Em Minas, vereadores
esquecem a crise e aumentam os próprios salários
Janaína Oliveira e
Tatiana Lagôa
Na pequena cidade de Raposos, os vereadores aprovaram incrementos nos
próprios salários; o prefeito e o vice também foram contemplados
Enquanto milhões de brasileiros não conseguem repor as perdas com a
inflação nos acordos salariais, penam com o parcelamento dos vencimentos,
perdem os empregos, sofrem com a recessão econômica e têm pela frente regras
mais duras para a aposentadoria, vereadores de Minas aproveitam o apagar das
luzes de 2016 para reajustar os próprios rendimentos e os do Executivo. Em
alguns casos, o “plus” no contracheque chega a 100%.
Em Raposos, na Grande BH, cidade com menos de 16 mil habitantes, a
Câmara Municipal aprovou um pacote de benesses para prefeito, vice, secretários
e parlamentares.
A partir do ano que vem, o rendimento do chefe do Executivo será o dobro
do atualmente pago, saltando de R$ 11 mil para mais de R$ 21 mil. Já o salário
do vice pulou de R$ 5 mil para R$ 11 mil, o equivalente a um incremento de 80%.
No caso dos vereadores, o aumento chegou a 75%, saindo de R$ 3.800 para R$
6.643.
Conforme o assessor jurídico da Câmara Municipal de Raposos, Igor Bruno
Góes, o atual prefeito, Carlos Alberto Coelho (PSDB), derrotado nas urnas nas
últimas eleições, não sancionou o projeto. Mas o veto foi derrubado pelos vereadores.
“Por isso, hoje, o Projeto de Lei que trata do aumento dos subsídios está em
vigor”, afirmou.
Para Góes, não há nada de errado com o PL. “Tecnicamente, ele é legal e
respeita os limites de gastos impostos pela legislação”, pontuou.
Em Timóteo, no Vale do Aço, os vereadores conseguiram “emplacar” até uma
espécie décimo quarto salário. Além do subsídio e do décimo terceiro no valor
de R$ 7.560,33 cada, eles vão receber uma parcela de aproximadamente R$ 9 mil
para cobrir perdas retroativas, segundo a servidora da Procuradoria Geral da
Câmara, Maria do Pilar Barroso.
Os vereadores de BH terão um reforço de R$ 1.400 no contracheque na
próxima legislatura. Por 25 votos a sete, eles aprovaram um reajuste de 9,3%
nos próprios salários, que passam a ser de R$ 16.435,88. O projeto é de
autoria do presidente afastado da Câmara, Wellington Magalhães (PTN), e também
vale para o prefeito (que hoje recebe R$ 25 mil), vice-prefeito e
secretários
Incremento
Na pequena Córrego Fundo, no Centro-Oeste de Minas, os vereadores
engordaram o próprio contracheque em 35%. Os nove parlamentares passarão a
ganhar R$ 4.910 mensais, ante os R$ 3.600 recebidos até este ano.
O presidente da Câmara, Danilo José da Costa (PT), afirma ter
argumentado com os colegas que o momento não era propício em função da crise,
mas não foi ouvido. “Cheguei a propor uma redução nos vencimentos, mas eles
votaram e pronto”, observou Costa.
Em Porteirinha, no Norte de Minas, os vereadores passarão a receber R$
6.400 por mês. O salário do prefeito subiu de R$ 15 mil para R$ 19 mil,
enquanto o do vice saltou de R$ 7.500 para R$ 9.500. Já os vencimentos dos
secretários subiram de R$ 4.500 para R$ 6 mil.
“As pessoas ficaram comentando que a gente estava aumentando o salário.
Nossa ideia era aumentar o teto porque o subsídio já está no valor máximo. Isso
não significa aumento do valor recebido nesse tanto não. As pessoas não
entenderam”
Eustáquio do Perpétuo Socorro
Presidente da Câmara de Leme do Prado
Segundo o presidente da Câmara Municipal, Etelvino José da Silva Filho,
o “Theo”, o reajuste dos vereadores obedece o teto de 30% do valor dos
rendimentos dos deputados estaduais. “Por causa da crise, só aumentamos R$
1.400 nos vencimentos, valendo para os próximos quatro anos”, contou.
A economia da cidade é baseada na produção de leite, queijo e pecuária
de corte. “Dependemos da chuva. Quando chove, circula dinheiro”, disse.
Em Pai Pedro, município com menos de 6 mil habitantes no Norte de Minas,
todos os políticos também tiveram os salários reajustados.
O vencimento dos nove vereadores saiu de R$ 2.400 para R$ 3 mil. O
prefeito, que até então ganhava R$ 7.700, a partir de 2017 receberá R$ 11.800
por mês. Já o contracheque do vice-prefeito saltou de R$ 3.800 para R$ 5.900.
O Hoje em Dia ligou várias vezes para a Câmara Municipal, mas
ninguém atendeu às ligações.
Eleitores e Justiça barram acréscimos em subsídios no Estado
Se em algumas cidades mineiras os vereadores conseguiram quase dobrar
seus subsídios, em outras, a pressão popular serviu como empecilho. Nos casos
em que o clamor dos eleitores não foi suficiente, os aumentos foram barrados na
Justiça.
Em Leme do Prado, no Vale do Jequitinhonha, foi votado um aumento do
teto do subsídio de 22%. Dessa forma, os vencimentos dos vereadores poderiam
passar de R$ 3.500 para R$ 4.270 na cidade com pouco mais de 5 mil habitantes.
“Dizem que a prefeitura está em crise, mas ainda está contratando.
