Previdência brasileira fica mais alinhada ao resto do mundo, mas ainda
mantém jabuticabas
Por Isabel Versiani
© Reuters Ministro da Economia, Paulo Guedes,
durante evento em São Paulo
As mudanças aprovadas nas regras previdenciárias
brasileiras reduziram as discrepâncias do regime em relação aos modelos
adotados no resto do mundo, mas desequilíbrios importantes permanecem e
prometem se agravar com o envelhecimento médio da população, avaliam
especialistas, que preveem necessidade de nova rodada de ajustes em no máximo
uma década.
A avaliação é que o tema ficará fora da pauta política
nos próximos anos, em meio a uma exaustão da sociedade com o assunto
Previdência após uma reforma abrangente aprovada na terça-feira, mas terá que
voltar a ser examinado à frente, inclusive porque algumas disparidades internas
do modelo acabaram sendo reforçadas com as novas regras.
Com a reforma aprovada pelo Congresso, o país
passará a adotar idade mínima como regra obrigatória para a aposentadoria dos
trabalhadores urbanos --62 anos para mulheres e 65 anos pra homens-- e imporá
limites à acumulação de benefícios e aos pagamentos de pensões.
O texto-base aprovado pelo Senado na noite de
terça-feira prevê uma economia de 800,3 bilhões de reais em 10 anos, mas ainda
pode ser alterado por destaques à matéria cuja análise deverá ser concluída na
quarta-feira.
A reforma, que prevê regras de transição, também
alterou as normas para o cálculo das valores pagos aos aposentados e
pensionistas e elevou as contribuições pagas pelos servidores públicos e pelos
trabalhadores da iniciativa privada que ganham mais.
Mas, no que é alvo de algumas das principais
ressalvas, a aposentadoria rural não sofreu alterações, com a manutenção da
idade mínima para aposentadoria em 60 anos para homens e 55 anos para mulheres,
e da possibilidade de aposentadoria em regime especial que prescinde a
comprovação de contribuição.
Outro aspecto apontado como fraqueza no modelo é o
fato de algumas categorias terem mantido benefícios diferenciados. Professores,
policiais e agentes penitenciários permanecem com o direito de se aposentarem mais
cedo e servidores que ingressaram no serviço público até 2003 continuam podendo
se aposentar com o vencimento integral.
"Uma vez aprovada a reforma, O Brasil se
aproxima um pouco do que é a média mundial. Mas vai continuar muito
discrepante, ainda que bem menos, porque a gente ainda tem a manutenção de
algumas regras pouco usuais no cenário internacional", afirma Paulo
Tafner, um dos principais especialistas na questão previdenciária brasileira.
Ele prevê que o país tenha que voltar a discutir suas regras previdenciárias em
"em cinco ou dez anos".
O economista Fabio Giambiagi, que junto de Tafner
foi um dos defensores mais proeminentes da urgência de uma reforma
previdenciária no país nos últimos anos, também afirma que o país não poderá
demorar muito a retomar essa pauta, ainda que descarte a possibilidade de o
tema ter protagonismo nas próximas eleições presidenciais, como teve na
anterior.
Giambiagi diz entender que politicamente a
derrubada das mudanças propostas pelo governo para os trabalhadores rurais
facilitou a aprovação da reforma, mas ele nota que a disparidade entre os dois
regimes --rural e urbano-- agora ficou maior.
"Acho que isso vai gerar uma insatisfação
crescente na classe média ao longo do tempo, talvez modificando as condições
para sua aprovação, que hoje não existem", disse.
A aposentadoria rural responde por cerca de 60% do
déficit do regime geral da Previdência --que este ano já totaliza 132,7 bilhões
de reais até agosto-- e representam pouco mais de 30% dos benefícios concedidos
pelo Regime Geral da Previdência Social.
O economista afirma que o país precisará também
necessariamente reduzir no futuro o gap de limite de idade para aposentadoria
entre homens e mulheres, em linha com tendência mundial, e promover, ainda,
aumento desses limites, acompanhando a elevação da expectativa de vida.
CAPITALIZAÇÃO
Na contramão do proposto pelo governo Jair
Bolsonaro, o Congresso rejeitou a incorporação automática de Estados e
municípios na reforma e também não autorizou a implantação do regime de
capitalização, que prevê contribuições em contas individualizadas e pagamentos
de benefícios proporcionais à poupança acumulada por cada trabalhador.
Para Tafner, o país não terá como fugir da
capitalização, em face do envelhecimento acelerado da população.
"A reforma tratou mais ou menos bem do passado,
mas o futuro está em aberto. O sistema de repartição não sobrevive à mudança
demográfica", disse.
De 2012 a 2018, a parcela da população brasileira
com 65 anos ou mais cresceu de 8,8% para 10,5%, enquanto a população de até 13
anos recuou de 20,9% para 18,6%, segundo dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística.
No modelo previdenciário de repartição, adotado
pelo país, os contribuintes do INSS --trabalhadores formais, empregados e
aposentados-- sustentam as aposentadorias pagas no presente. Com o aumento da
idade média da população, a relação entre contribuições e benefícios pagos
torna-se crescentemente menos favorável, pressionando o déficit previdenciário.
A autorização para a implantação de um regime de
capitalização, e também a extensão das novas regras da reforma a Estados e
municípios, foram incluídas em uma segunda PEC previdenciária, a chamada PEC
paralela. Mas a expectativa é que sua tramitação encontre resistências, principalmente
na Câmara.
ASSISTÊNCIA A IDOSOS
Tafner também lamenta o fato de o Congresso ter
rejeitado ajustes propostos pelo governo aos benefícios de assistência social
pagos a idosos de baixa renda que não conseguem comprovar contribuição à
Previdência (Benefício de Prestação Continuada) e a trabalhadores formais de
baixa renda (abono salarial).
Os dois temas foram incluídos pelo governo na
reforma da Previdência, a despeito de não dizerem respeito diretamente a
aposentadorias.
O economista reconhece que, dadas as grandes
desigualdades no país, limitações de benefícios são temas cercados de
controvérsia, mas ele reclama do debate "raso" em torno do assunto.
No caso do abono salarial, a crítica do economista,
também feita pelo governo, é que ele não beneficia a população mais pobre e
mais necessitada. Em relação ao BPC, ele argumenta que em muitos casos as
regras desestimulam a contribuição por parte de trabalhadores de faixas de
renda mais baixa que teriam condição de fazê-la.
Após a derrubada no Senado da mudança das regras do
abono, que aumentava a renda dos trabalhadores com direito a receber o
benefício, o secretário especial adjunto de Previdência e Trabalho, Bruno
Bianco, afirmou que a política é mal focalizada e que o esforço do governo era
para que o pagamento chegasse nos mais pobres. "Temos que mudar essa
situação", afirmou no Twitter.
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