Nossa gente e a febre
amarela
Manoel Hygino
“Velho como a serra”, expressão comum em tempos pretéritos, algo muito
antigo, antigório, como dizia meu avô. Ambos correspondem aproximadamente à
febre amarela, que ora começa a aterrorizar o país mal informado. O fenômeno já
fora registrado pelo facultativo mineiro Pedro Salles, em sua “História da
Medicina no Brasil’, cuja segunda edição é de 2004.
“Pedroca”, como o chamava Juscelino, era seu colega de turma e de
colação de grau em 1927. Formaram-se na primeira escola médica instalada da nova
capital (hoje UFMG) e que resultara do esforço coletivo dos profissionais
belo-horizontinos, com ênfase os da Santa Casa.
Se alguém recorrer a um Guia do Centro Nacional de Epidemiologia do
Ministério da Saúde, edição de 1998, ficará sabendo mais. A febre amarela é uma
infecção viral, de gravidade variável, cujo quadro típico tem evolução
bifásica, ou seja, com períodos de infecção e de localização. O início da
doença é repentino, com febre, calafrios, cefaleia, mialgias, prostração,
náuseas e vômitos. Não vou entrar em detalhes. Só acrescento que o diagnóstico
é clínico, epidemiológico e laboratorial.
Há a febre amarela urbana, FAU, e a silvestre, FAS, tendo como
reservatório o homem no primeiro caso e os macacos no segundo. Na FAU, a
transmissão se processa através da picada do superconhecido Aedes aegypti e, na
FAS, pelos mosquitos silvestres do gênero Haemagogus.
Em 5 de agosto de 1872, nasceu no interior de São Paulo o bebê que
recebeu o nome de Oswaldo Gonçalves Cruz na pia batismal. Formado em medicina
no Rio de Janeiro, estagiou por três anos no Instituto Pasteur, em Paris,
discípulo de Émile Roux. De volta, combateu um surto de peste bubônica em
Santos e outras cidades portuárias, instalando um instituto para produção de
soro adequado, cuja importação era demorada e cara.
Quando Rodrigues Alves foi presidente da República, Oswaldo Cruz começou
uma campanha de erradicação de varíola e de febre amarela, no Rio. Organizou
batalhões de “mata-mosquitos” para vacinar obrigatoriamente a população. Esta
se revoltou, o mesmo acontecendo com a Escolta Militar. Constituía um absurdo a
invasão das casas e imunização forçada e o movimento recebeu o nome de Revolta
da Vacina.
Como se sabe, o Rio de Janeiro, depois cognominada Cidade Maravilhosa,
era uma das mais sujas do mundo, mas o jovem Oswaldo não se intimidou. Foram
vistoriados milhares de prédios, extintos focos de larvas, limpas calhas e
telhados, ralos e tinas. Removeram-se toneladas de lixo dos quintais,
habitações e terrenos, e carroças de lixo.
Não custou ser apontado como “inimigo do povo” pelos jornais e nos
discursos na Câmara e no Senado, nas caricaturas e modinhas de Carnaval. Houve
quebra de lampiões de iluminação pública, enquanto a capital federal se
prestava a criadouros de transmissores de males, que se tornaram endêmicos:
problemas de ontem se repetem hoje, para inquietação e dor dos brasileiros.
Oswaldo Cruz dirigiu em sua época a campanha contra de febre amarela em
Belém, cidade em que houve muitas mortes no último fim de semana. Mortes desta
vez, a tiros.
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