O que dizem os dois lados
do debate sobre cobrar mais impostos dos mais ricos
© Getty /BBC A eleição dos
presidencial dos EUA neste ano deve ter como um dos temas centrais proposta de
taxar grandes fortunas
Multimilionários como Jezz Bezos, Bill Gates e Mark Zuckerbeg se
tornaram símbolos de sucesso empresarial e empreendedorismo.
Mas para quem tem um olhar crítico sobre concentração de renda, as
fortunas gigantescas deles mostram que o capitalismo falha ao não distribuir a
riqueza de maneira mais equilibrada entre as populações.
Um quarto dos multimilionários do mundo vive nos Estados Unidos, segundo
relatório da Weatlh-X.
Quem defende impostos mais altos sobre riqueza argumenta que o número de
milionários nos EUA está crescendo enquanto 40 milhões de americanos dependem
de benefícios sociais para comprar comida.
Esse é um dos temas mais debatidos entre os pré-candidatos à eleição
presidencial dos EUA, marcada para novembro.
No Brasil, a ideia de taxar riqueza também foi discutida na eleição
presidencial de 2018, com dois candidatos apresentando como plataforma reduzir
impostos dos mais pobres e aumentar os que recaem sobre os mais ricos.
Ciro Gomes (PDT) defendeu aumentar impostos para os mais ricos,
recriando o Imposto de Renda sobre lucros e dividendos e alterando alíquotas do
imposto sobre herança e doações.
E Fernando Haddad (PT) propôs taxar os chamados "super-ricos",
pessoas que ganham entre 40 e 60 salários mínimos mensais, uma faixa de renda
que vai de R$ 41,5 mil a R$ 62,3 mil.
Já a equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro (sem partido desde
que deixou o PSL, pelo qual se elegeu) comentou no final do ano passado sobre a
possibilidade de tributar heranças que estão no exterior, mas não deu detalhes.
Nos EUA, os pré-candidatos democratas à Presidência Bernie Sanders e Elizabeth
Warren defendem criar um imposto sobre riqueza e usar esse dinheiro para gastos
sociais em saúde, educação e infraestrutura.
Opositores da medida temem que ela impacte negativamente o nível de
emprego e gere fuga de capitais do país.
© Getty Images Bill Gates, criador da
Microsoft, defende que os ricos paguem mais impostos
O que é imposto sobre riqueza?
Também chamado de imposto sobre o patrimônio, ele recai sobre todos os
ativos de uma pessoa, não apenas suas receitas.
Ou seja, é cobrado de ações na bolsa, iates, propriedades, joias e tudo
aquilo que integra a fortuna de alguém.
Na Europa, na década de 1990, 12 países utilizaram esse tipo de imposto.
Mas, atualmente, apenas quatro mantêm essa taxação: Noruega, Suíça, Espanha e
Bélgica.
E, na América Latina, três países cobram imposto sobre riqueza (que não
é o mesmo que tributos mais específicos, como imposto sobre herança e
propriedade): Uruguai, Argentina e Colômbia.
A BBC News reúne aqui a visão de dois especialistas com opiniões
completamente distintas sobre se um país deve ou não taxar riqueza.
Chris Edwards: 'Multimilionários são força que
alavanca bem-estar econômico'
(Diretor de Estudos de Políticas Tributárias do Instituto Cato, em
Washington D.C., EUA)
© Getty Images Chris Edwards, Diretor
de Estudos de Políticas Tributárias do Instituto Cato, é contra criar imposto
sobre riquezas ou aumentar a tributação para os mais ricos
BBC News — Qual a sua opinião sobre as propostas de imposto sobre
riqueza?
Edwards — Não creio que seja produtivo taxar as pessoas ricas ou os
multimilionários com um imposto sobre riqueza. Elas já pagam impostos altos.
Uma confusão que os políticos de esquerda fazem é pensar que os
americanos ricos têm suas riquezas em barras de ouro escondidas sob o colchão.
Se olharmos os dados, a maior parte dos ativos dessas pessoas são
investidos em negócios. Por exemplo, Jeff Bezos, da Amazon, gera crescimento
econômico ao criar milhares de emprego.
Criar um imposto sobre a fortuna dos ricos significa taxar negócios que
geram produção e postos de trabalho.
BBC News — Mas os impostos corporativos dos EUA são baixos, chegam
apenas a 21%...
Edwards — Isso não é pouco. Entre os países que integram a Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os impostos corporativos são, em
média, de 25%.
Nos Estados Unidos, além dos impostos federais, há os tributos estaduais
que somam cerca de 10%.
BBC News — Então, o senhor não concorda que taxar riqueza seja uma forma
de reduzir a desigualdade?
