O que é a Dívida Pública Federal?
A Dívida Pública Federal (DPF) é a dívida contraída
pelo Tesouro Nacional para financiar o déficit orçamentário do Governo Federal,
nele incluído o refinanciamento da própria dívida, bem como para realizar
operações com finalidades específicas definidas em lei.
A Dívida Pública Federal pode ser classificada de
distintas formas, sendo as principais: i) quanto à forma utilizada para o
endividamento, e ii) quanto à moeda na qual ocorrem os fluxos de recebimento e
pagamento da dívida.
Em relação à forma, o endividamento por ocorrer por
meio da emissão de títulos públicos ou pela assinatura de contratos. Quando os
recursos são captados por meio da emissão de títulos públicos, a dívida daí
decorrente é chamada de mobiliária. Quando a captação é feita via celebração de
contratos, a dívida é classificada como contratual.
Os títulos públicos federais são instrumentos
financeiros de renda fixa emitidos pelo Governo Federal via oferta pública
(leilão) ou diretamente ao detentor. Já os contratos são usualmente firmados
com organismos multilaterais, tais como o Banco Mundial e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento, com agências governamentais, como o Japan
Bank For International Cooperation e o KfW, e com bancos privados.
Em relação à moeda na qual ocorrem seus fluxos de
recebimento e pagamento, a Dívida Pública Federal pode ser classificada como
interna ou externa. Quando os pagamentos e recebimentos são realizados na moeda
corrente em circulação no país, no caso brasileiro o real, a dívida é chamada
de interna. Por sua vez, quando tais fluxos financeiros ocorrem em moeda
estrangeira, usualmente o dólar norte-americano, a dívida é classificada como
externa.
Atualmente, toda a Dívida Pública Federal em
circulação no mercado nacional é paga em real e captada por meio da emissão de
títulos públicos, sendo por essa razão definida como Dívida Pública Mobiliária
Federal interna (DPMFi).
Já a Dívida Pública Federal existente no mercado
internacional é paga em outras moedas que não o real e tem sido captada tanto
por meio da emissão de títulos quanto por contratos, sendo por isso definida
como Dívida Pública Federal externa (DPFe).
O que
fazer com a dívida do governo federal brasileiro?
Conceitos e mitos
Para pensarmos logicamente em relação à dívida pública, primeiro devemos
voltar aos princípios básicos e rever o conceito geral de dívida.
Colocando de maneira simples, uma transação de crédito ocorre quando C, o
credor, transfere uma soma de dinheiro (por exemplo, $1.000) para D, o devedor,
em troca da promessa de que D irá repagar a C — após um ano, por exemplo — o
principal mais os juros. Se a taxa de juros acordada sobre a transação
for de 10%, então o devedor se obriga a pagar em um ano o total de $1.100 para
o credor. Essa liquidação completa a transação, a qual, diferentemente de
uma venda comum, ocorre ao longo do tempo.
Até aí, está claro que não há nada de "errado" com uma dívida
privada. Assim como ocorre em qualquer troca voluntária no mercado
privado, ambos os lados da troca se beneficiam, e nenhum perde. Porém,
suponha que o devedor se meta numa encrenca, perca dinheiro e fique sem poder
quitar sua dívida com C. E aí? Trata-se obviamente de um risco
presente em toda situação de dívida, e o devedor deve sempre se esforçar para
manter sua dívida em níveis que ele certamente pode quitar. Mas tal
situação não é um problema exclusivo do endividamento. Qualquer
consumidor pode gastar temerariamente; um homem pode torrar todo o seu salário
em uma quinquilharia cara e em seguida descobrir que não tem mais como
alimentar sua família pelo resto daquele mês. Assim, insensatezes
consumistas não são um problema exclusivo do endividamento.
