Chico
Mendonça
Poderia ser uma cadeira de balanço à
beira de uma janela antiga, coberta por uma manta e ladeada por uma mesinha.
Sobre ela um vaso com folhas verdes e aveludas e uma flor vermelha de igual
textura. A paisagem que se oferece pela vidraça faz parte de uma tarde de pouco
sol, brisa suave e muitos passarinhos. Um par de chinelos descansa no chão.
Seria útil de igual forma uma outra cadeira, posta sobre o amplo gramado do
parque, voltada para uma árvore frondosa e muito bela, de galhos e movimentos
teatrais como os de um cipreste. Amarrado num dos braços de madeira, um balão
branco deseja o céu. Ou, ainda, uma bola de couro surrada, largada dentro do
gol do campinho de terra, o tecido grosseiro exposto em alguns gomos rasgados
por tantos chutes e divididas. Ao fundo um vozerio se afasta.
Serviria também um livro aberto sobre
a mesa, banhado por uma luz matinal, e no meio dele, como marcador de página,
um óculos de aros redondos e hastes dobradas. O silêncio marcado pelo pêndulo
do relógio de parede. Quem sabe a porta aberta, entrada para uma casa arrumada
e de bom cheiro, com toalha de linho sobre a mesa, chaleira apitando sobre o
fogão em chama baixa, um saco de papel com meia dúzia de pães frescos, e, na fruteira
de louça branca, goiabas, mexericas e figos. Um cão sentado na soleira, com os
olhos postos no quintal, chora baixinho.
Outra possibilidade, o quarto de hotel
no fundo do corredor estreito, a cama ainda desfeita, um travesseiro caído ao
chão, um caderno com anotações e poemas esquecido sobre a mesinha. Do banheiro
chega o vapor do banho recente. O suporte para mala vazio, o cabideiro de
madeira também. A cortina branca de voil balança à frente da janela aberta.
Dependurado na porta pelo lado de dentro, o chaveiro de ferro tem gravado o
número 7. O corredor de piso de madeira range sob o peso dos passos apressados.
Por fim, se enfileiram a poltrona que
ele sentava, a caneta de nanquim sem tampa, que ela usa, a jaqueta dependurada
no quarto do filho ausente, o chapéu do avô para sempre esquecido sobre o sofá
da sala, a garrafa de cerveja depositada diariamente na geladeira para quando o
marido chegar, o porta-retratos com a fotografia da amada sob o abacateiro do
quintal e a dupla de redes onde eles se deitavam para a sesta. E a chuva que
cai sobre os telhados do mundo, de frente às janelas e aos olhares que elas
protegem da friagem.
As cadeiras, a bola, o livro, a casa
ou o quarto de hotel. Cada cena serve para sublinhar o lugar de alguém, o
espaço da chegada e da despedida, a fotografia de uma ausência ou da chegada
iminente. Tantas histórias andando pelas ruas, abrigadas pelas cortinas,
subindo escadas, descendo precipícios, experimentando a umidade dos dias e a
secura dos desertos. Tantos roteiros criativos para as mesmas histórias. Até
que um dia este sono passe, até que numa manhã o sonho acabe. E a gente, então,
diga assim: “Ô Deus, que saudade!”.

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