‘Megaleilão’ do pré-sal pode inaugurar ‘era de ouro’ do petróleo
brasileiro
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Getty Images Na maioria dos leilões, o vencedor ganha o direito de explorar uma
área em que há reservatórios, mas sem a certeza de que de fato encontrará
petróleo; um fato inédito da disputa desta quarta é que já se conhecem as
reservas
Além
da expectativa de arrecadar o valor recorde de R$ 106,5 bilhões, o megaleilão
do petróleo do pré-sal, nesta quarta-feira (6/11), traz outra característica
inédita em ofertas de investimento na indústria de óleo e gás no país: a
garantia, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a Petrobras, de que há
nessa área reservas de bilhões de barris de petróleo, prontos para serem
extraídos, sem necessidade de prospecção.
Na
maioria dos leilões, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, o
vencedor ganha o direito de explorar uma área em que há reservatórios, mas sem
a certeza de que de fato encontrará petróleo.
Esse
é o chamado risco exploratório — as chances de não encontrar óleo na jazida que
estiver explorando, ou de encontrar tão pouco que a produção comercial se torna
inviável. Segundo as estimativas do setor, o mais comum é não dar certo: em
cada 100 poços perfurados, 85 dão em nada, uma taxa de sucesso de 15%.
O
megaleilão do pré-sal da Bacia de Santos, porém, contraria a lógica do setor,
de alto risco ao arrematar uma área. Isso porque a Petrobras já vem
desenvolvendo a estrutura de exploração nessa mesma região de pré-sal desde
2010, e sabe-se que há muito petróleo a ser extraído.
A
estimativa da ANP é de que existam entre 6 bilhões e 15 bilhões de barris nos
quatro campos que agora entram em oferta. Em um ponto contíguo a um dos campos
que vão a leilão, o de Búzios, por exemplo, a Petrobras produz 300 mil barris
por dia (que costuma ficar entre os cinco mais produtivos do país, segundo a
ANP).
O
leilão desta quarta é do tipo chamado de "excedente de cessão
onerosa" e está relacionado ao início da exploração pela Petrobras nessa
área do pré-sal. Em 2010, a estatal recebeu do governo a autorização para
explorar até 5 bilhões de barris nas recém-descobertas jazidas.
Descobriu-se
depois, no entanto, que os reservatórios podem chegar a três vezes essa
quantidade — reservas, porém, que a estatal não tinha autorização para extrair.
É esse excedente, que pode chegar a 10 bilhões de barris de petróleo nas contas
da ANP, que vai a leilão nesta quarta-feira.
Doze
empresas, entre elas a própria Petrobras, disputarão o direito de exploração
dos reservatórios.
Uma 'era de ouro' do petróleo nacional?
Pela
rapidez com que o petróleo poderá ser extraído, já que os campos são
conhecidos, e pela elevada quantidade de reservas, especialistas no setor
energético ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o megaleilão desta quarta
pode representar o início de uma "era de ouro" para a indústria do
petróleo no país.
"A
exploração do pré-sal já vinha se desenvolvendo rapidamente nos últimos dez
anos, com a descoberta de vários dos chamados 'campos gigantes', aqueles que
têm potencial de exploração de mais de 1 bilhão de barris. As áreas que vão a
leilão agora são desse tipo", diz o economista Edmar Fagundes de Almeida,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em mercado
internacional do petróleo.
Como
as empresas não vão precisar desenvolver estudos sísmicos e de exploração, já
realizados pela Petrobras, o impacto na produção e na economia deve ser mais
rápido após essa rodada de investimento do que de costume, apontam os
especialistas.
"Na
maioria dos leilões, uma empresa ganha o direito de explorar e fica cinco, seis
anos furando poços exploratórios e, na maioria das vezes, não acha nada. São os
leilões em regime de concessão. Já esse leilão é de um tipo chamado 'cessão
onerosa', inédito no país, em que a empresa paga e sabe que vai encontrar o
óleo", explica o professor do Instituto de Economia da UFRJ Helder Queiroz
Pinto Junior, especialista em financiamento e regulamentação do setor
energético.
