Backer contesta laudo e também fará análises
Flávia Ayer
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Ramon Lisboa/EM/D.a press O advogado da Backer, Estêvão Nejm, a diretora Paula
Lebbos e o mestre cervejeiro Sandro Duarte alegaram que falta contraprova aos
exames apresentados pela Polícia Civil
Oito regiões, inclusive fora de Minas Gerais,
receberam o lote da cerveja Belorizontina em que a Polícia Civil constatou a
presença da substância tóxica dietilenoglicol. No estado, as 33 mil garrafas
foram distribuídas para Belo Horizonte e municípios da região metropolitana,
Tiradentes, na Zona da Mata, Ouro Preto, na Região Central, e para o
Centro-Oeste de Minas. A bebida, produzida pela cervejaria Backer, também
chegou aos estados de São Paulo e Espírito Santo, além de Brasília (DF). Já são
10 os casos suspeitos de pacientes intoxicados pela substância, sendo que em
três deles houve a confirmação do agente químico em exames de sangue.
Em coletiva de imprensa, a diretoria da Backer
contestou o laudo da Polícia Civil (PC) e afirmou que o dietilenoglicol não é
usado em seu processo produtivo. No fim da tarde de ontem, o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) determinou a interdição preventiva
da fábrica. A empresa informou que a indústria seria fechada hoje para a
inspeção dos tanques e maquinário da empresa por parceiros. A cervejaria também
vai enviar amostras da cerveja Belorizontina para análise laboratorial.
“É importante informar que essas 33 mil garrafas de
cerveja foram para várias regiões e somente ali no Bairro Buritis estão
acontecendo esses casos. É importante a gente entender isso. A gente quer
respostas também, quer analisar e quer que o cliente Backer tenha respostas”,
afirmou a diretora de marketing da Backer, Paula Lebbos, uma das proprietárias
da cervejaria.
Oito dos casos conhecidos de pacientes com quadro
clínico compatível com a contaminação por dietilenoglicol – problemas
gastrointestinais, insuficiência renal aguda, alterações neurológicas, perda da
visão parcial ou totalmente, entre outros – moram ou passaram pelo Bairro
Buritis, na Região Oeste de BH. Não há, entretanto, conhecimento ainda sobre a origem
de outras duas notificações informadas ontem pela Secretaria de Estado de Saúde
(SES), que confirmou a presença do agente químico em três dos 10 pacientes sob
investigação.
Mestre cervejeiro da Backer, Sandro Duarte reiterou
que a substância dietilenoglicol não faz parte do processo produtivo da
empresa, cuja planta com capacidade para 300 mil litros está instalada no
Bairro Olhos D'água. Segundo ele, o líquido usado para a refrigeração dos
tanques de fermentação da Backer é composto por outro tipo de substância, o
monoetilenoglicol. “Esse em questão não tem na fábrica e nem utilizamos. A
gente usa o monoetilenoglicol. Ele tem uma toxicidade bem menor”, afirma
Duarte.
Ele reitera que não há contato entre o líquido para
resfriar a cerveja, uma das etapas da produção, e os 60 tanques da cervejaria,
que também são usados na fabricação de outros rótulos, e não somente a
Belorizontina. “É um caso raro, se é que aconteceu. Não se tem notícia de uma
eventual contaminação de líquido refrigerante com cervejaria. É um líquido que
corre na parte externa do tanque”, detalhou. Questionada sobre a hipótese de
uma “sabotagem”, como tem circulado em redes sociais, a diretora da Backer,
Paula Lebbos, respondeu que “nesse momento em não acredito em nada e acredito
em tudo”.
PRELIMINAR O advogado da cervejaria Backer, Estêvão
Nejm, contestou o laudo da PC que indicou a presença do dietilenoglicol em duas
garrafas da Belorizontina. “Não existe laudo técnico que ateste a presença do
agente químico. O documento enviado pela PC é uma análise preliminar que não
foi submetida a uma conclusão, sem uma contraprova. Ele negou ainda haver
notificação do Ministério da Agricultura para interditar a fábrica e que
fiscais do órgão federal foram à indústria para “fazer diligências e análises”.
Primeira cervejaria artesanal mineira, a Backer foi
criada pelos irmãos Lobbo em 1999 aos pés da Serra do Curral, em Belo
Horizonte. A fábrica conta com cerca de 350 funcionários. Com 20 rótulos,
vários deles premiados internacionalmente, a Backer lançou a Belorizontina para
homenagear os 120 anos da capital mineira, em 2017. A cerveja, que teria uma
edição limitada, fez sucesso e continuou a ser produzida pela marca.