Porém, há uma diferença crucial: se um indivíduo se afunda numa dívida a
qual ele não pode quitar, seu credor sofrerá também, pois o devedor não
devolveu a propriedade do credor. Em uma análise mais profunda, o devedor
que não quita os $1.100 devidos ao credor estará roubando uma propriedade que
pertence ao credor; o que houve aqui não foi apenas uma dívida civil, mas um
dano injusto, uma agressão à propriedade de outro.
Nos séculos passados, um devedor insolvente era tido como alguém que
havia incorrido em um delito grave; e, a menos que o credor estivesse disposto
a "perdoar" a dívida, por pura caridade, o devedor continuaria a
dever o principal mais os juros acumulados, e mais a multa por seu contínuo
não-pagamento. Frequentemente os devedores eram encarcerados e ficavam
presos até que pudessem finalmente pagar tudo — um tanto draconiano, talvez,
mas pelo menos dentro do espírito adequado de se impor e fazer cumprir os
direitos de propriedade, e de defender e zelar pela inviolabilidade dos
contratos. O grande problema prático era a dificuldade de os devedores na
prisão obterem o dinheiro necessário para quitar o empréstimo; talvez fosse
melhor deixar o devedor livre, com a condição de que sua renda fosse
integralmente utilizada para pagar ao credor o que sempre foi seu de direito.
Já no século XVII, entretanto, os governos começaram a derramar lágrimas
pelos infortúnios e aflições dos infelizes devedores — ignorando o fato de que
foram os próprios devedores insolventes que se meteram nessa má situação — e
começaram então a subverter sua autoproclamada função de zelar pelos
contratos. Foram aprovadas leis de falência que, crescentemente, deixavam
os devedores fora de perigo e impediam que os credores pudessem reaver suas
propriedades. O roubo passou a ser crescentemente tolerado, a imprudência
passou a ser subsidiada e a frugalidade tornou-se motivo de escárnio.
Atualmente, várias e endividadas grandes empresas não apenas estão fora de
perigo, como também seus ineficientes e imprudentes administradores
frequentemente permanecem em posições de poder, gerindo suas empresas livres de
qualquer cobrança, castigando consumidores e credores com suas ineficiências.
Os atuais economistas utilitários e neoclássicos não veem nada de errado
com isso; o mercado, afinal, "se ajusta" a essas mudanças na
lei. É verdade que o mercado pode se ajustar a quase tudo, mas e daí?
Restringir os direitos dos credores significa que os juros ficarão
permanentemente altos tanto para o devedor honesto e equilibrado quanto para o
imprudente. Mas por que deveria o primeiro ser penalizado para subsidiar
o último?
Em uma sociedade justa, portanto, somente o perdão voluntário concedido
pelos credores livraria os devedores do perigo. De resto, as leis de
falência são uma injusta invasão dos direitos de propriedade dos credores.
Um mito persistente sobre a necessidade de "alívio" dos
devedores é que estes normalmente são pobres, ao passo que seus credores são
ricos, de modo que uma intervenção para salvar os devedores seria meramente uma
medida de "justiça" igualitária. Porém, tal concepção nunca foi
verdadeira: nos negócios, quanto mais rico é o empresário, maiores as chances
de ele ser um grande devedor. Donald Trump e Silvio Santos estão
espetacularmente endividados. No caso do primeiro, as dívidas excedem os
ativos. A intervenção em favor dos devedores sempre foi defendida por
grandes empresas com grandes dívidas.
Nas atuais grandes empresas, cuja grande maioria é beneficiária de
generosos empréstimos do BNDES, o efeito das leis de falência foi o de
prejudicar os portadores de suas debêntures em benefício dos acionistas e dos
atuais administradores, que normalmente estão em conluio com políticos — fora o
fato de ter o governo como acionista via BNDES. O próprio fato de que uma
grande empresa está insolvente demonstra que seus administradores foram
ineficientes, e que eles deveriam ser removidos imediatamente de seus
cargos. As leis de falência que permitem e prolongam a gerência dos
atuais administradores, portanto, não apenas atentam contra os direitos de
propriedade dos credores; elas também afetam os consumidores e todo o sistema
econômico ao 1) darem privilégios especiais para as grandes empresas, gerando
uma concorrência desleal contra as pequenas empresas, que não possuem o luxo de
ganhar subsídios do BNDES, e 2) impedirem que o mercado elimine de cena os
administradores e acionistas ineficientes e imprudentes, transferindo a
propriedade desses ativos para os credores mais eficientes.
