Amazônia, discurso na ONU, lealdade a Trump: Os riscos da política
externa de Bolsonaro
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Alan Santos/PR Da reaproximação com parceiros poderosos, à possibilidade de
isolamento do Brasil no cenário internacional, as escolhas do presidente trazem
riscos e oportunidades para o nosso país
O governo Bolsonaro tem buscado mudanças profundas
na forma como o Brasil se relaciona com o mundo. São guinadas na política
externa que geram oportunidades, mas também riscos.
Entre as mudanças está o alinhamento quase
automático com o governo Donald Trump, a interferência, por meio de críticas
contundentes a candidatos, nos processos eleitorais de países vizinhos, o tom
agressivo em organismos internacionais, e o abandono da neutralidade em
conflitos externos, como nas disputas territoriais entre Israel e palestinos.
O discurso do presidente brasileiro na Assembleia
das Nações Unidas, na semana passada, fugiu da diplomacia tradicional
brasileira e confirmou algumas das posições que Bolsonaro tem defendido junto à
sua base eleitoral: forte oposição do governo brasileiro ao regime de Nicolás
Maduro na Venezuela, a Cuba e ao que ele chama de ameaça do socialismo; reforço
da política ambiental baseada na ampliação de atividades econômicas na
Amazônia, e ataques à imprensa nacional e estrangeira.
A conduta do presidente no cenário internacional
trouxe algumas vantagens ao Brasil, como a decisão do presidente Donald Trump
de tornar o nosso país oficialmente um aliado estratégico extra-Otan
(Organização do Tratado do Atlântico Norte) -isso significa que o Brasil terá
vantagens de acesso a tecnologia militar americana -; a promessa de Trump de
interceder junto à OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico) em favor da candidatura do Brasil e a assinatura do acordo comercial
entre o Mercosul e a União Europeia cuja negociação se arrastava por mais de 10
anos.
Mas, como é comum em negociações deste tipo, os
ganhos obtidos até agora não foram gratuitos - houve contrapartidas
controversas. E, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, as apostas
na política externa também geram riscos no médio e longo prazo, como os
listados a seguir:
- Possibilidade de isolamento do Brasil, caso
governos aliados caiam
- Resistência da União Europeia em aprovar o acordo
comercial do Mercosul
- Restrições dos europeus à entrada do Brasil na
OCDE
- Potenciais boicotes a produtos brasileiros
O risco de colocar
'todas as fichas' no político A
Desde que tomou posse, Bolsonaro tem investido em
se aproximar de Donald Trump, num comportamento que especialistas em relações
exteriores dizem caracterizar um "alinhamento automático", quando uma
nação passa a apoiar a outra em todas as questões de conflito internacional.
O presidente também tem fortalecido a aliança com
outros governos e líderes conservadores ou nacionalistas. Alguns exemplos são
Benjamin Netanyahu, em Israel, Viktor Orban, na Hungria, e Matteo Salvini, na
Itália.
Fugindo da tradição de neutralidade, Bolsonaro tem
ainda opinado diretamente no processo eleitoral da Argentina, defendendo a
candidatura de Mauricio Macri e fazendo críticas pesadas ao adversário dele,
Alberto Fernandez, que tem a ex-presidente Cristina Kirchner como vice na
chapa.
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Augustin Marcarian/Reuters Criticado por Bolsonaro, o peronista Alberto Fernandez
está na dianteira da disputa presidencial da Argentina
Mais de uma vez, o presidente brasileiro disse que
a Argentina poderá se tornar "uma Venezuela" se Fernandez vencer.
"Olhem o que está acontecendo na Argentina
agora. A Argentina está mergulhando no caos. A Argentina começa a trilhar o
rumo da Venezuela, porque nas primárias bandidos de esquerda começaram a voltar
ao poder", afirmou Bolsonaro em agosto, durante evento no Piauí.
O risco dessa nova estratégia de política externa
brasileira é o Brasil apostar fichas demais em governos que podem,
eventualmente, cair ou simplesmente não se reeleger, aponta o professor de
Relações Internacionais Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, no Reino
Unido.
A relação acaba sendo menos pragmática e mais
pautada na identificação ideológica com líderes estrangeiros. Ou seja, deixa de
ser uma relação entre Estados, para se tornar uma relação entre líderes.
