Morre o cantor e compositor João Gilberto aos 88 anos
Julio Maria
©
Wilton Júnior/Estadão João Gilberto durante show no Teatro Municipal do Rio de
Janeiro, em 2008
O
cantor e compositor João Gilberto, um dos criadores da bossa nova, morreu neste
sábado, 6, segundo uma postagem de seu filho João Marcelo nas redes sociais. A
causa da morte ainda não foi confirmada pela família. "Meu pai morreu. Sua
luta foi nobre, ele tentou manter a dignidade à luz da perda da independência.
Agradeço minha família por estar aqui por ele", escreveu o filho do
cantor.
João Gilberto era o próprio violão. Calado para o
mundo, ruidoso consigo mesmo, percutia as ideias em sua caixa de ressonância de
forma que só quem estivesse próximo o escutasse. Na vida em monastério que
adotou por anos, seguia invisível e em total silêncio, abrindo a porta de seu
apartamento apenas para poucos, como a filha Bebel Gilberto, a ex-namorada
Claudia Faissol e sua filha com ela, Lulu.
João não estava pronto para se tornar um gigante.
Nunca entendeu bem o que era isso. Menino de Juazeiro da Bahia, nadou nas águas
do São Francisco e beijou garotas da vizinha Petrolina como se fosse normal. E
era, até o dia em que avistou um caminhão vindo por uma estrada que cruzada sua
cidade. Ao amigo que o acompanhava, disse como se recitasse uma oração: “Veja
lá aquele caminhão, que maravilha. As árvores estão acariciando sua cabeça.”
Árvores, pássaros, chuva, tudo parecia mais importante a seus olhos e ouvidos
do que os próprios homens.
Mas a história estava em suas mãos. Filho do
comerciante Juveniano Domingos de Oliveira e da católica Martinha do Prado Pereira
de Oliveira, a Patu, João viveu em terras juazeirenses até 1942, aos 11 anos,
quando seguiu para estudar em Aracaju. Juazeiro ainda o teria de volta quatro
anos depois, quando o violão que o pai lhe deu começou a ganhar as primeiras
carícias. A Rádio Nacional lhe trazia o mundo e João flutuava ao som de Orlando
Silva, Dorival Caymmi, Chet Baker e Carmen Miranda. O primeiro grupo,
Enamorados do Ritmo, veio logo, e Juazeiro ficou pequena.
A cidade que o recebeu na sequência teria sério
papel na formação de seu caráter artístico. Aos 18 anos, em Salvador, já
trabalhava com carteira assinada na Rádio Sociedade da Bahia, em Salvador. Não
havia ainda desenhado o formato voz e violão, mas seguia os mandamentos de
Orlando Silva tentado imitá-lo, por mais que o moderno já fossem Dick Farney e
Lúcio Alves. O grupo vocal Garotos da Lua o chamou e lá se foi, ainda sem a
obrigação com o violão, gravar dois discos em 78 rotações.
O Rio de Janeiro fervia na segunda metade dos anos
50, e foi para lá que João seguiu, aos 26 anos, em 1957. Sem muitos recursos,
seguia a trilha de quem queria ser alguém com um violão debaixo do braço.
Cantou para quem poderia fazer a diferença, como o cantor Tito Madi, mas teve
mais sorte ao cair nas graças do produtor e também violonista Roberto Menescal.
O violão de João virava a vedete. Bim Bom, uma das primeiras que apresentou aos
círculos de artistas no Rio, já trazia o caminhão com a carroceria cheia. A
levada uniforme deslocando acentos fortes para lugares incomuns, a harmonia
abrindo picadas onde ainda ninguém havia passado, a mão que fazia acordes
fazendo também percussão. E a voz. A voz de João deixava as tentativas da
impostação e partia para o que fazia o trompetista Chet Baker quando cantava.
Volume baixo e notas de longa duração, limpas, sem vibrato. João, depois de
acreditar no violão, passava a ter fé no fio da própria voz.
E, então, fez-se a Bossa Nova. Era julho de 1958
quando Elizete Cardoso aparecer com o disco Canção do Amor Demais, com músicas
de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Ao violão em duas das faixas, Chega de
Saudade e Outra Vez, João Gilberto. E era só a ponta da cabeça de um baiano que
se revelaria por inteiro um mês depois. Em agosto, João, já uma aposta de Tom
Jobim, Dorival Caymmi e Aloysio de Oliveira, grava seu próprio 78 rotações com
Chega de Saudade e Bim Bom, gravado pela Odeon.
Se acabasse aqui, a missão de João já estaria
completa. O que ele fez foi pouco e simplesmente tudo. Criou um violão
brasileiro e, sobre ele, ajudou a fundar um gênero. Seguiu na formatação de sua
proposta com o seguinte 78, em 1959, que trazia Desafinado, de Tom e Newton
Mendonça, e Hô-bá-lá-lá, música de sua autoria. E ainda traria seu LP Chega de
Saudade, definindo-se como um acontecimento. “Em pouquíssimo tempo, (João)
influenciou toda uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e
cantores”, escreveu Tom na contracapa do disco.
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