Em uma economia de livre mercado que respeite os direitos de
propriedade, o volume da dívida privada seria mantido sob vigilância pelo
próprio devedor, já que não haveria um paizão governo para ajudá-lo a se safar
do credor. Ademais, a taxa de juros que um devedor teria de pagar
dependeria não somente da taxa de preferência temporal do credor, mas também do
risco que o devedor representasse para o credor. Um bom devedor, com bom
histórico de crédito, seria um mutuário "prime", que pagaria juros
relativamente baixos; por outro lado, uma pessoa imprudente ou uma pessoa em
transição, que tivesse acabado de sair de uma falência, teria de pagar juros
maiores sobre seus empréstimos, proporcional ao maior grau de risco do mesmo.
Dívida pública x dívida privada
A maioria das pessoas, infelizmente, faz para a dívida pública a mesma
análise que faz para a dívida privada. Se a inviolabilidade dos contratos
deveria ser a norma para o mundo do endividamento privado, não deveria o mesmo
ser válido para o endividamento público? Não deveria a dívida pública ser
governada pelos mesmos princípios da dívida privada? A resposta é não,
ainda que tal resposta possa abalar as sensibilidades da maioria das
pessoas. A razão é que as duas formas de dívida são totalmente distintas.
Se eu pego dinheiro emprestado com alguém, eu fiz um contrato dizendo
que irei transferir meu dinheiro para esse credor em uma data futura; em um
sentido estrito, ele é o verdadeiro dono do dinheiro naquele momento e, se eu
não pagá-lo, estarei então roubando sua propriedade, a qual é dele de
direito. Porém, quando o governo pega dinheiro emprestado, ele não está
se comprometendo a quitar a dívida com o dinheiro dele próprio; ele não utiliza
seus ativos como colateral. O governo não está comprometendo sua vida,
fortuna e honra sagrada, como fazem os cidadãos privados. O governo não
penhora o que é dele. Ele penhora o que é nosso. E isso faz toda a
diferença.
Ao contrário de nós, o governo não vende nenhum bem ou serviço
produtivo. Consequentemente, ele não possui renda própria. Ele
obtém dinheiro recorrendo à pilhagem dos nossos recursos por meio de impostos,
ou também por meio daquele tributo velado que é a falsificação legitimada do
dinheiro, popularmente conhecido como "inflação". Há algumas
exceções, é claro, como ocorre quando o governo vende selos para colecionadores
(como faz a monarquia de Liechtenstein) ou quando ele entrega nossas
correspondências com incrível ineficiência; porém, a esmagadora maioria das
receitas do governo é obtida por meio da tributação (e da inflação
monetária). Na época da monarquia, e principalmente no período medieval
anterior ao surgimento do estado moderno, os reis obtinham o grosso de sua
renda por meio de suas propriedades rurais — como florestas e terras
agrícolas. Suas dívidas, em outras palavras, eram mais privadas do que
públicas e, como resultado, seu endividamento era praticamente nulo em relação
ao endividamento público que começou a surgir no final do século XVII.
A dívida pública, portanto, é bem diferente da dívida privada. Ao
invés de um credor (normalmente alguém pouco imediatista) trocando seu dinheiro
por uma nota promissória emitida por um devedor (normalmente alguém mais
imediatista), o que temos é o governo recebendo o dinheiro de credores sendo
que ambos (governo e credores) sabem que o dinheiro que será utilizado para
quitar esse empréstimo não sairá dos bolsos dos políticos e burocratas, mas sim
das carteiras e bolsas pilhadas dos infelizes pagadores de impostos, os súditos
do estado.