"É uma política arriscada, porque pode levar a
um isolamento do Brasil. O governo está apostando muito numa aliança bilateral
com os Estados Unidos e é uma aliança que pode não ter futuro, a depender do
resultado das eleições no ano que vem", disse Vieira à BBC News Brasil.
Trump vai tentar a reeleição em novembro de 2020.
Mas, antes disso, terá que enfrentar a maior crise desde que se elegeu
presidente em 2016. Ele virou alvo de um processo de impeachment por ter pedido
ao presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que investigasse o filho do
Democrata Joe Biden, potencial adversário do presidente americano na eleição do
ano que vem.
Ou seja, se Trump é afastado do cargo ou não se
reelege, os benefícios que o Brasil esperava obter com essa proximidade com
Estados Unidos podem não chegar a se concretizar.
Bolsonaro tenta emplacar o filho,
Eduardo Bolsonaro, como embaixador do Brasil nos EUA. O principal argumento
usado foi a boa relação de Eduardo com Trump. Mas o presidente americano é alvo
de um processo de impeachment e haverá nova eleição presidencial nos EUA em
novembro de 2020
Vale lembrar que o Partido Demcrata, de oposição a
Trump tem tido postura crítica ao governo Bolsonaro. Um dia depois do discurso
de Bolsonaro na ONU, um grupo de 16 parlamentares apresentou uma resolução à
Câmara dos Representantes para cancelar a designação do Brasil como aliado
preferencial extra-Otan e suspender todo o apoio militar e policial oferecido
pelos EUA ao governo brasileiro.
Se os democratas ganharem a eleição americana em
2020, a relação do Brasil com os Estados Unidos pode mudar radicalmente.
Outros aliados do governo Bolsonaro também perderam
poder nos últimos meses. O partido de Netanyahu, o Likud, deixou de possuir o
maior número de cadeiras no parlamento israelense: obteve 31 cadeiras, enquanto
a coalizão Azul e Branca, liderada por Benny Gantz, conseguiu 33 dos 120
assentos, tornando-se a maior força no Legislativo.
Netanyahu tenta se manter como primeiro-ministro,
apesar de já não ser o líder do partido mais votado. Mas, para isso, precisa
conseguir o apoio de outros partidos ou da Aliança Azul e Branca para formar um
governo de união.
Já o líder de ultra-direita Matteo Salvini, que já
foi elogiado várias vezes por membros do governo brasileiro, perdeu posto de
ministro do Interior da Itália depois que seu plano de se tornar primeiro-ministro
por meio de uma eleição geral antecipada fracassou.
Ele rompeu a aliança de seu partido, a Liga, com o
populista Movimento Cinco Estrelas, o que derrubaria o governo do
primeiro-minsitro Giuseppe Conte e forçaria a realização de um novo pleito.
Mas foi surpreendido pela decisão do Cinco Estrelas
de se aliar ao Partido Democrático, de centro-esquerda. Com isso, Giuseppe
Conte permaneceu no poder e Salvini perdeu a oportunidade de se candidatar,
além de ser forçado a deixar o posto de ministro.
Bolsonaro apostou na relação pessoal
com líderes conservadores e nacionalistas, mas alguns deles perderam poder e
outros podem não ser reeleitos, o que pode mudar radicalmente os laços do
Brasil com essas nações
Na Argentina, o peronista Alberto Fernandez, que
tem sido duramente criticado pelo presidente brasileiro, está na dianteira da
corrida presidencial com Mauricio Macri, aliado de Bolsonaro.
"O Brasil pode perder aliados importantes,
como a Argentina, se mantivermos a política de atacar e insultar o provável
governo que vai assumir no lugar do Macri", ressalta o professor de
Relações Internacionais Marco Vieira.
Mas as opções de alianças feitas por Bolsonaro
também produziram benefícios, como o apoio dos Estados Unidos para a entrada do
Brasil na OCDE, organização que formula políticas públicas e que conta com a
participação de algumas das maiores economias do mundo.
O processo ainda não foi concluído, mas fazer parte
desse clube de países considerados mais desenvolvidos funciona como uma espécie
de selo de qualidade e pode atrair investidores para o Brasil.
Em algumas ocasiões, também foram aventados riscos
nas estratégias de política externa de Bolsonaro que acabaram por não se
concretizar.
