Em tempo de folia
Manoel Hygino
Não que seja contra Carnaval, pois até percebo que o período momesco
parece contribuir para arrefecer as dificuldades de que reclama boa parte da
população. A julgar pela motivação de brasileiros em todas as direções para
vibrar com as alegrias desse tempo mágico, não há crise, esta fruto do
pessimismo, do catastrofismo, absolutamente distantes da realidade.
Não há, portanto, o que lastimar diante de câmeras e microfones. Estamos
no melhor dos mundos, tudo é bom e saudável, dança-se, ginga-se, canta-se, só
alegria e cores. Não é hora de falar em números e tristeza, mesmo com os
índices de desemprego altíssimos. O Brasil chegou ao fim de 2016, conforme o
relatório do IBRE, com o PIB de R$ 6, 209 trilhões, isto é inferior, em moeda
corrente, ao de 2011. A renda per capita – R$ 30.128 – voltou ao patamar de
2010.
Significa que a riqueza média da sociedade retrocedeu ao nível de seis
anos atrás. Mas quem sabe o que é IBRE (Instituto Brasileiro de Economia, da
Fundação Getúlio Vargas)? Ele não oferece um panorama caótico: é o “terceiro
ano da mais grave e duradoura recessão jamais experimentada pelo Brasil nos
últimos cem anos”.
Dá para entender? E quem se interessa por isso? É Carnaval, e ele
alimenta uma população feliz – ou alienada dos graves desafios da hora, quando
a Organização Internacional do Trabalho prevê, neste ano, o maior aumento no
desemprego entre as economias do G-20. A OIT estima que em 2016 e 2017 o número
dos sem trabalho no planeta aumentará em 3,4 milhões. O epicentro será o
Brasil, responsável por 35% dessa estatística. Isto quer dizer: a cada três
novos desempregados no planeta, um será brasileiro.
Só na construção civil, o país perdeu 414 mil postos, segundo o
Sindicato da Construção Civil de São Paulo. É a 27ª baixa seguida. Neste ano, a
retração projetada é de 5% no setor, dada a paralisação dos novos projetos de
infraestrutura e o estoque elevado de imóveis novos não vendidos.
O pior cego é o que não quer ver.
O pior cego é o que não quer ver.
O país faz de conta que é feliz e o poder público faz o que pode, se é
que pode, para minorar o sofrimento da população. Essa parece só senti-lo ao ir
a uma unidade básica de saúde ou, mesmo, a uma repartição policial. Uma
cantora, de que eu não ouvira falar, Kaoma, foi encontrada morta na Região dos
Lagos, no Rio de Janeiro. Levada ao IML de Araruama, permanece não
identificada. O atestado de óbito não pode ser liberado sem exame de DNA,
porque o órgão não dispõe de material para exame.
Sob outro aspecto, continuam os atentados a ônibus por bandidos,
prejudicando o transporte coletivo nas cidades: as grandes, as médias e as que
levam crianças às escolas no interior. Os Bombeiros fazem o que podem para
debelar as chamas, mas o fogo criminoso destrói veículos e a prejudica o povo
trabalhador.
Mas é Carnaval e cumpre aproveitá-lo intensamente, como nos melhores
tempos. Não se dará atenção ao Banco Mundial, que não prevê crise econômica que
poderá levar até 3,6 milhões abaixo da linha da pobreza até o fim deste ano.
Predominam, os “novos pobres” das áreas urbanas.
Por que falar nisso, se há Carnaval?
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