O governo obtém o dinheiro por meio da coerção tributária; e os credores
do governo, longe de serem inocentes, sabem perfeitamente bem que seu dinheiro
virá exatamente dessa coerção. Em suma, os credores do governo estão
dispostos a dar hoje seu dinheiro para o governo sabendo que receberão no
futuro um dinheiro oriundo do roubo dos cidadãos trabalhadores. Isso é
exatamente o oposto de um livre mercado, ou de uma transação genuinamente
voluntária. Ambos os lados estão fazendo um contrato que só pode ser
cumprido caso haja uma violação futura dos direitos de propriedade dos cidadãos.
Logo, trata-se de um contrato imoral. Ambos os lados, portanto, estão
fazendo acordos que envolvem o roubo da propriedade de terceiros; por isso,
ambos merecem a palma de nossas mãos.
Empréstimos concedidos ao governo não são um contrato genuíno que deve
ser considerado inviolável, assim como ladrões combinando como será a futura
divisão do roubo também não estão incorrendo em nenhum tipo de contrato
sacrossanto.
Uma dívida pública só pode ser tratada como uma transação privada caso
seus defensores se baseiem na comum, porem absurda, noção de que toda
tributação é na verdade "voluntária", e que sempre que o governo faz
algo, somos "nós" que voluntariamente estamos fazendo. Este
conveniente mito foi sagaz e decididamente desfeito pelo grande economista
Joseph Schumpeter: "A teoria que interpreta os impostos fazendo uma
analogia com mensalidades de um clube ou com a compra de, por exemplo, serviços
médicos, apenas serve para comprovar o quão distante essa área das ciências
sociais está dos hábitos científicos da mente."
O que fazer
A moralidade e a utilidade econômica normalmente estão de mãos
dadas. O déficit anual do governo federal, mais os pagamentos anuais dos
juros, os quais continuam subindo uma vez que a dívida total acumulada não para
de subir, faz com que um volume cada vez maior de poupança privada — por
definição escassa e preciosa — seja desviado para financiar improdutivos e
esbanjadores gastos governamentais, algo que inibe e impede mais investimentos
privados. Essa realidade é sempre mascarada pelos economistas
pró-governo, que espertamente contornam o assunto ao rotular arbitrariamente
todos os gastos do governo como "investimentos", fazendo soar como se
tudo estivesse supimpa porque a poupança está sendo produtivamente
"investida".
A realidade, entretanto, é que o gasto do governo só pode ser
classificado como "investimento" no sentido orwelliano da palavra; o
governo na verdade apenas se apropria de bens de consumo para seus burocratas,
políticos e grupos de interesse. O gasto do governo, portanto, longe de
ser um "investimento", é um gasto consumista do tipo mais devastador
e improdutivo, dado que ele é feito não por produtores, mas sim por uma classe
parasítica que vive à custa do produtivo setor privado, continuamente
enfraquecendo-o.
Os déficits e um endividamento crescente representam, portanto, um
crescente e intolerável fardo para a sociedade e para a economia, pois eles
geram uma elevação dos impostos e um contínuo desvio de recursos do setor
produtivo para o parasítico e contraproducente setor "público".
Ademais, se os déficits forem financiados pela expansão do crédito bancário,
isto é, pela criação de mais dinheiro — como está indiretamente ocorrendo hoje
no Brasil —, as coisas ficam ainda piores, dado que a inflação do
crédito cria uma permanente e ascendente inflação de preços, bem como ondas de
expansão e recessão na economia.
Infelizmente, quitar uma dívida nacional que já está próxima dos R$ 2,3
trilhões irá rapidamente quebrar todo o país. Pense nas consequências de
se criar novos impostos no Brasil totalizando R$ 2,3 trilhões (71% do PIB) já
no ano que vem! Outra, e igualmente devastadora, maneira de quitar a
dívida pública seria imprimindo R$ 2,3 trilhões de dinheiro novo — tanto em
cédulas quanto em dinheiro eletrônico. Esse método seria
extraordinariamente inflacionário, e os preços iriam rapidamente disparar,
devastando todos aqueles grupos de pessoas cuja renda não aumente na mesma
proporção e acabando com o valor do real.
