O odor ainda persiste
Manoel Hygino
Olho pela janela e
lamento concordar que lá fora não mudou muito de 2017 para cá, a despeito do
foguetório comemorativo da travessia do ano, da euforia dos que se transportam
de seus locais de residência para as festas, que exaltam uma alegria que, na mais
das vezes, não habita os corações. O tempo é duvidoso, não só aquele que as
belas comunicadoras de televisão anunciam. O clima do ano findo não findou com
ele. Apenas fazemos o jogo do faz de conta.
O mais deplorável é
que restou um halo de desconfiança em torno do terceiro poder da República,
ainda não contagiado pelo clima de suspeição em torno de suas decisões. Não o
ignoram os próprios membros do Supremo Tribunal Federal, que é mais do que
guardião da Constituição, porque o é da credibilidade da sociedade.
No dia 19, na sessão
sobre investigações do “quadrilhão do PMDB na Câmara” ( a expressão está nos
jornais do dia seguinte), o notório ministro Gilmar Mendes afirmou: “populismo
judicial é responsável por esse tipo de assanhamento. A história não vai nos
perdoar”.
O ministro Luís
Roberto Barroso rebateu, afirmando que vira o episódio da mala de dinheiro: “eu
vi a corridinha na televisão. Tudo documentado”, referindo-se ao ex-assessor
especial da presidência, Rodrigo Rocha Loures. São fatos que enxovalham a
dignidade e a honra nacionais. Barroso observou: “nós vivemos uma tragédia
brasileira, uma tragédia de corrupção que se espalhou de alto a baixo. É a
cultura de desonestidade em que todo mundo quer levar vantagem”.
No mesmo tom,
concluiu: “são diferentes visões da vida e do país. Não acho que há uma
investigação irresponsável. Há um país que se perdeu pelo caminho, naturalizou
as coisas erradas. E temos o dever de enfrentar isso e de fazer um novo país,
de ensinar às novas gerações que vale a pena ser honesto. Sem punitivismo, sem
vingadores mascarados, mas também sem achar que ricos criminosos têm imunidade,
porque não têm. Tem que tratar o menino pego com cem gramas de maconha da mesma
forma que se trata quem desvia milhões de reais”.
Há intenso calor,
chamas, em torno das decisões dos titulares dos três poderes da República. O
caso Loures gerações não esquecerão, porque já inscrito nas páginas da
história. Ademais há de se atentar, evidentemente, para a ação indireta de
inconstitucionalidade, proposta pela Procuradoria-Geral da República quanto ao
indulto de Natal, proposto pelo presidente da República, que causou, por óbvios
motivos, tremendo mal-estar.
Para Raquel Dodge, o
indulto “se destina a favorecer, claramente, a impunidade, dispensando do cumprimento
da sentença judicial justamente os condenados por crimes que apresentam um alto
grau de dano social, com consequências morais e sociais inestimáveis, como é o
caso dos crimes de corrupção, de lavagem de dinheiro e outros correlatos”.
A ministra Carmen
Lúcia, presidente da mais alta corte de Justiça, não deixou por menos.
Suspendeu, em caráter liminar, o indulto previsto no decreto, assinado pelo
chefe da nação.
Não há dúvida,
porém, que o odor do escândalo já se espalhara amplamente. É nesse indesejado
ambiente que abrimos o calendário de 2018. Só resta aguardar, se possível, que
os dias vindouros desfaçam as perspectivas desagradáveis, porque o tempo é
inexorável. Ele não perdoa.
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