Fachin evoca Ibsen
Manoel Hygino
Os acontecimentos
mais recentes no âmago do governo brasileiro causaram estupefação a um
povo já desencantado com seus dirigentes. Por tanto tempo, estávamos à beira do
precipício, mas caímos no vácuo. Nunca, jamais em tempo algum, pensar-se-ia que
chegássemos a este ponto.
Aconselha-se meditar
olhando em redor. A sugestão resulta da posição do ministro Edson Fachin, após
participar de reunião no Supremo Tribunal Federal sobre o “volta ou não volta”
de José Dirceu na prisão em Curitiba.
Naquela ocasião, Fachin,
relator e voto vencido na matéria, lembrou um escritor que já foi mais
conhecido no Brasil: o dramaturgo Henrik Ibsen, cuja peça “Casa de Bonecas” se
tornou, tempos atrás, até popular entre nós.
Fachin disse: “Saí
daqui, ontem, com vontade de reler o Ibsen, em Um inimigo do povo e A história
do doutor Stockmann”. O magistrado parece bom em literatura europeia. Evoque-se
o autor norueguês, o tema, o personagem, segundo o resumo de Hélio Gurovitz:
“Na peça de 1882, Thomas Stockmann é médico numa aldeia cuja economia
impulsiona uma estação balneária. Descobre que as águas são contaminadas pelo
esgoto de um curtume e tenta levar a notícia à imprensa, com base num laudo
técnico. Seu irmão, prefeito, consegue evitar a publicação e lança um
desmentido, para evitar que a cidade fosse prejudicada pela fuga dos turistas.
Stockmann convoca,
então, uma reunião para apresentar os fatos, mas é impedido de falar por uma
aliança entre o prefeito, jornalistas e representantes dos pequenos
empresários. Passa a vituperar contra a “massa amorfa” de cidadãos. “A maioria
nunca tem razão! Esta é a maior mentira social que já se disse!”, protesta aos
brados.
“Quem constitui a
maioria dosa habitantes de um país? Pessoas inteligentes ou imbecis? (...) Os
imbecis formam maioria esmagadora. É motivo suficiente para que mandem nos
demais”.
A revolta popular é
tão grande que Stockmann é declarado “inimigo do povo”. Perde o emprego, sua
casa é apedrejada, é despejado, seus filhos são expulsos da aula, sua filha
mais velha é também demitida da escola onde lecionava. Nem sair do país
consegue, pois o capitão que lhe garantira lugar num navio também é demitido.
Hélio Gurovitz
prossegue: Ao longo dos anos, Stockmann se tornou um símbolo. Contra tudo e
contra todos, mantém suas convicções na defesa da verdade. É um herói que
alerta sozinho para o desastre iminente e, embora certo desde o início, é
rejeitado e enxovalhado, como a Cassandra da mitologia grega. Quem será nos
dias presentes, o nosso dr. Stockmann?
A Noruega, como o
Brasil, é plena de paradoxos geográficos, de contrastes telúricos, de asperezas
e de encantos físicos. A alma do povo é bela e forte, mas vulnerável aos mais
sabidos, oportunistas e desonestos. Estes devem ser identificados e descartados,
e sobretudo no momento das dificuldades mais impressivas e das crises.
Então se permite
revelar e debater preconceitos e ideias errôneas e as realidades dramáticas do
país, pondo em foco, simultaneamente, os graves problemas da sociedade
contemporânea.

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