O
Brasil em dois tempos
Manoel Hygino
Um poeta amigo
escreveu, há dias: “Em meus 72 anos de vida – mesmo sofrendo na carne a
crueldade de uma ditadura de 21 anos – poucas vezes enxerguei um mundo tão
violento, cruel, cínico e sem esperança”.
Outro amigo,
lembrando época passada, observou em mensagem: “nada melhor do que achar que a
felicidade era poder cantar uma canção censurada de Geraldo Vandré, comprar um
disco do burguês Chico Buarque, ou Caetano Veloso – pelado na capa, fatos que
me pesaram na contestação do regime militar”.
De nada valia a vida
tranquila, que nos permitia atravessar a cidade a qualquer hora da noite, em
bandos adolescentes, sem nenhum perigo, a não ser de algum cachorro bravo solto
na rua, sem riscos de assalto ou de perda da vida por alguma bala perdida.
Ninguém, em nosso
grupo de adolescentes, usava drogas ou mesmo conhecia algo estupefaciente além
de Bacardi com Coca-Cola, limão e gelo, ou o danoso “rabo-de-galo”, mistura de
cachaça, Cortezano e licor de pequi. Outros jovens eram mais liberais, afinal
vínhamos da contracultura, que teve seu auge nos anos 60, mas eles se limitavam
a um visual diferente, cabeludos, de roupas coloridas, à espera da Era de
Aquarius, na base da “paz e amor” e “faça amor, não faça a guerra”.
O tempo não parou e
surgiu um outro quadro. “Não há mais censura, usar drogas não dá mais cadeia,
bolsas diversas sustentam mais de 36 milhões de famílias e as faculdades formam
milhares de doutores, especialmente advogados. A gente pode cantar qualquer
canção, acabou-se a indústria da música de protesto e ficar pelado não
escandaliza mais. Gays se beijam em público e até se casam; virgindade é só na
oração Mariana; existe a Lei da Palmada, as leis de cotas, e outras tantas em
defesa da igualdade formal, que um desavisado acharia que esta nação caminha para
ser o melhor dos mundos.
Há mais: “da casa
murada, com alarmes, concertinas e cercas elétricas, ouvem-se as sirenes do
Corpo de Bombeiros e do SAMU, em socorro às vítimas de uma guerra civil não
declarada, nas cidades e campos, que mata mais de 60.000 brasileiros por ano,
oficialmente. Mais que isso, só no trânsito. Antes, temíamos o guarda da
esquina. Hoje, o medo está em toda parte”.
Ele, o medo, é “dos
encapuzados que depredam lojas e o patrimônio público, de índios que
interrompem as estradas e cobram pedágios, dos sem-terra que não respeitam a
propriedade privada, do grampeamento sem controle por agentes do Estado, da
bandidagem que nada teme e se organiza em facções, formando seus exércitos”.
E conclui o
missivista em questão: “Há certo desalento, um desgosto com o rumo das coisas.
Todos queremos democracia, que não se confunde com baderna. Queremos segurança
e saúde. Melhorias na educação. Bandidos na cadeia. O império da lei e
governantes honestos. Não é muito, mas o suficiente para garantia da liberdade,
banindo para sempre os fantasmas totalitários, da esquerda ou direita”.
Leio e medito com os
dois brasileiros que me escreveram.
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