Coalizão de 22 entidades cobra vetos de Bolsonaro à
minirreforma eleitoral
Claudia Dianni
Uma
coalização com cerca de 22 entidades ligadas à movimentos de transparência
e anticorrupção vai enviar uma carta para o presidente Jair Bolsonaro,
nos próximos dias, para pedir veto ao Projeto de Lei 5029/19 da “minireforma
eleitoral”. O presidente tem até o início de outubro para sancionar,
vetar, ou vetar parcialmente o projeto que trata do Fundo Eleitoral, do Fundo
Partidário e altera as regras de financiamento e de prestação de contas de
campanhas eleitorais. Isso porque, para valer para as próximas eleições municipais,
com primeiro turno em 4 de outubro de 2020, o PL precisa ser aprovado com um
ano de antecedência.
De acordo com a Transparência
Partidária e a Transparência Brasil, estão sendo colhidas as assinaturas também
entre entidades como Associação Contas Abertas, Instituto Ethos, entre outras,
e dos movimentos de renovação política, como o Acredito, o Livre e o Renova.
Além dos pontos do projeto que reduzem
a transparência e os mecanismos de controle dos partidos políticos, as
entidades denunciam a falta de tempo para que a sociedade discutisse o tema, já
que o projeto tramitou a toque de caixa.
“Alguns deputados alegam que houve
oito meses para discussão, pois o projeto foi apresentado como um
substitutivo ao PL 11021/2018 que, na verdade, tratava de assunto completamente
diferente”, explicou Marcelo Issa, diretor-executivo da Transparência
Partidária.
Histórico
Apresentado na Câmara em novembro do
ano passado, o PL 11021/18 dispunha sobre a remuneração recebida por
funcionário de partido político com recursos do fundo partidário. Já o PL
5029/19 foi apresentado, como substitutivo, no dia 3 de setembro e votado no
plenário da Câmara dos Deputados no mesmo dia depois de quatro horas e trata de
vários temas, como uso do fundo eleitoral e partidário, escopo de atuação dos
partidos políticos e da justiça eleitoral, de penalidades aplicáveis, prestação
de contas, divisão de responsabilidades nas estruturas dos partidos, entre
outros assuntos.
O PL altera a Lei dos Partidos
Políticos, a Lei das Eleições, o Código Eleitoral e até a Consolidação da Leis
de Trabalho (CLT), ao retirar os empregados de partidos políticos da CLT.
“Não houve audiência pública e nenhum
tempo para a sociedade civil reagir. Além disso, quem está propondo, ou seja, a
classe política, tem interesse próprio e determina como gastar, como prestar
contas e como fiscalizar o dinheiro das campanhas”, lamentou Juliana Sakai,
diretora de operações da Transparência Brasil.
Tramitação
Na terça-feira (17/9), o Plenário do
Senado rejeitou praticamente todo o projeto. Os senadores aprovaram apenas um
artigo sobre a definição dos recursos, que destina R$ 1,7 bilhão, ou um valor
definido pela Comissão Mista de Orçamento, para as eleições municipais. A
decisão dos senadores foi uma resposta à reação negativa da opinião pública.
Foram rejeitados pontos como prazo mais longo para prestação de contas e o uso
dos recursos do fundo para contratação de advogados e compra de imóveis para os
partidos.
Na quarta-feira, porém, os deputados
devolveram boa parte dos pontos controversos, inclusive a possibilidade que
partidos usem a verba do fundo eleitoral para pagar advogados e multas, e para
comprar bens móveis e imóveis. Como foi modificado pelo Senado, o projeto, que
teve origem na Câmara, voltou para ser avaliado novamente pela Câmara e, agora,
está pronto, do ponto de vista regimental, para seguir para ser enviado para o
presidente da República. Todo o processo ocorreu em menos de duas semanas.
Pessoas
expostas
Para Juliana, outros pontos polêmicos
que ficaram no texto, que agora segue para o presidente, é a supressão da
classificação, junto à Receita Federal, dos candidatos a cargos eletivos como
pessoas expostas. “Como pessoas expostas, a avaliação da Receita é mais
crítica. Eles eliminaram um das formas de controle em um contexto em que os
partidos políticos estão sob muita desconfiança a população”, disse.
