José Antônio Bicalho
Se você toma um dinheiro de terceiro,
paga juros e prevê devolvê-lo, você contraiu uma dívida. Com base nas leis
estadual e federal aprovadas no segundo semestre do ano passado, o governo de
Minas pegou, entre setembro e outubro do ano passado, R$ 4,875 bilhões que
estavam depositados em juízo no Banco do Brasil. É dinheiro que não é do Estado
e, um dia, terá que ser devolvido. Deveria, portanto, ter sido lançado como
‘dívida’ no balanço do governo de 2015. Mas foi lançado apenas como crédito.
Conforme mostra o repórter Bruno
Moreno (leia matéria na página 8), não existe norma publicada, mas já há
entendimento jurídico dos corpos técnicos do Tesouro Nacional e do Tribunal de
Contas da União (TCU) de que a tomada de recursos dos depósitos judiciais pelos
estados precisa ser escriturada como dívida contraída. O secretário de Fazenda,
José Afonso Bicalho, sabe disso e poderia ter se adiantado na correção do
balanço. Se não o fez foi para ganhar tempo e evitar que a dívida consolidada
líquida do governo ultrapassasse o limite legal de 200% da receita corrente
líquida.
Vamos a uma conta rápida. O governo
fechou o ano passado com um estoque da dívida consolidada líquida de R$ 102,592
bilhões. Ela cresceu 20,3% na comparação com o fechamento do ano anterior,
apesar do governo ter pago quase R$ 6,814 bilhões entre juros e amortizações.
Ao final de 2015, a dívida equivalia a 198,7% da receita corrente líquida. Por
muito pouco não ultrapassou o limite dos 200%, a partir do qual o governo do
Estado fica impedido de contratar novos empréstimos e de receber transferências
voluntárias da União.
Estratégia
Se os R$ 4,875 bilhões tivessem sido
lançados no estoque da dívida, o governo teria chegado ao fim do ano passado
com uma dívida total de R$ 107,460 bilhões. Isso equivaleria a 208,1% da
receita corrente líquida, que foi de R$ 51,643 bilhões. Ou seja, o governo
mascarou o balanço, empurrando o problema do estouro do limite até que o TCU
estabeleça oficialmente e com clareza como a tomada dos recursos dos depósitos
judiciais deva ser contabilizada. Não incorreu em ilegalidade, mas manobrou
espertamente os números.
Essa estratégia faz sentido se
lembrarmos que o governo deverá assinar em breve com a União o acordo de
mudança do indexador da dívida, de IGP-DI para o IPCA mais 4% ou Selic, o que
for mais baixo. Como a renegociação das dívidas dos estados é retroativa a
2013, a expectativa é que o acordo represente um abatimento no estoque da
dívida de Minas de algo entre R$ 7 bilhões e R$ 9 bilhões. Ou seja, quando o
secretário Bicalho for obrigado pelo TCU a escriturar a tomada dos recursos dos
depósitos judiciais como dívida, provavelmente já terá o abatimento salvador do
novo acordo da dívida para não ultrapassar a meta dos 200%.
O problema, no entanto, fica apenas
adiado. As receitas do governo mineiro, como se sabe, estão caindo por conta da
crise e do fechamento das torneiras do governo Federal com os repasses. E, apesar
da troca do indexador, nunca os encargos da dívida foram tão altos, já que a
Selic, mesmo abaixo da alternativa que seria o IPCA mais 4%, está em
estratosféricos 14,25%. Então, se a dívida cresceu 20,3% no ano passado
(basicamente por incorporação ao principal de juros não pagos), a expectativa é
que cresça ainda mais neste ano de vacas magras e juros altos. Ou seja, o que o
governo fez foi apenas atrasar um pouco os ponteiros da bomba-relógio.
Governo gasta muito e gasta
mal
Por Mario Guerreiro
Apareceu na primeira página da Folha de S. Paulo, em
23/5/2014, a seguinte manchete: “Copa custa só um mês de gastos com a
educação”.
Ainda se discute muito se o problema do Estado brasileiro é que os
governos gastam muito ou que gastam mal. Contudo, até onde me é dado ver, os
governos gastam muito e gastam mal.
Não disponho de dados quantitativos, mas tenho a impressão de que os
governos do PT foram os que mais gastaram até hoje em ambos os sentidos.
Gostaria mesmo que economistas dedicados à Econometria confirmassem ou
refutassem minha impressão.
Apareceu na primeira página da Folha de S. Paulo, em 23/5/2014, a
seguinte manchete: “Copa custa só um mês de gastos com a
educação”.
Ao me deparar com essa manchete, pude surpreender o subentendido: Os
gastos com a Copa não são tão extravagantes quanto se propala, se os
compararmos com os gastos com a educação.
Segundo a Folha, os gastos com a Copa equivalem a 9% dos gastos
com a educação.
