O mundo pós-Chaplin
Manoel Hygino
O mundo mudou desde o nascimento do cinema e mudou imensamente com ele.
A sétima arte é uma espécie de fronteira cronológica: antes e depois. Mas,
nesta era tormentosa que enfrentamos, não podemos esquecer personalidades que
se tornaram glória na sétima arte.
Entre elas, certamente Charles Chaplin, um inglês nascido em abri (meses
antes de o Brasil em 1889 transformar-se em República), para falecer 88 anos
após, em dezembro de 1977. Quarenta anos decorridos e jamais esquecidos! Quanto
aconteceu nestas décadas, vividas intensamente pelo ator, diretor, produtor,
humorista, empresário, escritor, comediante, dançarino, roteirista e músico,
que superou os limites do século XXI.
Notabilizado pelo uso da mímica e da comédia-palestão, inspirou e
incentivou cineastas posteriores, sendo mais do que grande por ter-se
consagrado gigantesco, como escreveu Martin Sieff, em prefácio de livro. Viveu
a tragédia das duas primeiras grandes guerras e sensibilizou um mundo
dilacerado pelos conflitos, trazendo o dom da comédia, de risos e alívio,
enquanto ele próprio se multiplicava como homem e como artista.
Durante mais de cinco décadas, através da Grande Depressão e da ascensão
de Hitler, permaneceu inabalável no ofício. Foi maior do que qualquer um. Não
se acredita que algum outro indivíduo tenha propiciado mais entretenimento e
prazer a tantos seres humanos, exatamente quando eles mais precisavam.
Na Primeira Grande Guerra, na Segunda Grande Guerra, no início da Guerra
Fria, e prevaleceu a forte personalidade de um homem que sofreu com os
problemas dos pais: mãe internada em um manicômio, pai alcoólatra. Dividiu
pesadamente as alegrias e as dores do mundo e pairou sobre eles. Transmitiu
imagens e sentimentos de solidariedade, de amor ao próximo, de oposição aos que
se opunham às expressões de liberdade.
No mundo dilacerado deste segundo decênio do século vinte e um, somos
atraídos a buscar em seus textos alguns momentos para meditação, colhidos em
seu belo filme “O Grande Ditador”, supostamente longínquo do precursor “Em busca
do Ouro” e de “Luzes da Cidade”.
Na película do cinema falado, explica-se: “Sinto muito, mas não pretendo
ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar
quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio...
negros... brancos. Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos
são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o
infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros?
Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover
a todas as nossas necessidades. O caminho da vida pode ser o da liberdade e da
beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... Levantou
no mundo as muralhas do ódio... E tem-se feito marchar a passo de ganso para a
miséria e os morticínios.
Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro
dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos
conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis.
Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos
de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem
essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido”.
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