Antônio Álvares da Silva *
O povo foi às ruas, na maior
demonstração pública da história do país, para pedir a cabeça da presidente
Dilma Rousseff. Os desmandos do PT e a voracidade por cargos e dinheiro de
muitos de seus líderes foram transferidos para a vitrine visível que é a
presidente, eleita pelo partido.
O povo é a última e verdadeira
referência da democracia, pois tudo existe em função dele. Mas é preciso certas
ponderações. O país cambaleia nos últimos tempos desde o governo Collor e os
erros atingiram o ápice agora no governo Dilma, apontada como responsável única
por todas as mazelas. Mas convém analisar: seu governo já teve popularidade
reconhecida por quase 70% e o povo que agora pede a deposição dela é o mesmo
que a elegeu, em pleito limpo e honesto.
É lícito e mais do que justo que o
povo reivindique melhoras, pois os desarranjos do país caem primeiramente sobre
os ombros do pobre. Mas é preciso lembrar que estamos num estado democrático de
direito e as instituições livremente estabelecidas não podem ser derrubadas a
cada momento de incerteza e instabilidade. Por isto, temos que aproveitar o
ímpeto popular e transformá-lo em combustível de mudanças e não em meio de
abater presidentes.
A História não nos dá olhos para ver o
futuro, mas nos mostra as con-sequências atuais de nossos atos. Se Dilma for
apeada do poder, virá Temer. Que poderá fazer se a situação é a mesma? Se
caírem Dilma e Temer, assumirão o presidente da Câmara dos Deputados, do Senado
e do STF, pela ordem. Terão a vara miraculosa de modificar o país? Imagine-se a
nação governada por Eduardo Cunha ou Renan Calheiros.
Porém, o mandato-tampão duraria até
novas eleições que, na forma da Constituição, deverão ser realizadas em 90 dias
–art. 81. O país vai paralisar novamente e a pergunta surge de novo: que pode
fazer quem for eleito? O povo terá que voltar às ruas e, enquanto isto, a
pequena solidez de nossa democracia obtida a custo vai desmanchar-se e a casa
na certa ruirá.
Melhor mesmo é que as lideranças
canalizem as energias populares para as reformas de que precisamos. Que a
multidão deixe a avenida Paulista e os jardins do Palácio da Liberdade e se
dirija para as portas do Congresso. E exija as mudanças para tornar o país
viável: a previdenciária, a fiscal, a trabalhista, a partidária, a Judiciária e
por aí vai. Uma coisa é certa: não é só o trabalhador que deve pagar. A
tributação sobre a riqueza e bancos, a moralização dos costumes, a punição dos
desonestos por um Judiciário que decida a exemplo do que vem fazendo o guerreiro
Sérgio Moro constituem uma urgência inadiável.
Já temos a necessária maturidade para
saber que, sem a lei adequada e sem moralidade pública, não se faz nada. A rua
é, sim, o meio próprio de pedir reformas, quando os órgãos encarregados de
fazê-las não agem. Mas é uma força que não vale por si mesma. É preciso
conduzi-la para fins justos e necessários e transformá-la em alavanca das
mudanças.
Não podemos, a cada momento de crise,
rasgar a Constituição, que foi feita para durar. Sem ela, corremos o risco de
instituir o reino da arbitrariedade e do terror. Sem a lei não há ordem nem
vida. Lex salus opuli – a lei é a salvação do povo, como diziam os romanos.
O governo tem falhas. E muitas. Mas
não podemos transformar a presidente num bode expiatório por erros dos quais
todos somos culpados. Se a presidente for deposta, vítima de golpe jurídico e
político, vamos aguardar o próximo que também morrerá nas ruas. Até que
busquemos na razão, na ciência e no trabalho a solução dos males que nós mesmos
criamos.
* Professor titular da Faculdade de
Direito da UFMG

Nenhum comentário:
Postar um comentário