"O lado positivo é que ela significa que
formamos cientistas de classe internacional", explica.
"O dramático é que estamos perdendo os
melhores pesquisadores e que nos substituiriam no futuro, levando consigo todo
o investimento feito com recursos públicos e o conhecimento altamente especializado
que eles detêm. Um erro estratégico que será sentido em alguns anos, com o
apagão científico em várias áreas", ressalva.
Mas não é só isso. "O mais grave é que o
governo atual não tem qualquer política para reter estes cientistas, ao
contrário, entende como remédio reduzir a formação de doutores", critica
Tommaselli.
"Encontramos o mesmo cenário em vários grupos
de pesquisa brasileiros de expressão internacional e as consequências futuras
serão muito ruins para a economia, que se baseia em conhecimento",
acrescenta.
Segundo Atlas, não haverá renovação do quadro de
pesquisadores e professores de nível superior.
"Ou, sendo menos pessimista, ela será aquém da
necessária", diz. "Haverá déficit de cientistas. E eles e os
educadores terão menos conhecimento. Seremos piores. Sem investimentos, sem
incentivos, será feita ciência de baixa qualidade, os avanços serão pífios.
Novas tecnologias não serão desenvolvidas, as já existentes não serão
aperfeiçoadas. Nos tornaremos ainda mais dependentes de outros países e de
multinacionais em termos de ciência, tecnologia e
cultura."
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