Neste caso, considerando a notória precariedade da educação no País,
infere-se imediatamente que os governos do PT não podem ser acusados de gastar
pouco com a educação, mas podem ser acusados de gastar muito mal com a mesma.
E quando falamos em precariedade da educação, estamos baseados em dados
fornecidos por instituições que fazem pesquisas internacionais em 180 países.
De acordo com estas mesmas, o Brasil ocupa o 88º lugar no ranking
mundial de qualidade da educação básica e o 66º lugar no ranking de
qualidade da educação superior.
Além disso, nossa melhor universidade, a USP, está abaixo do 200º lugar
no ranking da qualidade das universidades.
Esses dados, por si sós, já são vergonhosos para um país que ostenta o
6º ou o 8º PIB do mundo!
Esse horripilante contraste talvez seja explicável, ao menos em parte:
Se, por um lado, nossa educação vai muito mal das pernas, nossa
agroindústria e empresas como a EMBRAPA são um grande sucesso, digno dos
aplausos dos mais acerbos críticos das condições socioeconômicas brasileiras.
A matéria da Folha vem acompanhada por um elenco dos gastos do
governo no ano de 2014.
E estes gastos foram estimados conforme medições feitas em 2011 com
valores atualizados de acordo com o crescimento da economia, segundo o Portal
de Transparência do Governo Federal.
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Compra da Refinaria de Pasadena (EEUU)
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2,8 bi
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Transposição do Rio São Francisco
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8,2 bi
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Um ano de Bolsa Família
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24,7 bi
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Gasto Total da Copa
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25,8 bi
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Hidrelétrica de Belo Monte
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30 bi
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Gasto Anual em Saúde
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30 bi
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Gasto Anual em Educação
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280 bi
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Gasto Federal Anual
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1,2 trilhão
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Gasto Público Total Anual
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2 trilhões
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Quanto ao gasto com a Refinaria de Pasadena, houve um aumento descomunal
do preço inicial pago pela Petrobras, coisa que levantou a suspeita de
superfaturamento e corrupção.
Quanto ao gasto com a transposição do São Francisco, parece ter sido
dinheiro jogado fora, pois a obra está paralisada e se deteriorando.
[O que nos dá todo o direito de suspeitar que não passou de uma jogada
de marquetingue político de Lula, fazendo parte do PAC (Plano para
Alavancar a Companheira).].
O gasto com o Bolsa Família não passa de descarado assistencialismo e
cínica compra de votos. Aqui quem tem razão é Patativa do Assaré, grande
cantador nordestino:
“Esmola na mão de homem são
Ou cobre de vergonha ou vicia o cidadão”.
Podemos dizer dos gastos com a saúde o mesmo que já dissemos dos gastos
com a educação, levando em conta o fato de que as condições dos hospitais
públicos do SUS são tão precárias quanto às das escolas públicas.
Quanto aos gastos com a Hidrelétrica de Belo Monte, não sabemos dizer se
o governo gastou demais ou se gastou mal.
Isto porque carecemos de informações a respeito dos gastos e sobre a
prioridade dessa gigantesca obra de infraestrutura.
Mas sabemos muito bem das péssimas condições gerais da infraestrutura do
País, das nossas rodovias, dos nossos silos, dos nossos aeroportos e
principalmente dos nossos portos.
O Brasil ocupa o 123.o lugar no ranking mundialda
qualidade dos portos!
Estamos há tempos recolhendo informações numéricas sobre o Brasil.
Eis o belo resultado das pesquisas internacionais feitas em 180 países.
Vejam as posições em que se encontrava o Brasil em 2012. De lá para cá, esses
números só podem ter piorado.
88º lugar em educação básica
66º lugar em educação superior
48º lugar em competitividade econômica
78º lugar em qualidade das instituições
99º lugar em liberdade de imprensa
84º em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)
69º lugar em países menos corruptos
123º lugar na qualidade dos portos
107º lugar em qualidade de infraestrutura
91º lugar em expectativa de vida
116º lugar para fazer negócios (lícitos, é claro)
61º no ranking dos melhores países do mundo para aposentados,
segundo o Banco Natixis, da França
1º lugar em violência generalizada. Só homicídios são 50.000 ao ano,
superando a guerra do Vietnã. Não contando assaltos, estupros, violência
doméstica, abortos clandestinos, relações incestuosas com menores, etc.
6º PIB do mundo. Interpretação minha: muito dinheiro circulando nas mãos
de muito pouca gente
3º lugar no mundo em venda de cosméticos e perfumes
Este último item – só para contrariar os milhões de Policarpos Quaresmas
deste nosso Brasil varonil – é a maior prova de que o povo brasileiro é mesmo
superficial e epidérmico.
Se as cirurgias plásticas estéticas – não as reparatórias – fossem um
pouco mais baratas, o Brasil seria o campeão do mundo em mudanças de narizes,
seios e nádegas.
Bem, não podemos dizer que nada muda em Pindorama, a Terra das Palmeiras…

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