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Getty Images Como as empresas não vão precisar desenvolver estudos sísmicos e
de exploração, já realizados pela Petrobras nas áreas do 'megaleilão', o
impacto na economia deve ser mais rápido do que de costume, dizem especialistas
"Como
nesse caso as empresas poderão começar a produzir petróleo imediatamente, a
expectativa é que haja um aumento de produção significativo já nos próximos
anos", complementa Queiroz. "Isso é bom para a economia brasileira,
por representar mais investimento, mais emprego e mais arrecadação fiscal, por
meio dos royalties."
Hoje,
o país produz 2,9 milhões de barris de petróleo por dia, segundo a ANP — uma
trajetória que voltou a crescer depois de cinco anos de estagnação.
Caso
os quatro blocos do pré-sal sejam de fato arrematados nesta quarta e comecem
logo a produzir, a previsão da ANP é adicionar à produção mais 1,2 milhão de
barris diários. Ou seja, um aumento de 44% na produção nacional, considerando
apenas os reservatórios agora colocados à venda.
Como esse dinheiro vai ajudar no cenário de crise
do país?
A
divisão dos valores que serão arrecadados foi definida pelo Congresso Nacional
em setembro. A Petrobras terá a receber R$ 34,6 bilhões, um valor acertado na
revisão do contrato de exploração da área — o objetivo é que haja segurança
jurídica no leilão desta quarta.
Segundo
a lei que definiu as regras de partilha, o restante será dividido entre União
(em torno de R$ 48 bilhões), Estados (15% do total) e municípios (15%), além de
3% (cerca de R$ 2 bilhões) para o Estado do Rio de Janeiro, onde estão
localizadas as jazidas.
O
valor destinado às prefeituras e governos estaduais alivia as dívidas, mas não
é suficiente para quitá-las. Se todos os blocos forem arrematados nesta quarta,
o valor recebido pelos Estados será de R$ 10,8 bilhões, e o mesmo valor vai
para os municípios, a serem divididos segundo critérios do Tesouro Nacional.
No
entanto, somente o déficit com a previdência de servidores nos Estados
brasileiros foi de R$ 101 bilhões em 2018, segundo cálculos do governo federal.
Já nas cidades, a dívida previdenciária chega a R$ 48 bilhões, segundo cálculo
da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Nos dois casos, o valor da
dívida supera em várias vezes o que será recebido caso o leilão do pré-sal seja
bem-sucedido.
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AFP Pré-sal tem esse nome porque está, literalmente, embaixo de grandes rochas
de sal, em águas profundas
"Como
há um déficit enorme, essa entrada potencialmente rápida de recursos é
fundamental para aliviar a grave situação fiscal do setor público, que, do
ponto de vista macroeconômico, é o principal problema do país", diz o
economista Helder Queiroz. "Esse recurso se tornou indispensável,
sobretudo para fechar com o vermelho não tão forte as contas deste ano."
Para os
especialistas, a aplicação do dinheiro proveniente do pré-sal é
"decepcionante". "Basta ver o volume de recursos que o Estado do
Rio recebeu, e a crise em que se encontra. Os municípios do norte fluminense,
por exemplo, nos últimos 20 anos receberam volumes muito significativos",
afirmou Queiroz.
"É
inaceitável você ainda ter problemas de saneamento básico, por exemplo, nesses
lugares. Então, se do ponto de vista da arrecadação os sinais sempre foram
bons, a gente ainda precisa dar um salto, uma melhoria da qualidade da
utilização desses recursos daqui pra frente", complementa o economista
Edmar Fagundes, da UFRJ. Um exemplo desse desequilíbrio é Maricá (RJ), cidade
que mais recebe royalties de petróleo no Estado do Rio (um valor que chegou a
R$ 1 bilhão em 2018), e onde apenas 4,9% das casas estão ligadas à rede de
esgoto.
