A morte das ferrovias
Manoel Hygino
Abre-se o jornal e
se constata, da manchete da primeira página aos artigos da editoria de
economia, a predominância de títulos e conteúdos sobre o sistema ferroviário
nacional. De uma hora pra outra, depois da greve dos caminhoneiros que
atormentou a vida brasileira e dos brasileiros, que a nação estava – e está –
extremamente vulnerável a todo tipo de desastres no sistema de transportes. Até
hoje, a cada dia, surgem notícias dos efeitos da nefasta paralisação.
Descobre-se, somente
após a greve, que estávamos marchando errados na política do setor e que se há
de reexaminar o assunto, para podermos ter tranquilidade no futuro. Lendo
“Diário da Falsa Cruz de Caravaca”, de Rogério Moreira, editado pela Thesaurus,
de Brasília, percebe-se em que encrenca nos metemos e da qual temos de sair com
a possível brevidade.
Pedro Rogério Couto
Moreira é jornalista, escritor, membro da Academia Mineira de Letras, a cujo
pai, presidente perpétuo, Vivaldi Moreira, se deve a instalação do sodalício em
sede própria na rua da Bahia. Nascido em Belo Horizonte, jovem vendedor de
balcão na Livraria Itatiaia, na mesma rua, ali começou seu relacionamento com a
matéria impressa. Tornou-se jornalista conceituado, sem favor, passou pela
redação de jornais de circulação nacional, foi designado correspondente da Rede
Globo na Amazônia, encontrando um novo mundo, novos locais e personagens. Assim
como identificou problemas que persistem, entre os quais da antiga Estrada de
Ferro Tocantins, de que só se encontram relíquias.
Ferrovia de curtíssima
vida, pois construída nos começos dos anos 1930, foi destruída numa penada do
ministro da Viação e Obras Públicas do governo militar, em 1950. Observou: “A
civilização do automóvel decretou que o trem de ferro era coisa do passado,
coisa de capiau. O mundo tem de andar de quatro rodas nos asfalto”.
Tece considerações
oportunas, sobretudo nesta hora: “É um mistério intrigante a morte das
ferrovias brasileiras. Os Estados Unidos entronizaram o automóvel no seu
panteão nacional. Dele fizeram ícone, herói feito gente de carne e osso, mas
mantiveram a sua formidável malha ferroviária. Os europeus trataram de
reconstruir a malha deles depois da Segunda Guerra Mundial, e com ajuda
financeira americana. Por que no Brasil foi diferente?”.
As observações vêm em
seguida: “Assim como mataram índios na Amazônia, assassinaram nossas ferrovias,
aqui e sobretudo no Centro-Sul do País. O argumento era o déficit que
acarretavam. É claro, elas não foram modernizadas, a via permanente da maioria
delas era de bitola estreia. Tiraram os trens de circulação e, depois,
completaram o serviço sujo, como fazem os mafiosos para não deixar pistas do
crime; erradicaram os trilhos e dormentes. Mataram muito da alma brasileira com
a extinção das ferrovias. Em Minas, um pedaço de cada ser mineiro morreu nos
anos 50”.
Bem mais adiante em
seu novo livro, que descreve em minúcias a vida na região amazônica, Pedro
Rogério retorna “ao trem de ferro motivo deste registro e um relicário precioso
da minha infância em Minas, tendo eu vivido, sem o saber, ao estertores desse
meio de transporte, eficiente e barato”.
E lamento: “É mais
do que nostalgia, é revolta contra quem, de modo criminoso, acabou com a nossa
maravilhosa malha ferroviária de passageiros, sob o feitiço do rodoviarismo”.
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