Pelos que sobrevivem
Manoel Hygino
A execução de
Marielle Franco, vereadora no Rio de Janeiro, em 14 de março, obscureceu as
notícias sobre o falecimento, na madrugada do mesmo dia, de Stephen Hawking, na
Inglaterra. Considerado um dos maiores cientistas de todos os tempos, estudava
a natureza da gravidade e do universo, temas que não fascinam o brasileiro.
Stephen era branco,
nascido em um país de primeiro mundo, tinha 76 anos, e ganhara celebridade com
sua teoria do espaço-tempo, aplicando a lógica dos buracos negros a todo o
universo. Aliás, tudo muito bem exposto no seu “Uma breve história do tempo”,
livro só lançado em 1988, um dos 14 que escreveu.
O pormenor é que o
personagem, tão relevante para as ciências, sofria de Esclerose Lateral
Amiotrófica, que transmite rastros de dor e amargura aos seus pacientes. E
também a suas famílias, aos médicos que deles cuidam, como contado em “A teoria
de tudo”, que rendeu, no cinema, um Oscar ao ator que interpretou Stephen.
Uma enfermidade
terrível. No caso de Hawking, a esclerose lhe foi diagnosticada aos 21 anos,
quando só conseguia movimentar um dedo e os olhos voluntariamente. Como as
dificuldades não afetaram sua capacidade intelectual, seguiu rumo, usando um
sintetizador eletrônico para falar. Sua vida pessoal, a despeito de tudo,
continuou: casou duas vezes e teve três filhos. Não reclamava da desdita e se
manteve fiel a seus projetos.
Suas ideias
desafiavam a teoria da relatividade geral, que consagrara Einstein, que por
sinal viveu igual número de anos. Aliás, o detalhe não escapou aos interessados
e curiosos: o sábio britânico morreu no mesmo dia e mês em que Einstein nasceu.
E há mais: o físico nasceu exatamente 300 anos após a morte de Galileu Galilei,
italiano nascido em Pisa, de família florentina empobrecida.
A despeito dos
desafios da saúde, o inglês de Cambridge não estava de mal com a vida: cativava
as pessoas, participou de filmes e séries de televisão, como acabo de ler.
Assim aconteceu com “Os Simpsons”, “Star Trek” e a comédia “The Big Bang
Theory”. Deixou, contudo, um pedido: que sua fórmula matemática fosse inscrita
no túmulo. Suas cinzas serão enterradas ao lado de Isaac Newton, na Abadia de Westminster,
principal igreja da Universidade em que Hawking lecionou, 52 anos, apesar de
sua situação especialíssima.
Enquanto se espera a
conclusão das investigações sobre Marielle, assassinada na noite carioca,
lembraria que este crime permanece na sombra, com 45% de favelas cariocas
dominadas por milicianos, com 2 milhões de pessoas das comunidades sob o jugo
dessas organizações, que faturam anualmente R$ 145 milhões, só com transporte
irregular. Os traficantes têm outra organização e maior faturamento.
Como Rubem Braga,
oremos pelos meninos pobres dos morros e dos mocambos, os tristes meninos da
cidade e dos barrigudinhos da roça, protegendo suas canelinhas finas, suas
cabecinhas sujas, seus pés que podem pisar em cobras e seus olhos que podem
pegar tracoma. Afastai de todo perigo e de toda maldade os meninos do Brasil,
os louros e os escurinhos, todos os milhões de meninos deste grande pobre e
abandonado meninão triste que é o nosso Brasil.
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