Mudança no perfil dos
extremistas dá nó nos grupos de inteligência
Filipe Motta
Desde o atentado em Nice, franceses e estrangeiros fazem orações nas
ruas pelas vítimas, diariamente
As medidas de combate ao terrorismo utilizadas pelas grandes potências
estão focadas num modelo ultrapassado de inteligência, estruturado a partir dos
anos 2000 para conter organizações que atuavam em redes, algo que não
corresponde à realidade atual.
Isso explicaria a intensificação dos atentados nos últimos tempos,
sobretudo na Europa e nos Estados Unidos. A avaliação é do professor de
Segurança e Defesa do curso de Relações Internacionais do Ibmec, Oswaldo Dehon.
Histórico
Desde janeiro de 2015, foram quase dez ataques terroristas a países
europeus e norte-americanos, todos relacionados ao Estado Islâmico (EI), grupo
extremista sunita, nascido da Al-Qaeda, no Iraque, e que busca implantar um
califado.
“O Estado Islâmico atua de forma muito diferente da Al-Qaeda, que era o
foco anterior. Os recursos dela conseguiram ser rastreados. Já o Estado
Islâmico tem uma capital (no norte do Iraque), possui recursos próprios e vende
petróleo. E tem essa coisa bem inusitada dos lobos solitários. Com a Al-Qaeda,
havia redes, com a existência de grupos menores capazes de produção de
atentados. Hoje nós temos pessoas. Um serviço de inteligência que dê conta de
monitorar todos os indivíduos não existe”, analisa Dehon.
Colapso
Colapso
Os atentados ao aeroporto e ao metrô de Bruxelas, em março deste ano,
foram o símbolo do fim desse modelo de combate ao terrorismo.
Sede da OTAN e de vários organismos da União Europeia, a cidade era tida
como um alvo óbvio de atentados, que não puderam ser evitados, causando grande
desgaste nos serviços de inteligência.
Os analistas reforçam o fato de boa parte dos ataques muitas vezes
acontecerem sem nenhuma ordem expressa ou conexão com o EI.
No lugar de organizações bem estruturadas, que agiam a partir de certo
idealismo organizado, qualquer inconformismo e indignação no nível individual
tem impulsionado atos terroristas.
Alvo certo
Essa indignação contra o Ocidente se faz notar sobretudo na França, que
recebeu, nas últimas décadas, um grande afluxo de migrantes vindos de suas
ex-colônias.
“Há uma coleção de fatores: o choque das concepções islâmicas de vida
com a ocidental (muito evidente na França, por exemplo, com a legislação sobre
o uso do véu islâmico), um certo rancor colonial dos imigrantes e filhos, e a
centralidade simbólica do país, no coração da Europa”, explica o professor de
política internacional da UFMG Dawisson Belém Lopes.
No caso alemão, há a mesma dificuldade de incorporação de árabes e
islamitas à cultura local, pontua o professor Oswaldo Dehon. Mas, ao contrário
do anti-islamismo presente na França, há xenofobia de uma maneira mais ampla, o
que torna o quadro diferente.
“Essa tática de fazer guerras convencionais é complicada. Por um lado, é
necessário que os governos deem resposta à opinião pública e mostrem força ao
inimigo. Mas é um inimigo incerto, volátil, que some, desaparece, reivindica
ataca em toda parte”
Dawisson Belém Lopes
Pesquisador de política internacional da UFMG
Dawisson Belém Lopes
Pesquisador de política internacional da UFMG
Monitoramento deve ser sigiloso, dizem especialistas
“Um ponto considerado por muitos observadores é que há uma relação
direta e cada vez notória entre a cobertura que a grande imprensa faz dessa
barbárie e eventos. Os grupos, cada vez mais, planejam seus ataques utilizando
os meios de comunicação para propaganda”, pontua o pesquisador de política
internacional da UFMG Dawisson Belém.
Bola de neve
Bola de neve
A avaliação de Dawisson é compartilhada por Paulo Velasco, professor de
Relações Internacionais na UERJ e na Fundação Getúlio Vargas. “Cria-se um
círculo vicioso. Cada ato desse, na medida em que repercute, acaba chamando
para mais”, observa.
Nesse sentido, até mesmo a exposição de ações preventivas devem ser
evitadas, avalia. “O trabalho de contraterrorismo deve ser de bastidor, mais
sigiloso. Claro que é normal alguma atenção, já que vamos ser palco das
Olimpíadas, mas exageram e a alimentam o medo”, diz.
Brasil
Brasil
O pesquisador avalia que o país precisa manter o foco nas ações de
monitoramento de mídias sociais, que têm sido feitas de forma adequada, mas
tomar cuidado para não “atirar para tudo que é lado”, como forma de responder
às pressões feitas por Estados Unidos e União Europeia. “As forças de segurança
brasileiras querem mostrar serviço e acabam criando uma espetacularização”.
O General do Exército Gerson Menandro, chefe de operações conjuntas do
Ministério da Defesa, pondera. “De fato, é preciso um ponto de equilíbrio.
Temos cerca de 100 cenários possíveis treinados. Mas nunca dizemos quais
cenários são esses. É importante que todos vejam que temos capacidade de
resposta e que estamos preparados”, diz.
Ele destaca que especialistas de segurança de cerca de 100 países
estarão no Brasil para o monitoramento das Olimpíadas, que pela primeira edição
contará com um centro de inteligência integrado.
Fronteiras
Menandro afirma que uma intensificação do monitoramento das fronteiras
terrestres e marítimas está em curso e que os profissionais de segurança do
Brasil passaram por vários treinamentos com forças do exterior.
No entanto, reconhece a dificuldade de controlar o terrorismo invisível
e que o desafio das Olimpíadas é maior do que o da Copa. “É preciso que
todos tenham conscientização. Percebendo alguma coisa que fuja a normalidade,
deve-se ligar no 190 e 193. Mas sem gerar pânico”, lembra.


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