Socorro rápido pode
barrar estragos
Márcia
Maria Cruz
A intoxicação com composto orgânico apontado como a
causa da sídrome nefroneural que já acometeu 10 pacientes e levou um deles, de
55 anos, à morte pode ser evitada se ministrado antídoto nas primeiras 48 horas
após a ingestão. O dietilenoglicol é apontado como causa de envenenamentos em
países de inverno mais rigoroso. “A substância é usada para baixar a
temperatura de congelamento e impede que radiador e bateria entrem em estado de
congelamento”, diz o nefrologista Vinícius Sardão Colores, membro da diretoria
da Sociedade Mineira de Nefrologia.
De acordo com a quantidade, a ingestão pode levar à
morte, conforme alertam os professores de química da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) Bruno Gonçalves Botelho e Cláudio Luís Donnici. A
intoxicação com o dietilenoglicol pode evoluir para três fases: comprometimento
gastrointestinal, nefrológica e complicações neurológicas.
Quando ingerido, o composto orgânico é absorvido
pelo trato intestinal. Depois de 48 horas, o paciente inicia quadro de
insuficiência renal, o rim para de funcionar. Quando aparecem esses primeiros
sinais, a pessoa contaminada costuma procurar os serviços médicos. “Em geral, o
paciente dá entrada com insuficiência renal, com exames alterados ou por parar
de urinar.”
No período de sete a 10 dias, o paciente pode
apresentar problemas no quadro neurológico, com a paralisia dos pares
cranianos, que fazem toda a musculatura da face funcionar (músculos dos óculos
e da boca). O quadro pode evoluir para paralisia dos músculos do pescoço para
baixo, como se fosse uma tetraplegia. Esses metabólicos tóxicos se acumulam e
lesionam os órgãos.
Nas primeiras 48 horas, o nefrologista explica que
pode ser ministrado um antídoto, com a aplicação intravenosa de álcool etílico.
No entanto, o procedimento não deve ser feito sem acompanhamento médico. “É um
tratamento muito raro. No Brasil, não temos histórico desse tipo de
intoxicação. É mais comum ocorrer em países frios.”
O comprometimento neurológico pode não ter
reversibilidade. “Para a parte neurológica se recuperar, é preciso fisioterapia
e tratamento de suporte no período de oito a 14 semanas até o paciente esboçar
melhora. O composto orgânico atinge o neurônio, levando lesão da mielina
(bainha de mielina). “Quando há perda dessa substância de condução nervosa, o
nervo começa a não funcionar. Não é uma limitação muscular. O que ocorre é o
nervo, que não consegue levar o estímulo”, diz.
QUANTIDADE LETAL Dietilenoglicol, cujo nome oficial
é 3-Oxa-1,5-pentanediol, é um líquido, viscoso, incolor, inodoro e tóxico muito
usado como componente em vários produtos químicos e tem sido responsável por
diversas epidemias de envenenamento.
O análogo mais simples o etilenoglicol é comumente
usado como anticongelante, e o derivado mais complexo o dietilenoglicol pode
estar presente como subproduto na produção do etilenoglicol. A dose tóxica
mínima é estimada do dietilenoglicol de 0,14 miligrama por quilo de peso
corporal e a dose letal está entre 1 e 1,63 grama por quilo de peso corporal.
A ingestão de grandes quantidades tanto de
etilenoglicol quanto de dietilenoglicol pode ser fatal. De acordo com o
professor Claudio Donnici, a dose letal é de 786 miligramas de etilenoglicol
por quilo e de 1,0 a 1,63 mg/Kg de dietilenoglicol para humanos. "Isso
significa que uma pessoa de 80 quilos tem que ingerir 80 gramas para ser fatal.
A quantidade é muito alta", argumenta. Mas temos que lembrar que o
dietilenoglicol é metabolizado no fígado gerando outros compostos como
2-hidroxietoxi-acetaldeido e ácido 2-hidróxi-acético", afirma.
Em 1985, em Viena, na Áustria, foi reportado um
caso de vinho contaminado com altas doses de dietilenoglicol, o que levou o
governo austríaco na época a retirar milhões de garrafa da bebida do comércio.
Esse caso foi bem divulgado nos Estados Unidos pelo jornal The New York Times.
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