Havia grande preocupação de que a proximidade de
Bolsonaro com os Estados Unidos e com Israel afastasse o Brasil de alguns de
seus principais parceiros comerciais, especialmente China e países árabes.
Preocupação de que a relação do Brasil
com os EUA pudesse afetar o comércio com a China não se concretizou, diz
Christopher Garman, da consultoria Eurasia
Mas, segundo Christopher Garman, diretor da
consultoria internacional Eurasia Group, isso não aconteceu— pelo menos por
enquanto.
"Era uma preocupação que a gente tinha que a
postura antichinesa pudesse contaminar a relação bilateral, mas não é isso que
está acontecendo", disse Garman à BBC News Brasil.
"Temos uma retórica muito forte, belicosa,
polarizante. Mas a política externa está sendo conduzida pelo lado mais
pragmático, tanto com a China quanto na maneira de negociar acordos de livre
comércio."
Acordo do Mercosul
com a União Europeia
Os analistas entrevistados pela BBC News Brasil
concordam na avaliação de que o acordo de comércio do Mercosul com a União
Europeia pode ser o primeiro a sofrer concretamente com os efeitos colaterais
da atual política externa brasileira.
O acordo, que ainda precisa ser ratificado pelos
parlamentos de todos os países envolvidos, foi anunciado durante a reunião do
G20 em junho, no Japão, como uma das grandes vitórias do governo Bolsonaro.
A expectativa é que ele gere um aumento de US$ 87
bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 15 anos, segundo
estimativas do Ministério da Economia.
No entanto, desde a cúpula do G20, a relação entre
Brasil e Europa estremeceu muito. A situação se complicou quando os incêndios
na Amazônia ganharam a atenção do mundo.
Bolsonaro e o presidente francês, Emmanuel Macron,
se envolveram numa séria troca de ofensas por causa desse episódio. Macron
cobrou do governo brasileiro providências na proteção da Amazônia, levou o
assunto para ser debatido no G7, sem a participação do Brasil, e sugeriu que a
floresta é patrimônio de todos.
Para Marco Vieira, da Universidade de
Birmingham, discurso de Bolsonaro na ONU dá fôlego à 'ala francesa', que seria
mais 'radical' que a alemã nas suas posições contra o Brasil
Bolsonaro rebateu acusando Macron de usar a
Amazônia para proveito político próprio. Dali em diante, as trocas de farpas
desandaram para o ataque pessoal, especialmente depois de o presidente
brasileiro endossar um comentário machista feito no Facebook sobre a primeira-dama
francesa, Brigitte Macron.
Também gerou repercussão internacional negativa,
especialmente na Europa, o fato de Bolsonaro ter inicialmente culpado
organizações não-governamentais pelos incêndios na Amazônia.
Havia uma expectativa de que, em seu discurso de
abertura da Assembleia Geral da ONU, o presidente tentaria aplacar os ânimos,
apresentando dados que demonstrassem o compromisso do governo no combate ao
fogo e na proteção da floresta.
"O que eu esperava que ele pudesse fazer é
tentar desmontar parte dos argumentos, chamar atenção para as ações positivas,
o compromisso do governo com a biodiversidade e contra o desmatamento",
diz Christopher Garman, da Eurasia Group.
Em vez disso, Bolsonaro disse que o Brasil estava
sendo alvo de "ataques sensacionalistas" da mídia internacional e fez
referência indireta à França e à Alemanha, dizendo que "um ou outro país,
em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma
desrespeitosa, com espírito colonialista".
Houve uma expectativa frustrada de que
Bolsonaro usasse o discurso na ONU para apresentar dados positivos de combate
aos incêndios na Amazônia
"Ele focou na questão do ataque à soberania do
Brasil. Então, externamente, não se passou a visão de que esse é um governo
comprometido com o combate ao desmatamento", avalia Garman.
Vários países europeus estão agora usando a questão
ambiental para tentar derrubar o acordo comercial com o Mercosul, que ainda
precisa ser ratificado pelos parlamentos.
O parlamento da Áustria, por exemplo, aprovou uma
moção contra o texto e parlamentares franceses, irlandeses e alemães já
manifestaram a intenção de rejeitar o acordo.