Essencialmente é exatamente isso que ocorre em países que
hiperinflacionam, como fez a Alemanha em 1923, e vários outros países desde
então, particularmente no terceiro mundo, como o Chile na década de 1970 e
Brasil, Peru, Argentina e Bolívia nas décadas de 80 e início de 90. Se um
país inflaciona sua moeda para cobrir seus déficits e quitar sua dívida, os
preços sobem de tal modo que a moeda torna-se um papel completamente
inútil. Houve épocas no Brasil em que, se determinada cédula estivesse
jogada no chão, ninguém se daria ao trabalho de abaixar para pegá-la. Não
valeria o esforço. O dinheiro que um credor recebe quando a dívida é
quitada vale muito menos do que aquele dinheiro que ele originalmente
emprestou. Quando um americano comprou um título alemão de 10.000 marcos
em 1914, tal título valia vários milhares de dólares. Esses 10.000
marcos, ao final de 1923, não valiam mais do que um pedaço de chiclete. A
inflação, portanto, é uma forma dissimulada e terrivelmente destruidora de se
repudiar a "dívida pública". Destruidora porque devasta a
unidade monetária, da qual indivíduos e empresas dependem para calcular todas
as suas decisões econômicas.
Proponho, portanto, uma maneira aparentemente drástica, porém na
realidade muito menos destrutiva de se quitar a dívida pública de uma vez só:
um total e imediato repúdio. Antes de prosseguir, voltemos a 1990: por
que deveriam os pobres e oprimidos cidadãos da Rússia ou da Polônia ou de
outros países ex-comunistas serem obrigados a pagar as dívidas contraídas pelos
seus antigos senhores comunistas? Na situação comunista, a injustiça é
clara: cidadãos lutando por liberdade e por uma economia de livre mercado sendo
tributados para pagar as dívidas contraídas pela monstruosa elite dominante.
Porém, essa injustiça difere apenas em grau da dívida pública
"normal". Pois, inversamente, por que deveria o governo
comunista da União Soviética ser obrigado a pagar as dívidas contraídas pelo
governo czarista que eles odiavam e derrubaram?
Da mesma forma, por que deveriam os cidadãos brasileiros de hoje,
aqueles que realmente trabalham no setor produtivo, serem obrigados a pagar as
dívidas criadas por uma elite governamental que contraiu essas dívidas para
benefício próprio, de seus burocratas, de seus parasitas e de seus grupos de
interesse (inclusive grandes empresas e grandes empresários), tudo à custa do
povo trabalhador? Um dos argumentos mais convincentes e persuasivos
contra o pagamento de "reparações" para negros — por causa da
escravidão dos séculos passados — é o fato de que nós, os vivos, não fomos
senhores de escravos. Similarmente, os brasileiros não fizeram um
contrato se comprometendo a pagar pelas dívidas passadas e atuais contraídas
pelos políticos e burocratas de Brasília.
Além do argumento moral e do argumento da inviolabilidade de contratos,
ambos já discutidos, sobra um terceiro argumento contra o repúdio da dívida,
este de ordem puramente econômica: o repúdio seria desastroso pois quem, em seu
perfeito juízo, voltaria a emprestar novamente para um governo caloteiro?
Ora, mas esse é exatamente o ponto positivo dessa medida. O governo
ficaria sem crédito nenhum. E, ao negarem conjuntamente mais crédito ao
governo brasileiro, como os credores estarão propensos a fazer, o governo será
compelido a operar dentro das restrições de um orçamento equilibrado, uma noção
até então nova na história do país. Muitos dos problemas econômicos do
país durante todo o século XX podem ser atribuídos ao apetite insaciável dos
políticos por empréstimos e gastos faraônicos, culminando na aniquilação da
poupança e do capital dos cidadãos brasileiros na década de 1980, quando a
máquina de imprimir do banco central foi utilizada para atenuar
substancialmente os déficits e as dívidas do governo.