Edwards — A maior parte da riqueza nos EUA é gerada pela inovação de
multimilionários como Bezos e Gates, e por pessoas que criam novos negócios que
as tornam ricas, mas que também beneficiam a todos.
Esse não é o problema. O problema é a entrega de cargos a familiares e
amigos, não a riqueza gerada pelo mercado.
BBC News — Mas alguns multimilionários são favoráveis a criar um imposto
sobre riqueza, como o megainvestidor Warren Buffett...
Edwards — Eles estão equivocados. É preciso olhar para a experiência de outros
países. Nos anos 90, mais de uma dezena de países europeus que tinham imposto
sobre riqueza, como França, Suécia e outros, não têm mais esse tipo de tributo.
Os que eles descobriram é que os ricos transferiam suas fortunas a
outros países, escondiam ativos e faziam lobby para conseguir isenções.
BBC News — E como resolver, então, o problema da desigualdade?
Há certas brechas legais que podem ser eliminadas. Eu eliminaria as
isenções tributárias, mas não subiria as taxas cobradas em impostos.
Emmanuel Sáez: O imposto sobre riqueza é uma
poderosa ferramenta para diminuir a desigualdade
(Professor de Economia da Universidade da Califórnia, Berkeley, e
integrante da equipe que assessora a pré-candidata à Presidência dos EUA
Elizabeth Warren)
© Getty Images Sáez argumenta que
criar imposto sobre riqueza e taxar mais os multimilionários são medidas
necessárias para reduzir a desigualdade social
BBC News — O imposto sobre riqueza foi descartado há vários anos na
França porque não foi arrecadado o dinheiro que se esperava. Além disso, os
franceses mais ricos transferiram seus recursos para outros países para escapar
da tributação. Se esse imposto não funcionou na França, porque funcionaria nos
EUA?
Sáez — Na Europa, foi fácil fugir do imposto sobre riqueza, simplesmente
transferindo o dinheiro para outro países.
Um parisiense rico que se mudou para Londres não precisou pagar esse
tributo. Mas, nos Estados Unidos, há um sistema diferente, baseado na
nacionalidade. Se você é americano, tem que pagar imposto nos EUA
independentemente de onde vive.
Por outro lado, na Europa isso não existe e era fácil colocar o dinheiro
em contas no exterior, como em bancos suíços, e não pagar imposto sobre
riqueza. E as autoridades francesas não tinham poder para forçar a Suíça a
entregar essa informação financeira.
Já nos EUA, há regulações em vigor que forçam qualquer instituição
financeira no exterior a informar às autoridades americanas sobre transações de
seus cidadãos.
BBC News — É mais difícil esconder dinheiro hoje em dia?
Sim.
BBC News — Mas, com as revelações do escândalo Panama Papers, ficou
evidente há muitas brechas legais que permitem ocultar fortunas.
Sáez — A questão dos paraísos fiscais não foi solucionada. Na Europa, há um
nível de elisão fiscal muito significativo, mas isso está mudando. Pelo menos
para os americanos é mais difícil abrir contas no exterior, porque isso expõe
os bancos a pagar multas muito altas se não cumprirem a lei dos EUA.
A questão é que, se houver boas regulações, é possível lutar contra a
elisão fiscal e a evasão de divisas de maneira efetiva.
© Getty Images A possibilidade de
criar um imposto sobre riqueza está sendo discutida nos Estados Unidos, por
pré-candidatos à Presidência da República
BBC News — No Reino Unido, alguns políticos dizem que os
multimilionários não deveriam existir. Essa mesma ideia está surgindo nos EUA?
Sáez — É possível enxergar isso de duas maneiras. Primeiro, os multimilionários
deveriam pagar, pelo menos, o mesmo que o restante da população em relação às
suas receitas. Isso não acontece na prática, porque eles driblam os impostos
sobre as receitas, fazendo crescer sua fortuna dentro da empresa.
E os impostos corporativos têm sido reduzidos significativamente com a
reforma do presidente Donald Trump. O imposto sobre a riqueza é a ferramenta
mais poderosa para restaurar a progressividade impositiva e para aumentar a
cobrança tributária dos que estão no topo.
BBC News — Mas isso não vai contra o a ideia do 'sonho americano'?
Saéz - Isso é verdade desde a época de Ronald Reagan, mas a maioria das
pessoas se esquece de que um sistema de tributação progressivo é uma invenção
dos Estados Unidos.
BBC News — Progressivo significa que os ricos pagam mais,
proporcionalmente, que os que têm menos recursos?
Sáez — Correto. Desde o experimento econômico de Ronald Reagan em 1980, temos
visto um aumento da desigualdade. O crescimento econômico não alcança os 50% da
população que têm menos recursos. Por isso, não seria surpreendente que, nos
próximos anos, os Estados Unidos vivam uma revolução impositiva.
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