"Obviamente existem interesses outros. A
França, por exemplo, sofre uma pressão muito grande doméstica do setor
agrícola, que não vê o acordo com bons olhos. Mas a posição de Bolsonaro sobre
meio ambiente permite que essa questão seja usada a favor desses
interesses", diz Marco Vieira, da Universidade de Birmingham.
"Macron vai criar uma imagem na França de
liderança na área ambiental para fragilizar o acordo."
Perda de privilégios
na OMC
Outro aspecto da política externa brasileira
afetada pela guinada nas estratégias internacionais do governo é o comercial.
Como já foi mencionado nesta reportagem, a parceria
do governo com os EUA foi extremamente importante para que o Brasil obtivesse o
apoio para entrar na OCDE. E, se de fato for aceito nessa organização, nosso
país poderá ser mais atraente para investimentos externos.
Mas o apoio americano não saiu de graça.
Em troca, o Brasil ofereceu retirar a exigência de
visto de turista para americanos e abriu mão do tratamento diferenciado, como
país em desenvolvimento, nas negociações da Organização Mundial do Comércio, a
OMC.
O tratamento diferenciado prevê benefícios para
países emergentes em negociações com nações ricas. O Brasil tinha, por exemplo,
mais prazo para cumprir determinações e margem maior para proteger produtos
nacionais.
Abrir mão disso foi uma exigência do governo Trump
para apoiar o Brasil na OCDE. Além do impacto direto nas futuras negociações
comerciais brasileiras, essa decisão afetou a nossa relação com países dos
BRICS- grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.
Isso porque essas nações vão acabar sendo mais
pressionadas a abrir, também, mão do tratamento diferenciado. E a Índia já está
retaliando o Brasil.
"Na OMC, a Índia já vetou outro dia a nomeação
de um embaixador brasileiro para negociar questões na área de pesca e foi um
veto ligado exatamente a essa negociação entre Estados Unidos e Brasil pela
entrada na OCDE", explica o professor Marco Vieira.
"Portanto, o Brasil está se isolando não só no
contexto de economias-chave na Europa e no acordo do Mercosul, mas também com
parceiros do Sul global: as economias emergentes como a Índia."
Outro temor é que o Brasil tenha perdido aliados
importantes na Europa para o seu pleito de entrada na OCDE.
"A reprovação das políticas internas do Brasil
na área ambiental e outras áreas, como de proteção de minorias, vai ter um
impacto claro na OCDE", opina Marco Vieira, da Universidade de Birmingham.
"A ala liderada pela França, mais radical, de
tentar mudar o comportamento do governo brasileiro através de sanções e
boicotes, ganhou força com o discurso de Bolsonaro na ONU. O pleito brasileiro
na OCDE pode ficar inviável, apesar do apoio dos Estados Unidos, porque a
entrada precisa ser aprovada por consenso."
O embaixador Carlos Márcio Cozendey, representante
do governo brasileiro na OCDE, discorda. Segundo ele, países europeus não
retiraram, pelo menos por enquanto, o apoio ao Brasil.
"Nós não temos ainda nenhuma indicação nesse
sentido. Ao contrário, continuamos a contar com o apoio da União Europeia nesse
pleito e o fato é que a legislação e as políticas do Brasil são bastante
convergentes com as da OCDE", disse à BBC News Brasil.
Boicotes a produtos
nacionais
O setor produtivo brasileiro também é impactado
pelas opções de política externa. Desde que os incêndios e o aumento do
desmatamento na Amazônia passaram a receber atenção mundial, algumas grandes
marcas decidiram suspender a compra de matéria-prima exportada pelo Brasil.
Foi o caso da gigante varejista de fast-fashion
H&M e da VF Corporation, multinacional têxtil americana que é dona das
marcas Kiplin e Timberland.
Essas empresas suspenderam a compra de couro vindo
do Brasil após suspeitas de que a expansão da pecuária seria uma das razões por
trás dos incêndios ilegais na Amazônia. O Brasil já recebeu também pressão de
fundos de investimento trilionários para que desse mais atenção à proteção da
Amazônia.
Esses boicotes e alertas indicam que as empresas
temem dano às suas marcas se estiverem associadas de alguma forma ao Brasil.
Ou seja, as opções de política externa do governo
afetam não apenas a nossa relação oficial com outros países, mas também a forma
como consumidores, empresas e o público em geral enxergam o nosso país.
E as consequências positivas ou negativas vão além
de acordos comerciais.
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