Ademais, por que o capital privado deve ser continuamente desviado para
financiar a farra do governo? É justamente essa desidratação do crédito
sugado pelo governo que constitui um dos principais argumentos para o repúdio
da dívida, pois tal medida significaria o fechamento de um enorme canal de
destruição da poupança do público. O Brasil precisa é de poupança
abundante voltada para financiar o investimento das empresas privadas.
Para possibilitar isso, o governo federal deve se tornar magro, austero, frugal
e mínimo. O povo e a economia podem tornar-se vigorosos e prósperos
somente quando seu governo for esfaimado e miúdo.
Portanto, o que pode ser feito? A atual dívida total do governo
federal é de R$ 2,244 trilhões (valores de outubro de 2010). Deste valor,
R$ 276,3 bilhões estão guardados em custódia no Banco Central e R$ 414,8
bilhões estão no sistema bancário em operações compromissadas do Banco Central
(o que significa que o BACEN tem o compromisso de recomprar os títulos que
vendeu aos bancos e tem o compromisso de revender os títulos que comprou dos
bancos).
Os R$ 276,3 bilhões podem ser imediatamente repudiados, pois não faz
sentido ficar pagando juros sobre papeis parados em um cofre de uma agência de
governo. Os outros R$ 414,8 bilhões, como estão nos ativos de vários
bancos — e, por conseguinte, de vários poupadores — poderão ser deixados para o
próximo passo, que será detalhado mais abaixo.
A subtração desses dois valores deixa a dívida total em R$ 1,552
trilhão. Deste total, uma grande parte está em poder de órgãos dos
governos federal e estaduais, como, por exemplo, a Previdência Social, o FAT e
os governos estaduais, que também compram esses títulos públicos. Todos
os títulos públicos em posse de órgãos estatais devem ser imediatamente
repudiados. É ridículo que um cidadão seja tributado por um braço estatal
(a Receita Federal) para pagar juros e principal sobre uma dívida em posse de
outra agência estatal. Os pagadores de impostos poderiam ficar com uma
grande quantia de dinheiro — além de evitar que sua escassa poupança fosse
ainda mais destruída — caso essa parte da dívida fosse imediatamente cancelada.
A Previdência Social, por exemplo, nada mais é que um enorme esquema
Ponzi. O cidadão comum crê que o INSS acumula a quantia que coleta,
investe tudo sabiamente, e então "devolve" ao "segurado" o
valor quando ele aposenta. Nada poderia ser mais falso. O governo
federal simplesmente coleta as "contribuições" dos trabalhadores e as
utiliza para cobrir suas despesas correntes. Quando o
"segurado" se aposenta, o INSS simplesmente retira o dinheiro de quem
estiver trabalhando e repassa mensalmente a esse aposentado. Esse enorme
e fraudulento esquema, totalmente controlado pelo governo federal, é mascarado
pelo fato de o INSS comprar títulos públicos e auferir juros com mais dinheiro
arrancado dos pagadores de impostos. Esses títulos em posse do INSS
também devem ser repudiados, obrigando essa agência a trabalhar estritamente
dentro do seu orçamento até que um plano de transição específico — de previdência
pública para poupanças voluntárias e privadas — seja implantado.
O cancelamento de todos os títulos federais em posse de agências
estatais reduziria substancialmente a dívida federal.
Nesse ponto, restam duas opções. A primeira seria ir adiante e
implementar a sugestão inicial: repudiar imediatamente toda a dívida federal
restante, e que aconteça o que tiver que acontecer.
Tal repúdio permitirá que o governo federal se livre imediatamente do
fardo do serviço da dívida e de suas amortizações, permitindo um corte de R$ 392 bilhões de reais no orçamento.
Como o governo agora não conseguirá vender títulos da dívida, o governo
federal será forçado a operar dentro das salutares restrições que um orçamento
equilibrado exige.