Ela cita, ainda, o esvaziamento dos
tribunais regionais eleitorais no processo eleitoral, já que o projeto
concentra as decisões no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que adia as
decisões. “A justiça eleitoral já não é rápida, com esses concentração n o TSE,
o processo vai ficar mais lento. O eleitor perde o voto. De que adianta a
adianta a lei da Ficha Limpa?” questiona. Em vigor desde 2010, a Lei da Ficha
Limpa prevê inelegibilidade por um período de oito anos para políticos
condenados em processos criminais em segunda instância
Na avaliação de Issa, houve uma
vitória parcial da sociedade com relação a mecanismos de transparência, já que
foi retirado do texto o dispositivo que permitia aos partidos a aquisição de
qualquer sistemas, no mercado, para a prestação de contas, desobrigando o uso
do sistema da justiça eleitoral. Também foi suprimida a possibilidade de
inserir informações nas prestações de contas depois do prazo estipulado. “Se
essa regra estivesse valendo, talvez não teria sido possível identificar os
candidatos laranjas da eleição passada”, ponderou Issa.
Retrocesso
Por outro, lamenta o especialista, se
as regras permanecerem como propõe o texto, ou seja, se não houver vetos do
presidente, haverá retrocesso com relação aos mecanismos relativos à
integridade e à prevenção de corrupção, como, por exemplo, a possibilidade de
transferir recursos dos partidos a qualquer entidade privada, sem a previsão de
prestação de contas, e de pagamento de passagens aéreas para pessoas de fora do
partido. “Foram mantidas muitas avenidas deixam o caminho aberto para a
corrupção e lavagem de dinheiro”, avaliou Issa.
Segundo Issa, desde 1995, os partidos
vêm modificando a Lei Partidária de modo suavizar penalidades, reduzir
obrigações e responsabilidades a um ritmo de uma alteração a cada 14 meses.
Com a pressão da sociedade sobre a
atividade política depois da Lava Jato, em 2105 o Supremo Tribunal Federal
proibiu doação de empresas a campanhas e partidos políticos. Com alternativa,
em 2017, foi criado o Fundo Eleitoral e, para as eleições de 2018, foi
destinado R$ 1,7 bilhão ao fundo.
Já o Fundo Partidário é uma das
principais fontes de renda das legendas brasileiras, que recebem os recursos
mensalmente para a manutenção da máquina partidária, e as cotas de distribuição
dependem do desempenho, ou seja, número de votos, recebidos pelos partidos
Veja o saldo final
da tramitação do projeto, segundo levantamento da Transparência Partidária:
Ficou:
1. Transferência da responsabilidade
pela gestão dos dados dos filiados para Justiça Eleitoral;
2. Ampliação dos prazos para prestação
de contas;
3. Restrição da autonomia dos técnicos
da Justiça Eleitoral;
4. Proibição de que Justiça Eleitoral
solicite aos partidos documentos públicos ou emitidos por entidade bancária;
5. Flexibilização do pagamento de
multas (limite de desconto de 50% do valor devido);
6. Justiça Eleitoral obrigada a
notificar instância superior para aplicar penalidade ao diretório municipal ou
estadual;
7. Pagamento de passagem aérea para
qualquer pessoa com recurso do Fundo Partidário;
8. Contas bancárias dos partidos fora
dos controles de PEP (pessoas politicamente expostas);
9. Recursos do Fundo Partidário podem
ser transferidos para qualquer instituto, inclusive já existente, desde que
presidido pela Secretária da Mulher;
10. Custeio de despesas com ações de
controle de constitucionalidade com recursos do Fundo Eleitoral;
11. Pagamento de honorários
advocatícios com recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, sem limite
de valor;
12. Permissão para excluir a maior
parte dos funcionários do partido da legislação trabalhista;
13. Criação de mais um recurso de
efeito suspensivo, esvaziando poder dos tribunais regionais e estimulando o
acúmulo de processos no TSE;
14. Permissão para concorrer sub
judice e avaliar a regularidade da candidatura apenas na data da posse;
15. Permissão para que deputados que
mudem de partido porque a legenda pela qual se elegeu não atingiu a cláusula de
desempenho aumentem o valor do FEFC dos partidos que os receberem;
16. Retirada das despesas com
advogados e contadores do limite de gastos;
17. Permissão para que pessoas físicas
paguem despesas de campanha com advogados e contadores sem limite de valor.
SAIU
1. Contas partidárias prestadas em
qualquer sistema disponível no mercado;
2. Necessidade de comprovação de
conduta dolosa para aplicação de multas aos partidos;
3. Pagamento de advogados com recurso
do Fundo Partidário em processos de "interesse indireto" do partido;
4. Pagamento de advogados com recurso
do Fundo Partidário para políticos acusados de corrupção;
5. Exclusão dos gastos com honorários
advocatícios e contadores da contabilidade de campanha;
6. Permissão para que candidatos e
partidos insiram dados falsos nos sistemas de acompanhamento das contas de
campanha (DivulgaCand e SPCA).

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