Porém, o dinheiro da Câmara é desvinculado do da prefeitura. São órgãos
independentes. Aqui na Câmara já está tudo pago. O orçamento está
tranquilo. Por isso um reajuste de subsídio não seria tão grave”
Celeste Maria Menezes Gontijo
Presidente da Câmara de Vereadores de Abaeté
Porém, como foi votada após as eleições, em outubro, a elevação feriu as
regras previstas na Lei Orgânica do Município que proíbe alterações nos
subsídios após o dia 30 de agosto do último ano de legislatura.
Mesmo com a proibição, o acréscimo foi aprovado pelos vereadores e
seguiria para a sanção do Executivo. Porém, a população se uniu, por intermédio
do grupo “Não à Corrupção em Leme do Prado”, e conseguiu reverter a situação.
Pressionados, os próprios vereadores desistiram. “A gente não sabia
dessa proibição. Quando as pessoas começaram a nos procurar é que ficamos
sabendo”, afirma o presidente da Câmara, Eustáquio do Perpétuo Socorro.
Abaeté
Outro caso de reação popular foi o da tentativa de aumento de 11,27%
sobre os subsídios dos vereadores em Abaeté, na região Central. Caso aprovado,
a remuneração dos vereadores passaria dos atuais R$ 4.265,78 para R$ 4.745,68.
Além disso, como seria retroativo a janeiro, cada vereador receberia
também uma diferença. Em 12 meses, o impacto sobre a folha de pagamentos
somaria cerca de R$ 55 mil.
“Provavelmente não teremos mais esse aumento. Já até devolvi o
dinheiro para a prefeitura e eles devem usar o dinheiro para pagar o 13º dos
funcionários. A verdade é que todo ano tem esse aumento e só neste
que barraram”
Celeste Maria Menezes Gontijo
Presidente da Câmara de Vereadores de Abaeté
A população fez uma Petição Pública e um dos vereadores, Marcelo Vargas,
recorreu à Justiça para barrar a alta. Por meio de uma liminar, o reajuste foi
suspenso.
A presidente da Câmara, Celeste Maria Menezes Gontijo, disse que o
“único erro” foi o projeto não ter entrado na pauta no dia da votação. “Não
tinha nada de errado, estávamos só repondo as perdas. Todo ano tem esse
reajuste”, afirma.
Pelo Brasil
O aumento dos subsídios neste ano de crise não foi um privilégio apenas
dos vereadores das cidades mineiras. Em todo o Brasil existem situações
parecidas.
É o caso de Juazeiro do Norte, no Ceará, onde os vereadores aumentaram
em 20% os próprios salários, passando de R$ 10 mil para R$ 12,6 mil, mesmo
diante de protestos da população.
Na cidade de Goiás, no Estado homônimo, conhecida como “Goiás Velho”,
foi aprovado um projeto que garante aumento de 36% nos salários dos
parlamentares, chegando aos R$ 7,5 mil. De autoria da presidente da Casa,
Eliane de Bastos (PDB), o projeto elevou também o salário do prefeito de R$
14,5 mil para R$ 17 mil.
“A Câmara tinha um valor reservado para pagar cinco servidores que
entraram na Justiça, caso eles vencessem a ação. Como a Câmara venceu, o
dinheiro iria para a prefeitura. Mas os vereadores acharam por bem utilizar o
recurso para recompor as perdas nos subsídios”
Maria do Pilar Barroso Barcelar
Servidora da Procuradoria Geral da Câmara dos Vereadores de Timóteo
Os vereadores de Aracaju também receberão um “plus” no contracheque. A
alta, de 25%, fará com que os parlamentares deixem de ganhar um pouco mais de
R$ 15 mil e passem a contar com vencimentos mensais de R$ 19 mil a partir do
ano que vem.
Enquanto isso, apenas 24% das negociações salariais ocorridas no
primeiro semestre deste ano, analisadas pelo Dieese, tiveram ganhos reais nos
salários.
Para 36,8% das categorias, o percentual de aumento é equivalente à
inflação do período anterior. E uma gama de 38,8% delas não irão recompor o
índice inflacionário, ou seja, terão perdas.
Vereadores de BH aprovam
reajuste dos próprios salários
Fachada da Câmara Municipal de Belo Horizonte
A despeito da crise, os vereadores de Belo Horizonte terão um reforço de
R$ 1.400 no contracheque. Em votação na tarde desta quarta-feira (14), eles
aprovaram um reajuste de 9,3% nos próprios salários, que a partir do próximo
ano já passam a ser de R$ 16.435,88. O projeto, de autoria do presidente
afastado da Câmara, Wellington Magalhães (PTN), foi aprovado por 25 votos a
sete. Outros oito parlamentares não votaram ou estavam ausentes.
A justificativa para o aumento, descrita no PL 2054, de 2016, diz que “o
projeto fixando o subsídio dos vereadores, prefeito, vice-prefeito e
secretários municipais para a próxima legislatura, dentro do espírito de
cooperação nacional para com o momento que o país vive, contempla apenas a revisão
financeira, conforme a inflação, adotando para tanto o mesmo índice que a União
incluiu na Proposta de Emenda Constitucional n° 241/2016, que limita os gastos
públicos.”
Votaram contra o texto apenas os vereadores Adriano Ventura (PT),
Arnaldo Godoy (PT), Doutor Sandro (PMDB), Juninho Paim (PT), Pedro Patrus (PT),
Sergio Fernando (PV) e Vilmo Gomes (PSB).
Segundo Ventura, que não conseguiu a reeleição, o reajuste dos salários
foi um erro. “Estamos no meio de uma grave crise financeira e política, com o presidente
que assumiu cortando até reajuste do salário mínimo. O momento é totalmente
inoportuno e não compensa o desgaste com a população”, disse ele, que já
considera o montante de R$ 15 mil, atualmente em vigor, uma boa quantia.
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