quarta-feira, 6 de março de 2019

CARNAVAL DO RIO DE JANEIRO TEVE EMOÇÃO E TÉCNICA


Escolas de samba do Rio decidem título entre emoção e técnica

Estadão Conteúdo











A Grande Rio, que ficou em penúltimo em 2018 e só não foi rebaixada porque as regras foram alteradas após a apuração
A disputa pelo título do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro deve ser decidida, na tarde desta quarta-feira, (6), entre a emoção e a frieza dos quesitos - que são nove e não incluem o sentimento. Quatro escolas apresentaram desfiles plasticamente semelhantes - carros alegóricos e fantasias bem feitas, luxuosas e bem acabadas.

Portela e, principalmente, Mangueira, que desfilaram na segunda noite, fizeram exibições contagiantes. Envolveram o público a ponto de muita gente chorar nas arquibancadas e frisas. Tijuca e Viradouro, que se exibiram na primeira noite, apresentaram desfiles tecnicamente muito corretos e mais teatrais do que a outra dupla. Ficaram, porém, longe de cativar o público da mesma forma.

Logo abaixo dessas quatro escolas, mas também com chances de título, estão a Vila Isabel e o Salgueiro. Ambas tiveram problemas com o cronômetro e podem perder pontos em harmonia e evolução. A escola do bairro de Noel Rosa fez excelente desfile no segundo dia, mas ultrapassou em um minuto o tempo máximo de exibição e automaticamente vai perder 0,1 ponto. O Salgueiro também fez um belo desfile, mas igualmente correu no final.

Em outro patamar, inferior, estão União da Ilha e Mocidade Independente de Padre Miguel, que fizeram bons desfiles, porém plasticamente menos impactantes. Praticamente no mesmo padrão, mas com enredos mais confusos e menos luxuosos figuram a Beija-Flor, atual campeã, e a Grande Rio, que ficou em penúltimo em 2018 e só não foi rebaixada porque as regras foram alteradas após a apuração.

Se não houver nova virada de mesa, como ocorreu nos dois anos anteriores (a mais recente por pressão da Grande Rio sobre a direção da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), desta vez duas escolas serão rebaixadas para a Série A, a segunda divisão do samba do Rio. Quatro agremiações correm esse risco em 2020: São Clemente, Império Serrano, Imperatriz Leopoldinense e Paraíso do Tuiuti.

A São Clemente fez um desfile divertido, mas com fantasias e alegorias simples, mais típicas da Série A. Já o Império Serrano, que ficou em último em 2018 e só não caiu por ter sido beneficiada pela mudança de regulamento posterior ao desfile, repetiu basicamente os mesmos erros do ano passado. Descuidada em fantasias e alegorias, não conseguiu nem sequer manter totalmente aceso o luminoso com o nome da escola, em tripé logo no início do desfile: as três últimas letras estavam apagadas. Outros erros foram cometidos em harmonia e evolução.

A Imperatriz Leopoldinense teve problemas com carro alegórico. Assim como a Paraíso do Tuiuti - que desfilou cercada de expectativa, por ser a atual vice-campeã, mas teve dois carros com defeitos. Um deles teve que ser parcialmente desmontado a poucos metros da pista do sambódromo para que voltasse a andar.

Ao todo, seis jurados avaliaram as escolas em cada um dos nove quesitos seguintes: Alegorias e Adereços, Bateria, Comissão de Frente, Enredo, Evolução, Fantasias, Harmonia, Mestre-Sala e Porta-Bandeira e Samba-enredo.

Pouco antes do início da apuração, serão realizados dois sorteios. O primeiro vai definir os dois jurados cujo trabalho será descartado - eles terão exercido a função de reservas, trabalhando apenas para substituir alguém em caso de falta.

Durante a apuração serão lidas e consideradas apenas as notas dos quatro jurados titulares de cada quesito, e a menor será descartada. A pontuação máxima para cada escola será 270 pontos. No ano passado, a Beija-Flor foi campeã após perder apenas 0,4 ponto. Ela somou 269,6 pontos, apenas 0,1 ponto a mais que a vice Paraíso do Tuiuti. O Império Serrano, último colocado, recebeu 265,6 pontos.

O segundo sorteio realizado antes do desfile servirá para definir a ordem dos quesitos a serem apurados. Isso definirá também o primeiro critério de desempate, que será a maior nota no último quesito lido. Assim, se a última nota a ser lida for de bateria e duas escolas empatarem, aquela que tiver recebido maior nota (somando-se apenas as três válidas) no quesito bateria será campeã. Se a pontuação nesse quesito for igual, passa-se ao oitavo quesito lido, e ao sétimo e assim por diante. Se o empate persistir, o segundo critério de desempate será o maior número de notas dez, no total, também consideradas apenas as três notas válidas.
A São Clemente abriu os desfiles do segundo dia do Grupo Especial com irreverência e foi seguida por uma performance luxuosa da Vila Isabel e uma calorosa homenagem da Portela a Clara Nunes, depois União da Ilha, Mangueira, Mocidade e Paraíso do Tuiuti. Após a noite, de sábado (2), em que a chuva preocupou as escolas de samba do Rio de Janeiro, as agremiações do Grupo Especial que entraram no sambódromo na segunda-feira encontraram a pista seca e o tempo bem menos instável.

Consagrada por suas críticas sociais e bom humor, a São Clemente foi a primeira a desfilar ontem (4). A escola reviveu um samba de 1990 em que criticava os rumos do carnaval carioca, cheio de famosos, ingressos caros e efeitos especiais. "Virou Hollywood", ironiza o samba, que criticava também a falta de espaço para o povo participar da festa.

