domingo, 14 de fevereiro de 2016

SAUDADE DO PASSADO OU SONHO?




Chico Mendonça


Poderia ser uma cadeira de balanço à beira de uma janela antiga, coberta por uma manta e ladeada por uma mesinha. Sobre ela um vaso com folhas verdes e aveludas e uma flor vermelha de igual textura. A paisagem que se oferece pela vidraça faz parte de uma tarde de pouco sol, brisa suave e muitos passarinhos. Um par de chinelos descansa no chão. Seria útil de igual forma uma outra cadeira, posta sobre o amplo gramado do parque, voltada para uma árvore frondosa e muito bela, de galhos e movimentos teatrais como os de um cipreste. Amarrado num dos braços de madeira, um balão branco deseja o céu. Ou, ainda, uma bola de couro surrada, largada dentro do gol do campinho de terra, o tecido grosseiro exposto em alguns gomos rasgados por tantos chutes e divididas. Ao fundo um vozerio se afasta.
Serviria também um livro aberto sobre a mesa, banhado por uma luz matinal, e no meio dele, como marcador de página, um óculos de aros redondos e hastes dobradas. O silêncio marcado pelo pêndulo do relógio de parede. Quem sabe a porta aberta, entrada para uma casa arrumada e de bom cheiro, com toalha de linho sobre a mesa, chaleira apitando sobre o fogão em chama baixa, um saco de papel com meia dúzia de pães frescos, e, na fruteira de louça branca, goiabas, mexericas e figos. Um cão sentado na soleira, com os olhos postos no quintal, chora baixinho.
Outra possibilidade, o quarto de hotel no fundo do corredor estreito, a cama ainda desfeita, um travesseiro caído ao chão, um caderno com anotações e poemas esquecido sobre a mesinha. Do banheiro chega o vapor do banho recente. O suporte para mala vazio, o cabideiro de madeira também. A cortina branca de voil balança à frente da janela aberta. Dependurado na porta pelo lado de dentro, o chaveiro de ferro tem gravado o número 7. O corredor de piso de madeira range sob o peso dos passos apressados.
Por fim, se enfileiram a poltrona que ele sentava, a caneta de nanquim sem tampa, que ela usa, a jaqueta dependurada no quarto do filho ausente, o chapéu do avô para sempre esquecido sobre o sofá da sala, a garrafa de cerveja depositada diariamente na geladeira para quando o marido chegar, o porta-retratos com a fotografia da amada sob o abacateiro do quintal e a dupla de redes onde eles se deitavam para a sesta. E a chuva que cai sobre os telhados do mundo, de frente às janelas e aos olhares que elas protegem da friagem.
As cadeiras, a bola, o livro, a casa ou o quarto de hotel. Cada cena serve para sublinhar o lugar de alguém, o espaço da chegada e da despedida, a fotografia de uma ausência ou da chegada iminente. Tantas histórias andando pelas ruas, abrigadas pelas cortinas, subindo escadas, descendo precipícios, experimentando a umidade dos dias e a secura dos desertos. Tantos roteiros criativos para as mesmas histórias. Até que um dia este sono passe, até que numa manhã o sonho acabe. E a gente, então, diga assim: “Ô Deus, que saudade!”.

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