No entanto, isso poderá temporariamente afugentar os necessários
investimentos, inclusive estrangeiros, na dívida do setor privado brasileiro,
de forma que o país precisará implementar políticas que restaurem a poupança
privada e o investimento. Assim, o necessário passo seguinte seria
reduzir vigorosamente a carga tributária, de preferência em um valor igual ao
que foi liberado pelo repúdio da dívida (R$ 392 bilhões, sendo que a receita
total foi de R$ 737,4 bilhões em 2009). Em conjunto com a redução dos
impostos, os cortes de gastos devem se concentrar majoritariamente nos
ministérios, nas agências reguladoras e nos empregos públicos. Isso irá
desobstruir o setor privado e abastecê-lo com a mão-de-obra e capital
necessários; ao mesmo tempo, irá também reverter a expansão do setor público
que ocorreu na última década.
Porém, caso esse esquema seja considerado muito cruel e perverso,
pode-se então implantar uma segunda alternativa: por que não tratar o governo
federal como qualquer empresa falida deve ser tratada (esqueça as leis de
falência e concordata)? Sendo o governo uma organização, por que não
liquidar os ativos dessa organização e pagar aos credores (os portadores dos
títulos do governo) uma porção pro rata desses ativos? Essa
solução não custaria absolutamente nada aos pagadores de impostos e, mais uma
vez, aliviaria o cidadão do fardo de ter de pagar R$ 392 bilhões em juros,
encargos e amortizações todo ano.
Pra começar, o governo federal deve vender todas as participações que o
BNDES tem em 90 empresas. (Quando se considera também os fundos de pensão
Previ, Petros e Funcef, o governo é hoje sócio de 119 empresas).
O próprio BNDES, após quase 60 anos concentrando riqueza, deve ser
vendido para um ou vários outros bancos. Encerram-se os empréstimos
subsidiados para as grandes empresas. Empresários com conexões políticas
agora teriam de se virar, pegando empréstimos às taxas de juros de mercado, sem
mais subsídios e privilégios à custa de seus concorrentes.
Todas as estatais — principalmente Infraero, Correios, Petrobras,
Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, IRB — também devem ser leiloadas
(veja aqui uma apetitosa lista de todas as estatais
federais existentes).
Como levantar quase R$ 1 trilhão não é fácil, e os títulos públicos em
posse dos bancos — e que representam um fluxo de renda para vários correntistas
— e em mãos privadas devem ter prioridade, o governo federal terá de ir bem
mais além. Sendo assim, ele terá de vender todas as suas terras, liberando
dezenas de milhões de hectares para moradias, mineração, agropecuária e
quaisquer outras atividades. Vários trechos da Amazônia estão aptos a se
tornar propriedade privada. Mesmo a sua simples concessão — para agradar
aos mais moderados — já pode garantir um bom trocado. Várias e nababescas
instalações governamentais em Brasília podem ser vendidas para hotéis de luxo
ou para magnatas que queiram construir mansões no local.
A maciça desestatização e subsequente privatização de várias
instalações, prédios e terrenos pertencentes ao governo federal, em conjunto
com a privatização de várias estatais e com o repúdio de parte da dívida que
está em posse de agências governamentais contribuiriam enormemente para quitar
a parte da dívida que está em mãos privadas. Esta, porém, seria paga
apenas de acordo com as receitas auferidas pelo governo.
A redução dos gastos do governo e da carga tributária, e a subsequente
implementação de uma política fiscal mais sensata, seriam o bônus. De
quebra, haveria ainda uma urgentemente necessária desestatização do país.
Para que esse percurso ao menos possa ser aventado, seria preciso antes
fazer as pessoas abandonaram essa falaciosa atitude mental que confunde o que é
público com o que é privado. A dívida do governo federal não pode ser
tratada como um contrato voluntário e produtivo entre dois legítimos donos de
propriedade.
Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um
decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi
o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for
Libertarian Studies.

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