Pode não dar certo
Paulo Haddad
Ao se iniciar esta nova etapa da administração do Governo Federal, é
preciso que, na formulação da estratégia de política econômica, sejam
incorporadas as condicionalidades e restrições ao processo de decisão
político-institucional. Há três condicionalidades dominantes no curto prazo: a
cronologia política, a cronologia econômica e a cronologia da precedência.
A cronologia política é restritiva. Não se pode formular estratégia de
política econômica convencional como se estivéssemos no início de um mandato
presidencial tradicional. A opinião pública anda inquieta, insatisfeita e
ansiosa por resultados sob pena de se aprofundar a frustração no novo contexto
político-institucional. É evidente que a busca de resultados imediatos para
acomodar as expectativas dos segmentos mobilizados da sociedade civil pode
levar a decisões que tendem a aprofundar a atual crise econômico-financeira.
Por exemplo: ideias equivocadas como o uso de parte das reservas
cambiais para financiar um programa de investimento em infraestrutura, expandir
o endividamento como forma de realizar uma política anticíclica, aumentar a
carga tributária para cobrir o déficit fiscal etc. São propostas imaginadas
fora do contexto das experiências históricas do Brasil e de muitos países que
estão vivenciando crises equivalentes ou isomorfas. No nosso caso, as decisões
de política econômica têm de ser cadenciadas em busca de rapidez, eficácia,
exatidão, leveza e racionalidade no curto e no longo prazo.
A cronologia econômica está prenhe de incertezas e crueldades. Muitas
decisões de política econômica equivocadas e inconsistentes tomadas nos últimos
meses da administração Dilma Rousseff terão impactos espraiados e
intensificados ainda nos próximos meses. As taxas de desemprego podem não
diminuir; as taxas de inflação podem permanecer inercialmente elevadas; as
taxas de crescimento podem com certeza continuar na sua trajetória de declínio.
Não basta a melhoria de expectativas e do ambiente de negócios para reverter os profundos estragos que a economia brasileira vem sofrendo desde 2012.
Não basta a melhoria de expectativas e do ambiente de negócios para reverter os profundos estragos que a economia brasileira vem sofrendo desde 2012.
Assim, enquanto a nova administração formula os fundamentos de uma nova
política econômica pensando no futuro, as decisões da velha política econômica
ainda comandam os indicadores do presente. Mesmo havendo rapidez e eficácia na
concepção de nova política econômica, devemos pensar numa rede de precedência
das decisões a serem implementadas. Muitas podem não ter a intensidade
necessária para resolver os problemas a que se propõem. Outras podem ser
tomadas mais prontamente segundo sequência determinada pela maior ou menor
resistência política dos grupos sociais de vocalidade expressiva, e não pela
prioridade programática.
Neste ponto, corre-se o risco de colocar juntas e misturadas muitas
ações de sequência e intensidade diferenciadas que acabam por diminuir as
chances políticas de serem aprovadas as mais essenciais em favor das que têm
prioridade questionável. Por exemplo: um ajuste incremental (redução do número
de cargos comissionados) pode prevalecer sobre um ajuste estrutural (o
equacionamento do déficit da Previdência Social).
Estamos vivendo uma crise socioeconômica e política extremamente grave.
Mais grave talvez que a de 1929 no Brasil ou a da década perdida dos anos 1980.
O cenário tendencial, sem uma grande transformação estrutural, mostra a nossa
economia transitando da recessão para a depressão, a taxa de desemprego em
direção a 15% e o endividamento comprometendo a solvabilidade financeira do
país.
Em períodos históricos como o que estamos vivendo há necessidade de
serem tomadas decisões ousadas e destemidas politicamente. De outra forma,
corremos o risco de caminharmos para mais do mesmo e, pior, no curto prazo,
apesar das soluções alentadoras no médio e no longo prazo. Por exemplo: criar a
CPMF agora é medida rápida mas recessiva que pode diminuir a arrecadação e
ampliar o déficit fiscal; por outro lado, uma reforma tributária não oferece
resultados imediatos pois para ser negociada politicamente, regulamentada e
implantada pode levar de dois a três anos para que os seus resultados benéficos
venham a aparecer de forma sustentada na economia.
Algumas decisões de grande impacto são indispensáveis de imediato. O
tempo do ajuste fiscal é diferente do tempo das reformas estruturais. O que se
sugere é: 1) transformar o superávit primário em meta e não em resíduo da
execução orçamentária com valor (3%?) necessário para estabilizar a relação da
dívida pública com o PIB; desta forma pode-se acalmar o sistema financeiro
quanto à solvabilidade do país; 2)realizar a experiência de orçamento de base
zero com déficit zero para evitar mais uma rodada de expansão da dívida
pública; o exercício político de realizar um orçamento de base zero permite
redefinir prioridades do papel da intervenção do governo na economia e estruturar
uma reforma administrativa; 3) com expectativas inflacionárias inflexionadas,
reduzir significativamente a taxa de juros básica que se encontra contaminada
pela desconfiança em relação ao futuro da economia e pelas medidas corretivas
dos controles de preço relativos no passado; essa redução pode induzir a
expansão da economia que opera com crescente capacidade ociosa; 4) propor,
negociar e implantar reformas de base da economia até o final do primeiro
semestre de 2018, num tempo político indispensável para a gestão dos conflitos
de interesses de regiões, de grupos sociais e de segmentos produtivos; 5)
articular medidas de ajuste com plano de desenvolvimento sustentável de médio e
de longo prazo, considerando as oportunidades de transformar investimentos em
infraestrutura em áreas de negócios privados e de reorganizar as principais
cadeias de valor numa perspectiva da globalização econômica.
Qualquer proposta para encaminhar soluções para a atual crise econômica
deverá conter elevado grau de incertezas. As dificuldades são múltiplas para se
encontrarem as portas de saída mais corretas. A nossa crise é de natureza
multicausal e as suas diferentes causas são interdependentes, ampliando as
incertezas com as quais teremos de conviver. Mas como dizia Kant “Avalia-se a
inteligência de um indivíduo pela quantidade de incertezas que ele é capaz de
suportar”.

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