A comissão de frente da São Clemente trouxe os cartolas do samba definindo o futuro do carnaval em uma virada de mesa, referência que já tinha aparecido no desfile da Grande Rio. As duas escolas lembraram a permanência da própria Grande Rio e da Império Serrano no Grupo Especial, depois de uma decisão em plenário da Liga Independente das Escolas de Samba ter suspendido os rebaixamentos do ano passado.
Ídolos Pop
Fantasiado de Michael Jackson e Madonna, o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira apontava a invasão de ícones culturais norte-americanos no carnaval. No abre-alas, o destaque a Marylin Monroe reforçava essa crítica. Marylin apareceu de aplique loiro e sutiã de ícone – marcas da artista na vida real.

A escola ironizou também o luxo dos camarotes e a distribuição de credenciais para amigos de poderosos verem os desfiles, enquanto o povo fica de fora da Sapucaí. O segundo carro mostrou a programação dos camarotes, representando uma festa com DJ e música eletrônica em plena passarela do samba.

Discussões antigas do amantes de carnaval como os enredos e fantasias pagos, a influência da TV e o ego dos carnavalescos e estrelas também voltaram na reedição do enredo de 1990. Com a atualização do tema, as redes sociais entraram na lista, com a proliferação de "especialistas do samba" e intrigas espalhadas sobre as escolas.
Investimentos
A escola defendeu ainda o investimento em cultura,  criticando os cortes de verbas que as escolas de  samba sofreram nos últimos anos. A São Clemente terminou o desfile em clima de nostalgia, lembrando antigos carnavais. O carnavalesco Jorge Silveira disse que o desfile cheio de críticas e irreverência foi um reencontro da escola com sua essência. Segundo ele, é necessário cuidar para, como diz o enredo, o samba não sambar.

"Muita coisa que ameaçava a gente naquela época continua ameaçando. A coisa só se potencializou. Mas o que mais fere o sambista é deixar o povo fora da jogada. O carnaval é do povo e ele é o protagonista".

Vila Isabel

A Vila Isabel subiu a serra e homenageou Petrópolis no carnaval deste ano. O enredo promoveu o encontro da cidade imperial com a comunidade do Morro dos Macacos e teve seu desfile iniciado por uma visita ao Museu Imperial, principal ponto turístico da cidade serrana.

O palácio foi retratado pela comissão de frente, em que estátuas se moviam e convidavam o público a entrar. No abre-alas, três luxuosos carros acoplados representavam cavalos puxando a carruagem e a coroa real, seguidas por alas que retratavam a corte e os anjos a acompanhar São Pedro de Alcântara, antigo padroeiro do Brasil Imperial.

Da opulência da coroa, o desfile seguiu para a beleza natural da serra que já pertenceu aos índios. O desfile passa ainda pela chegada dos imigrantes europeus e árabes à região, à ferrovia e à presença da cidade nos primeiros passos brasileiros no cinema.
Tempo
A Vila Isabel correu contra o tempo, mas não conseguiu encerrar o desfile no limite de 75 minutos, o que pode render penalidade na pontuação. Apesar do contratempo, o carnavalesco Edson Pereira considerou o desfile um sucesso. "Até se [o atraso] comprometeu, nossa satisfação foi ter feito um carnaval de qualidade e mostrar para a comunidade que a gente está vivo."

No último setor, o desfile lembrou o papel da Princesa Isabel na assinatura da Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil. A escola falou da luta por justiça e contra a desigualdade racial, e a família da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada em março de 2018, desfilou no último carro.

A irmã, o pai e a filha da vereadora levavam uma faixa escrito “Marielle Presente”, e a irmã Anielle se emocionou ao comentar o desfile em um carro que representou uma das bandeiras que Marielle defendia. "Estar aqui com o povo negro foi muito forte. Ela [Marielle] era isso. Era carnaval. Não tem jeito de não ficar com um nó na garganta."

Portela

O terceiro desfile da noite foi da Portela, escola tradicional de Madureira que decidiu homenagear uma de suas grandes estrelas, a cantora Clara Nunes. Em vez de contar a biografia da cantora, a Portela escolheu explorar sua brasilidade e falou de sua formação religiosa, da infância no interior e do encontro de Clara com o subúrbio do Rio de Janeiro, onde conheceu a Portela.

A comissão de Frente, coreografada por Carlinhos de Jesus, trouxe as Guerreiras de Iansã. O coreógrafo comemorou que tudo saiu como planejado. "A ideia era homenagear a mulher brasileira por meio da figura da Clara Nunes, que foi uma das pioneiras a bater no peito e assumir uma série de posicionamentos. E isso foi muito importante, porque a Clara tem essa voz."

O desfile teve outros elementos  de religiões de matriz africana, ao mesmo tempo em que carros sobre a fé católica trouxeram igrejas barrocas e a imagem de Nossa Senhora Aparecida. No abre-alas, a icônica águia da Portela veio neste ano com asas reluzentes, voando sobre outras aves da fauna brasileira.

O desfile também falou da criatividade do povo brasileiro e contou, em um abre-alas, a história de um comerciante de Madureira que mandou decorar um coreto do bairro como se fosse a Torre Eiffel. A pintora Tarsila do Amaral testemunhou a cena e a eternizou no quadro Carnaval em Madureira, considerada uma importante obra do modernismo brasileiro.
Para o presidente do Conselho Deliberativo da escola, Fábio Pavão, a Portela foi iluminada por sua estrela. "A Clara Nunes iluminou a escola, iluminou seus componentes e todos passaram com muita garra. Agora é esperar o resultado", disse. Segundo ele, problemas como a dificuldade de tirar o abre alas da dispersão não afetaram o desfile. "A gente foi no braço. A Portela é isso".



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