A sobrevivência da democracia
Manoel Hygino
Quando terminará a
crise em que nos encontramos imersos? A pergunta não tem resposta, e aí está um
dos pontos dramáticos da hora que nos aflige. Poder-se-ia perguntar como o fez
Cícero da tribuna: “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?”.
Resultado de
décadas, mais do que isso, de inclemência com o povo deste país, pela insânia e
despudorado uso do poder para manter privilégios criminosos mediante corrupção,
atingimos um ponto crucial. Estão em debate e julgamento crimes hediondos
cometidos contra a nação. O chamado mensalão é apenas uma referência, embora
fizesse crer que os desmandos e desrespeito ao cidadão e a honra pátria
estivessem a termo. Puro engano.
O crime se enraizou
terrivelmente na máquina administrativa e vencê-lo não seria apenas questão de
tempo. Tornara-se imprescindível transformar a mentalidade, a cultura, que se
estabelecera. Dura e demorada missão.
O prestigioso
advogado e professor de direito Antônio Álvares, em artigo de bem tempo atrás,
comentou o tema, ao manifestar-se sobre as lições do mensalão. “Qual a
utilidade desse processo para o país e para o povo?”, perguntava e ele mesmo
respondia: “O lado mais positivo foi que um processo penal de importância
chegou ao final e pessoas importantes foram condenadas, fato raro no país. O
princípio de que todos são iguais perante a lei, em direitos e deveres, deixou
de ser um mandamento no papel para ser uma realidade na prática”.
Incomoda, contudo, e
muito, o problema dos recursos no Judiciário. O próprio advogado advertiu:
“Outro aspecto positivo: no Brasil, endeusam-se recursos. Quanto mais, melhor.
Os juízes de cima corrigem os juízes de baixo. No entanto, o mensalão só chegou
ao fim exatamente porque a instância de julgamento era única, ou seja, começou
e acabou no STF. Caso contrário, estaria se arrastando até hoje na primeira
instância, com milhares de requerimentos, pedidos, provas, perícias e tudo mais
que se pode fazer para amarrar os processos”.
Eis o momento que
vivemos, quando o cidadão honesto, sofrido com as injustiças praticadas
enquanto não se concluem os processos, começa a acreditar que os envolvidos nos
crimes não pagarão por eles. Esta a maior desdita que poderia recair sobre o
homem e as empresas dignas, que ainda insistem no caminho da lei, da ordem
jurídica, da validade moral para vencer as circunstâncias. O Brasil não pode
perder a confiança em si mesmo, mas esta é a hora da decisão.
Rubens Ricúpero
observou, há exatamente sete anos, que “a cumplicidade interna com a corrupção
sob pretexto de governabilidade (além da complacência externa com tiranos e
violadores de direitos humanos em nome do realismo) são as manchas principais
da situação que se vive no Brasil”.
A observação de sete
anos é válida mais do nunca. Ricúpero acrescentou que os valores morais e o
aperfeiçoamento da democracia são sacrificados a ganhos imediatistas. É a
miopia moral que se concentra nos lucros perto e não enxerga os prejuízos a
maior distância.
A possibilidade da
democracia, como ensinava Bobbio, advém da confiança recíproca entre os
cidadãos e destes nas instituições. A corrupção generalizada aniquila a
confiança e provoca a degeneração, nelas, incapazes de funcionar bem.
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