Em
relação ao atual leilão do pré-sal, segundo os critérios estabelecidos pelo
Congresso, os municípios só poderão usar o dinheiro que vier a entrar para dois
fins: despesas com Previdência e investimentos.
O
dinheiro será transferido para uma conta específica, criada pelo Tesouro
Nacional para cada município, apenas para receber os recursos deste leilão.
"Consideramos uma medida importante para transparência e controle dos
gastos e fiscalização, por parte do Tribunal de Contas da União", afirma o
presidente da CNM, Glademir Aroldi.
"Será
um alívio importante para esse problema fiscal, mas como se vê, a conta não
fecha. É uma mostra de que a economia brasileira, que é enorme, não pode de
forma alguma depender apenas do petróleo", diz o economista Fagundes, da
UFRJ.
O leilão mais valioso da indústria de petróleo brasileira
Como
não há o chamado risco exploratório nos campos que serão negociados no leilão
desta quarta-feira, o governo definiu um valor alto a ser pago pelas empresas
vencedoras — são os R$ 106,5 bilhões do chamado "bônus de
assinatura", que terão de ser pagos até 27 de novembro.
Se
todos os quatro campos forem arrematados como o governo espera, esse valor será
o maior já levantado pela indústria de óleo e gás brasileira. No último leilão
de blocos do pré-sal, realizado em 10 de outubro, por exemplo, o valor
arrecadado, e já anunciado como recorde, foi muito menor, de R$ 8,9 bilhões.
Como
compensação para seus investimentos nessa região do pré-sal desde 2010, a
Petrobras pede um ressarcimento de R$ 45 bilhões para os vencedores (ou R$ 34
bilhões, segundo o Tribunal de Contas da União).
"Essa
é uma negociação que será feita posteriormente. Embora não haja o risco
exploratório, o consórcio vencedor terá de negociar com a Petrobras esse valor,
além de pagar o bônus por assinatura. Esse é o risco que o negócio
embute", diz Adriano Pires, sócio-diretor do Centro Brasileiro de
Infraestrutura (CBIE), que acompanha o leilão.
"Mas
é um risco de outra natureza e mais baixo do que a maior parte dos negócios
dessa área", complementa Pires, que diz que o leilão desta quarta é
"único no mundo", pela alta quantidade de reservas oferecidas e por
não haver chances de a perfuração dar em nada.
© Ueslei Marcelino/ Reuters
De acordo
com as regras do leilão, para cada bloco foi fixado um volume mínimo de óleo a
ser destinado ao governo — vence a empresa ou consórcio que oferecer o maior
percentual da futura produção.
A
expectativa do governo é que todos os quatro campos sejam arrematados nos valores
esperados, e o negócio chegue à casa dos R$ 100 bilhões.
Os
especialistas afirmam, porém, que existe o receio de que dois dos campos fiquem
sem proposta, o de Sépia (bônus de assinatura de R$ 22,8 bilhões) e o de Atapu
(R$ 13,7 bilhões) — isso porque a Petrobras declarou preferência para os campos
de Itapu (R$ 1,8 bilhão) e para o mais valioso, Búzios (R$ 68,1 bilhões), mas
não em relação aos outros dois. Como, para analistas, existe a possibilidade de
nenhum grupo estrangeiro encabeçar um consórcio, há chances de esses dois
campos restantes não atraírem interessados.
A
incerteza em relação a esses campos aumentou na semana passada, quando duas
empresas desistiram de participar do leilão.
"A
estratégia da Petrobras de 'entrar para ganhar', como disse o presidente da
estatal, vem sendo considerada agressiva pelas outras petroleiras, que estão
mais cautelosas", avaliou Edmar Fagundes, da UFRJ.
"Um
bom cenário seria muitos lances para os quatro campos, e o valor máximo pago ao
governo. Um cenário não tão bom seria vender à própria Petrobras só os dois
blocos aos quais ela já declarou preferência, pois, nesse caso, não haveria
estímulo à concorrência", diz.
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